Aposta na lei: O jogo já existe no Brasil, só falta ser regulamentado

BNL I 25.06.07

Por: sync

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Aposta na lei:  O jogo já existe no Brasil, só falta ser regulamentado

 
Aline Pinheiro*

Não há nada mais feio, sujo, imoral e ilegal no Brasil, hoje em dia, do que o jogo. É só abrir o jornal que saltam das páginas máfias de caça-níqueis, casas ilegais de bingo, associação de empresários do jogo com o crime organizado, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. A atividade já foi alvo de uma CPI no Congresso Nacional e de pelo menos três operações da Polícia Federal.
Jogo de azar é uma atividade legal e muito bem regulamentada em todos os países desenvolvidos ou em desenvolvimento do mundo, com exceção de dois – Cuba e Brasil. Desde 1946, o Decreto Lei 9.215 estabeleceu a proibição aos jogos de azar no país. Mesmo assim, o jogo movimenta no Brasil, em atividades legais, ilegais e muito pelo contrário, R$ 20 bilhões. Só o Estado brasileiro, através da Caixa Econômica Federal e das loterias estaduais, gira mais de R$ 5,5 bilhões com a jogatina por ano.
O problema maior do jogo, no Brasil, não é a atividade em si mesma, mas a legislação – ou a falta dela. Tome-se o exemplo das casas de bingo. Desde 1993, já foram feitas três leis e duas medidas provisórias para proibir ou autorizar o jogo do bingo. Tudo que se deliberou sobre a matéria foi revogado, até as leis que revogavam as leis anteriores que dispunham em sentido contrário.
Por conta desta balburdia legislativa, tem casa de bingo lacrada, tem casa de bingo funcionando e tem até juiz preso por autorizar a abertura de casa de bingo. Por falta de regulamentação da atividade, o governo deixa de arrecadar pelo menos R$ 2,6 bilhões em impostos, segundo levantamento do ex-secretário da Receita Federal, Osíris Lopes Filho.
Para falar de jogo e das leis dos jogos no Brasil, a Consultor Jurídico convidou o jornalista Magnho José. Depois de um breve contato com a indústria do jogo, Magnho encontrou aí um nicho de mercado. Não havia nenhum outro veículo de comunicação digital sobre jogo. Resolveu começar, sem muita pretensão, a colecionar as notícias sobre o assunto. Surgiu o Boletim de Novidades Lotéricas, reconhecido hoje como a "bíblia" do setor. Ele condensa rigorosamente tudo o que se publica e sabe a respeito do tema.
Isso foi em 2001. Em 2005, Magnho reuniu o conteúdo dos boletins, enviado por e-mail para os assinantes, no BNLData . Cerca de duas mil pessoas recebem seus boletins. Hoje, Magnho José, 47 anos, é um dos maiores especialistas em loterias, turfes, bingos, cassino e outros tipos de jogos. É também um dos maiores defensores da legalização do jogo no Brasil.
Em meio ao que ele chama de “caça às bruxas” contra os bingos, Magnho levanta a voz para defender a sua legalidade. “Há quatro brechas legais que mantém os bingos funcionando.” O que Magnho defende é a liberdade de cada um de escolher onde e como quer gastar o seu dinheiro, seja na compra de uma casa ou no jogo do bicho. É a união do útil ao agradável. O cidadão se diverte no jogo e o Estado aumenta a sua arrecadação tributária.
Nesta entrevista, da qual participaram os jornalistas Márcio Chaer, Maurício Cardoso e Rodrigo Haidar, Magnho faz eco aos anseios do setor: nem que seja para proibir, é preciso que haja regras muito claras para o jogo.

Leia a entrevista

ConJur — Quanto o jogo movimenta no Brasil?
Magnho José — Algo em torno de R$ 20 bilhões por ano. São R$ 4,4 bilhões em apostas vendidas pela Caixa Econômica Federal, R$ 1 bilhão das loterias estaduais, R$ 300 milhões do turfe, R$ 4 bilhões dos bingos (quando estavam a todo vapor), R$ 6 bilhões das máquinas caça-níqueis de rua e quase R$ 4 bilhões do jogo do bicho e dos jogos pela internet. É um setor econômico de causar inveja em qualquer atividade, não?

ConJur — Quanto desse dinheiro é tributado?
Magnho José — Apenas R$ 5,5 bilhões são bem tributado. O resto ou é mal tributado ou não é tributado. A Caixa Econômica Federal, loterias estaduais e turfe são bem tributados. Bingos entram na categoria dos mal tributados, ou seja, nem toda arrecadação é tributada. Caça-níquel de rua e jogo do bicho não sofrem tributação nenhuma.

ConJur — Como os bingos são tributados?
Magnho José — Há uma tributação errada dos bingos. Tributam-se os giros de apostas, e não o lucro. Por exemplo, se foram apostados R$ 20 mil, o tributo é cobrado em cima desse valor. Isso é errado. Tem de tributar o valor que não foi ganho por ninguém, ou seja, o lucro do bingo. A CPI dos Bingos encaminhou um projeto de lei ao Congresso Nacional justamente dizendo isso: tem de tributar o lucro líquido, que é aquilo que sobrou na máquina de bingo, e não o total de apostas.

ConJur — Não há regulamentação hoje para os bingos?
Magnho José — Não. Os bingos tentam hoje seguir a Lei Pelé. Eles entendem que esta lei está em vigor e, portanto, se baseiam nela.

ConJur — O governo entende que os bingos são ilegais mas, mesmo assim, recebe seus tributos. É isso?
Magnho José — É. Os bingos têm uma tabela de ISS e pagam imposto de renda normalmente, CSLL, PIS, Cofins.

ConJur — Se o jogo como um todo fosse regulamentado, a tributação poderia quadruplicar.
Magnho José — A tributação é a justificação do jogo. Ele só se justifica se existe uma contrapartida social. É assim no mundo inteiro. No Brasil não é assim porque vivemos uma realidade hipócrita. Ninguém quer colocar a mão na ferida, aí o jogo fica parecendo algo do demônio. Essa é a sensação de quem trabalha no setor. Há uma profusão de leis equivocadas que levam à confusão. Nesse caos, ninguém sabe o que é legal, o que é ilegal, o que é tributado ou não. Essa é a realidade que vivemos hoje.

ConJur — De que maneira essa confusão afeta os apostadores?
Magnho José — O Brasil tem o menor payout do mundo. Payout é o plano de premiação. Enquanto na América Latina o plano de premiação médio gira em torno de 50%, as loterias da Caixa pagam uma média de 30%. Isso quer dizer que, quando o prêmio da Megasena chega a R$ 30 milhões, é porque foram vendidos R$ 100 milhões em apostas. Os R$ 70 milhões vão para o governo: fundo penitenciário, Comitê Olímpico Brasileiro, financiamento de bolsas de estudos. São vários penduricalhos nas loterias que as tornam pouco atrativas. Outro problema é a história de o governo fazer superávit primário em cima do dinheiro do fundo penitenciário, ao invés de construir penitenciárias.

ConJur — Existe um projeto de lei para regulamentar a loteria estadual?
Magnho José — Existe o Projeto de Lei 472/07, que está na Câmara dos Deputados. Proposto pela CPI dos Bingos e já aprovado pelo Senado, o projeto garante aos estados o direito de operar loteria, desde que tenham autorização federal. Não ofende a Constituição e nem mesmo a Súmula Vinculante 2 do Supremo Tribunal Federal [que diz que bingos e loterias só podem ser regulamentados por normas federais]. O problema das loterias estaduais é que a sua proliferação pode criar um novo conflito. Os estados vão ter agilidade nas operações e payouts mais vantajosos. Vão virar uma grande concorrência para a Caixa Econômica Federal, que não pode definir seu payout. Tudo da Caixa Federal é definido pelo Congresso Nacional.

ConJur — Mas hoje existem loterias estaduais funcionando, não?
Magnho José — São 14 que podem operar porque foram criadas antes do Decreto-lei 204/67. Isso já é entendimento pacificado no Supremo. Mesmo assim, estas loterias terão um problema. A Súmula Vinculante 2 não faz a ressalva de que essas 14 podem funcionar. A Procuradoria do Estado de São Paulo, por exemplo, já abriu um procedimento investigatório para apurar o funcionamento dessas loterias estaduais.

ConJur — Diz a lei do tempo do Dutra que é proibido no Brasil o jogo de azar. O que é jogo de azar?
Magnho José — É tudo aquilo que depende de sorte.
 
ConJur — E a loteria não é?
Magnho José — É, mas existe uma autorização do governo federal para funcionar. Qualquer tipo de jogo de azar pode ser explorado desde que tenha autorização do Estado.

ConJur — E o turfe?
Magnho José — Turfe não é jogo de azar porque depende de habilidade e conhecimento. O mesmo vale para o pôquer.

ConJur — Quais são os jogos de azar, então?
Magnho José — O jogo de azar deveria se chamar jogo de sorte, porque depende apenas de sorte. Loteria depende só de sorte. Jogo do bicho, caça-níquel e bingo também. O problema no Brasil é que tudo isso não é bem definido, portanto entra no mesmo pacote. Na minha opinião, qualquer jogo que tenha números é loteria. O jogo do bicho, por exemplo, nada mais é do que uma loteria de números. Ele recebeu esse nome quando o mexicano Manuel Ismael Zevada ofereceu o jogo ao Barão de Drummond, que teve a idéia de colocar um bicho numa caixa, deixar as pessoas apostando e, no final do dia, mostrar qual bicho estava escondido. Portanto, os dois não inventaram o jogo, apenas introduziram o bicho. A modalidade prosperou a partir da década de 1940, com o fechamento dos cassinos no Brasil. É a lógica. Sem cassino, surge um Al Capone para oferecer para a sociedade o que ela quer.

ConJur — Qual é o payout do jogo do bicho?
Magnho José — Não tem payout porque é um jogo bancado, e não rateado. O jogo bancado é aquele em que o cara aposta e ganha tantas vezes o que apostou, como o turfe. No rateado, cada um aposta a quantia que quiser e concorre ao todo, tanto faz se apostou R$ 1 ou R$ 1 mil. O jogo do bicho hoje tem mais credibilidade que o Congresso Nacional, segundo pesquisa feita pela Universidade Nacional de Brasília. Isso nos leva a crer que, ainda que proibido, o jogo do bicho tem legitimidade social. Em três estados — Pernambuco, Paraíba e Bahia, o jogo do bicho é regulamentado.

ConJur — Com a Súmula Vinculante 2 do Supremo, o jogo do bicho vai deixar de existir nesses estados?
Magnho José — Não. Em Pernambuco, por exemplo, funciona com o nome de loteria de número. É uma loteria como qualquer outra administrada pelo governo do estado, com uma contrapartida social.

ConJur — Afinal, o bingo é proibido ou permitido?
Magnho José — É uma das grandes discussões porque o Brasil não tem o fenômeno da repristinação [repristinação consiste no restabelecimento de vigência de uma lei revogada pela revogação da lei que a tinha revogado]. A Lei de Contravenções Penais dizia que o bingo era proibido. Aí veio a Lei Zico (Lei 8.672/93), de 1993, que tirou o bingo da Lei de Contravenções Penais e regulamentou a atividade. Veio a Lei Pelé (Lei 9.615/98) em 1998 e substituiu a Lei Zico. Em 2000, veio a Lei Maguito (Lei 9.981/00), que acabou com a Lei Pelé e a regulamentação do bingo, mas não colocou a atividade de volta na Lei de Contravenções Penais.

ConJur — Ou seja, por essa tese, o bingo era proibido, foi autorizado, desautorizado, mas não voltou a ser proibido.
Magnho José — Exatamente. Depois da Operação Hurricane e Têmis, ficou parecendo que todo juiz que deu liminar a favor do funcionamento de bingos estava vendido. Não é verdade. Há quatro teses que mantém os bingos funcionando. A primeira delas é a que eu já expliquei, sobre a repristinação. A segunda é que a Lei Pelé ainda vale porque a MP 2.216-37, que a revogaria, não foi transformada em lei. Embora tenha sido reeditada sucessivamente, não foi votada pelo Congresso Nacional. A terceira tese é que, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou a Medida Provisória 168/04 proibindo o bingo de funcionar, significa que o bingo estava autorizado, certo? E o Congresso Nacional derrubou essa MP. A quarta tese que mantém os bingos abertos é que falta proibição expressa. Não há nenhuma lei que diga que o bingo é proibido. Portanto, há quatro brechas legais para que funcionem.

ConJur — Ainda é possível encontrar bingos aberto no Brasil?
Magnho José — Mesmo com essa caça às bruxas promovida pela Advocacia-Geral da União, Ministério Público e algumas prefeituras, tem bingo aberto no Brasil, amparado em medida judicial. Em São Paulo, há cerca de 100 bingos abertos. O Rio de Janeiro deve ter uns 10. Ainda existem juízes e desembargadores bancando suas liminares porque acreditam que suas teses são válidas. É uma disputa de teses.

ConJur — E qual é a alegação do MP?
Magnho José — Que a Lei Maguito acabou com a possibilidade de ter bingo no Brasil. É a mesma tese da Advocacia-Geral da União. Eu particularmente acho que o Supremo poderia dar uma grande contribuição para o país se definisse a questão. Mas não faz isso porque acredita que a atribuição é do Congresso Nacional, e não dele.

ConJur — Mas o STF já foi provocado para dar essa reposta sobre os bingos?
Magnho José — Não. E eu nem sei quem deveria provocar o tribunal. Mesmo assim, temo que o Supremo decida. O julgamento da primeira Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o assunto, que questionava a MP 168, foi político. A ação foi julgada no calor da movimentação da mídia, que é extremamente preconceituosa com relação ao bingo.

ConJur — De onde vem esse preconceito?
Magnho José — Vem de um segmento da sociedade, da qual faz parte o jornalismo. Acho que os bingos têm um pouco de culpa nisso porque não fizeram o dever de casa. Eles tinham de mostrar para a sociedade a aplicação dos recursos advindos dos bingos. O iatista e campeão olímpico Robert Scheidt é um fruto do bingo. Foi patrocinado pelo bingo durante muito tempo. A campeão mundial de ginástica Daiane dos Santos começou a treinar nos equipamentos comprados com o dinheiro vindo do bingo. Os bingos não mostraram isso e também foram prejudicados.

ConJur — Fala-se muito que o jogo está a serviço do crime organizado e que também é usado para lavar dinheiro. O preconceito também não pode ter nascido daí?
Magnho José — É a mesma coisa que cabeça de bacalhau. Já cansei de ouvir que o jogo está ligado ao crime organizado, mas isso nunca foi provado. Eu também nunca vi um empresário de bingo ser condenado por lavagem de dinheiro. Ouvi da Adrienne Senna, quando era presidente do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que existem atividades mais fáceis e rentáveis para lavar dinheiro do que o jogo. Por exemplo, estacionamento e motel. Não vale à pena lavar dinheiro no bingo porque o imposto cobrado é muito alto. Os bingos têm uma carga de impostos altíssima: mais de 45%. Portanto é uma idéia simplista achar que se lava dinheiro em uma atividade com elevada carga tributária.

ConJur — Qual deve ser o destino dos bingos?
Magnho José — Temos três grandes associações no país buscando a regulamentação dos bingos: Associação Brasileira de Bingos (Abrabin), Federação Brasileira de Bingos (Febrabin) e a Associação Brasileira de Loterias Estaduais (Abrale). Essas três associações criaram o Movimento Pró-Bingo, que tem a tarefa de ir até Brasília e mostrar aos parlamentares que o bingo, bem regulamentado, pode gerar benefícios. Para isso, esse movimento mostra um estudo feito pelo advogado tributarista e ex-secretário da Receita Federal Osíris Lopes Filho que diz que a atividade regulamentada pode gerar R$ 2,6 bilhões por ano para os cofres públicos. Além disso, temos de lembrar que os bingos geram empregos também.

ConJur — Quantas pessoas o bingo emprega?
Magnho José — Quando estavam funcionando a todo vapor, os bingos empregavam 120 mil pessoas. Fora isso, os bingos geram também os empregos indiretos, por exemplo, da empresa que fabrica a caneta usada pelos apostadores, da gráfica que imprime as cartelas e por aí vai. O bingo também tem uma função social muito importante. É o único lazer para idoso que existe no Brasil.

ConJur — A discussão sobre a legalidade ou não dos bingos no Brasil atinge apenas as empresas que têm o bingo como atividade fim ou igrejas, por exemplo, que fazem bingo beneficente também?
Magnho José — Pelo entendimento do Ministério Público, qualquer bingo está proibido, inclusive o beneficente da igrejinha que vai distribuir frango assado. Por esse entendimento, qualquer sorteio de prêmio tem de ter autorização federal. Senão, é ilegal.

ConJur — De que maneira a Súmula Vinculante 2 vai interferir na polêmica dos bingos?
Magnho José — É chover no molhado. Desde que o Supremo julgou a primeira Ação Direta de Inconstitucionalidade dizendo que os estados não podem legislar sobre bingos, os próprios estados já assimilaram isso. Há apenas uma legislação estadual sobre bingos valendo, que é a do Rio de Janeiro. E isso porque houve um erro do Ministério Público, que apresentou a ação contra o decreto e não contra a lei que originou o decreto. O Supremo ainda não definiu a questão. Mas quero falar aqui que o Ministério Público presta, em alguns momentos, um desserviço para a sociedade.

ConJur — Por quê?
Magnho José — O Rio tinha uma loteria de bingos, que é o nome dado para o bingo regulamentado pelo estado, que arrecadava R$ 35 milhões por ano. A loteria de bingos em Santa Catarina arrecadava R$ 25 milhões. Só no Rio de Janeiro, foi construído um bairro inteiro, com 1,2 mil casas, com o dinheiro do bingo. Os bingos se justificavam, portanto. Mas quando o Ministério Público foi questionar essas duas legislações, os bingos resolveram aproveitar os vácuos legais da legislação federal para continuar funcionando. Quem perdeu com isso foram os dois estados, que ficaram sem os R$ 60 milhões por ano que recebiam com suas loterias de bingos. Isso é um desserviço.

ConJur — Quem ganha com a não regulamentação do jogo no Brasil?
Magnho José — Os argentinos me fazem essa pergunta todo ano e eu morro de vergonha porque não tenho uma resposta para dar. Não consigo entender como nossos atores sociais tratam tão mal o jogo no Brasil. O jogo é regulamentado no mundo inteiro. Nos sete países mais ricos do mundo — Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itálica e Canadá, todos os jogos, de loteria a cassino, estão regulamentados. Será que o Brasil não está errado? A Argentina, por exemplo, tem uma das melhores regulamentações de jogo do mundo. Lá, o jogo tem de ter o Estado como sócio. É bem fiscalizado. O que eu sei é que o jogo não regulamentado no Brasil beneficia muitos agentes públicos que recebem propina para deixar funcionar o jogo ilegal. Isso é indiscutível. O jogo não regulamentado favorece o agente público corrupto.

ConJur — Essa falta de regulamentação não interessa também os empresários do jogo, que ficam à vontade para fazerem o que bem entendem?
Magnho José — Não. Todo empresário que trabalha com o jogo quer a sua regulamentação. Ele se especializou nesse setor e quer que isso seja regulamentado. Hoje, vemos empresários desistindo do jogo por causa da falta de regulamentação. Eles têm medo de serem confundidos com bandido. Alguns vão embora do Brasil para trabalhar onde o jogo é permitido. As melhores máquinas hoje de vídeo bingo dos Estados Unidos foram desenvolvidas no Brasil.

ConJur — O senhor entende que máquina de bingo é permitida. Caça-níquel também?
Magnho José — Não. Estou preocupado com esse negócio de máfia de caça-níqueis. A cada semana tem uma nova máfia de caça-níquel. Esse país é movido à máfia de caça níquel. A máquina de vídeo-bingo, que eu acho legal, tem uma engenharia mais sofisticada, é baseada na Lei Pelé, que prevê um plano de premiação de 85%. A caça-níquel, máquina de rua, tem uma engenharia quase que artesanal e não obedece a nenhuma legislação que diga qual é o plano de premiação. Como editor de um jornal sobre loteria, eu digo: máquina de rua é ilegal. Também não gosto do conceito de máquina de rua porque ela é uma ameaça à economia popular. O seu José vai até a padaria, esbarra com a máquina e joga por curiosidade, sem nem saber quais são suas chances de ganhar. A Espanha tem muita máquina de rua, mas lá existem regras. No Brasil, não. Acho muito difícil o governo combater as caça-níqueis, que hoje são cerca de 300 mil espalhadas pelas ruas. Elas só vão deixar de existir quando o apostador perceber que não pode confiar nelas e preferir ir até um bingo jogar. Ao proibir o bingo, acaba-se aumentando a oferta de máquina ilegal nas ruas.

ConJur — Mas essas máquinas não estão necessariamente ligadas ao crime organizado.
Magnho José — Não necessariamente. O problema das caça-níqueis é que elas geram lucros para um grupo ou para uma determinada pessoa sem nenhuma contrapartida social. Não há tributos. Ela dá 100% de rentabilidade para quem a explora.

ConJur — Vamos falar de cassino. Por que o cassino é proibido no Brasil?
Magnho José — O cassino é proibido no Brasil desde 1946. Mais uma vez, o Brasil está na contramão. Dos 108 países que formam a Organização Mundial de Turismo, só Brasil e Cuba não têm cassino. Nosso país sempre viveu uma relação hipócrita com os cassinos. Foram vários projetos de lei que chegaram longe, mas não foram aprovados. Enquanto nossos atores sociais não colocam a mão na massa para autorizar o cassino com medo de se queimarem, os norte-americanos faturaram US$ 32,4 bilhões em 2006 com seus cassinos.

ConJur — Se o cassino fosse regulamentado no Brasil, o faturamento poderia chegar a isso?
Magnho José — Em 2005, o Hotel Conrad, em Punta Del este, teve um faturamento de US$ 12 milhões com o jogo. O público do seu cassino é formado por 50% de brasileiros. Daí se conclui que o Brasil teve uma evasão de divisas de US$ 6 milhões apenas para o Conrad. Temos de lembrar também que o fato de o cassino ser proibido no Brasil não significa que ele não exista. Além dos cassinos clandestinos, também temos a internet. Hoje, é possível jogar em qualquer lugar do mundo pela internet. Fico sempre com uma dúvida: times da Espanha e da Itália são patrocinados pelo maior cassino na internet, que é o Bwin. Será que o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União vão querer proibir a TV Globo de exibir esses jogos porque os times fazem propaganda de cassino? É uma pergunta para qual não encontro resposta.

(*) Aline Pinheiro: é repórter da Consultor Jurídico

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