0900: Insidioso caça-níquel das TVs

Loteria I 22.01.02

Por: sync

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Neste País já existe estendido, há muito tempo, um imenso pano verde, onde prospera a mais diversificada – e desenfreada – jogatina. Há os jogos de azar oficiais (pois é isso que são) como os das loterias, lotecas e senas; há os disfarçados, como os bingos; há os claramente ilegais, mas tolerados (quando não protegidos por setores políticos que neles encontram patrocínio eleitoral), como o jogo do bicho. Todos eles exercem sobre a população um efeito deseducativo, moralmente deletério, que é o de alimentar o sonho de obter enriquecimento rápido, pela sorte grande, em lugar de buscar o desenvolvimento – e a riqueza – pelo persistente esforço do trabalho. Pior do que todas essas modalidades, no entanto, foi o insidioso caça-níquel montado pelas principais redes de televisão do Brasil, por meio do sistema 0900.
Aproveitando-se do poder de influência colossal que a TV exerce sobre a população brasileira – que, em termos de volume de audiência e de tempo diário gasto em frente à telinha, é, certamente, uma campeoníssima mundial; aproveitando-se da enorme facilidade com que se pode fazer uma “aposta” por esse sistema, pois ele não exige preenchimento de nenhum volante ou cartela, nem conhecimento da “fauna” lúdica cabocla, bastando saber discar ou teclar um aparelho de telefone – sendo, por isso, facilitada a participação de qualquer criança de tenra idade -, o 0900 tornou-se uma verdadeira máquina de tomar dinheiro, que, entre o ano de 1996 e julho de 1998 – quando foi judicialmente proibido -, arrecadou recursos que ultrapassam R$ 1 bilhão, segundo relatório da CPI da Assembléia Legislativa de São Paulo, que investigou o assunto. Além da Rede Globo – que durante a Copa de 98 teria recebido cerca de 160 milhões de telefonemas no programa de sorteios, que representariam o volume de R$ 480 milhões -, o SBT, a Record, a Bandeirantes, a então Manchete (hoje Rede TV!) e a CNT-Gazeta entraram no esquema de exploração do 0900, cujo faturamento – para algumas delas – chegou a superar o proveniente das receitas de publicidade.
Foi em razão disso que a sentença da juíza federal substituta, Giselle de Amaro e França, da 20.ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que as redes de TV devolvam os valores obtidos com os sorteios 0900 entre 1996 e 1998. As emissoras, que alegam ter cumprido a decisão que proibira esse tipo de sorteio, em julho de 1998, pretendem recorrer da sentença. Mas é importante reter o conceito que se consagra na sentença da magistrada, no sentido de se fazer a devolução de tudo o que foi, indevidamente, arrecadado da população. É bem de ver que no Brasil é coisa rara o ressarcimento e/ou a devolução, de alguma forma, do que foi “retirado” da população, por meios irregulares ou enganosos – como é a exploração de sua credulidade.
Sempre é bom lembrar que o sistema de comunicação de massas, em nosso país, opera por meio de concessão do Poder Público federal, e se enquadra no serviço de interesse público, com o objetivo de oferecer tanto programas de informação quanto de entretenimento às comunidades. Lançar mão desse poderoso meio para arrecadar milhões de apostas por telefone é, sem dúvida alguma, uma profunda distorção de suas funções. O sistema 0900 já se prestou para o comércio pornográfico, no que também não poupou moralmente as crianças, nem economicamente os pais – que às vezes tinham que enfrentar o pagamento de contas astronômicas, em razão de ligações efetuadas por seus filhos menores, até para o exterior.
Se já é grande – e freqüentemente tão inglória – a luta da sociedade brasileira, para elevar os padrões éticos e estéticos de nossas redes de televisão, buscando transformá-las em instrumentos de melhoria da educação, da cultura, do comportamento e do desenvolvimento de espírito crítico da população – o que seria até indispensável para nosso aperfeiçoamento político -, o mínimo que os Poderes Públicos (inclusive o Judiciário) podem fazer, em favor da sociedade, é impedir que o poderoso sistema de comunicação eletrônica de massas contribua para intensificar, de forma tão direta e insidiosa, o vício da jogatina em nosso país – que já dispõe, aliás, de suficientes e variados mantenedores.

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