Análise: Mercado lotérico vive dia histórico com decisão do STF…e agora?

Blog do Editor I 01.10.20

Por: Magno José

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O voto do ministro relator Gilmar Mendes foi uma reparação histórica do STF ao garantir o princípio federativo no âmbito das loterias

 

Os profissionais do mercado de jogos, apostas e loterias sabem da representatividade da decisão unânime do Supremo Tribunal Federal – STF nas ADPFs 492 e 493 e na ADI 4.986, que decidiu que loteria é um serviço público, que a competência exclusiva da União é para legislar sobre sorteios e loterias e que os estados podem explorar essas atividades. Outro esclarecimento manifestado no voto do relator foi que o Decreto-Lei 204/1967 não revogou o Decreto-Lei 6.259/44, que dispõe sobre o serviço de loterias federal e estadual.

A maioria dos ministros entendeu que como a Constituição Federal não previu esse monopólio da União em atividades lotéricas, uma lei infraconstitucional não poderia fazê-lo.

A ADPF 492 foi ajuizada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro – Loteria do Estado do Rio de Janeiro – Loterj, a ADPF 493 foi ajuizada pela Associação Brasileira de Loterias Estaduais – ABLE e a ADI 4.986 foi ajuizada pelo Ministério Público contra o Estado do Mato Grosso contra a criação da Loteria do Estado do Mato Grosso – LEMAT.

“Uma reparação histórica do STF ao garantir o princípio federativo no âmbito das loterias”, comentou o advogado e ex-presidente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro, Daniel Homem de Carvalho.

As cicatrizes e a prudência nos obrigam a esperar pela publicação do Acórdão do julgamento, mas o voto do ministro relator Gilmar Mendes nos permite uma análise sobre a abrangência da decisão do Plenário do STF. (excepcionalmente estamos encaminhando um arquivo em PDF com o voto do ministro Gilmar Mendes)

Conclusões e Dispositivo

Por fim, retomo brevemente as principais premissas e conclusões deste voto, com o intuito de esclarecer a ratio decidendi:

(i) A exploração de loterias ostenta natureza jurídica de serviço público (art. 175, caput, da CF/88), dada a existência de previsão legal expressa;

(ii) Os arts. 1º e 32 do Decreto-Lei 204/1967, ao estabelecerem a exclusividade da União sobre a prestação dos serviços de loteria, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, pois colidem frontalmente com o art. 25, § 1º, da CF/88, ao esvaziarem a competência constitucional subsidiária dos Estados-membros para a prestação de serviços públicos que não foram expressamente reservados pelo texto constitucional à exploração pela União (art. 21 da CF/88);

(iii) A competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (art. 22, inciso XX, da CF/88) não preclui a competência material dos Estados para explorar as atividades lotéricas nem a competência regulamentar dessa exploração. Por esse motivo, a Súmula Vinculante 2 não tratada competência material dos Estados de instituir loterias dentro das balizas federais, ainda que tal materialização tenha expressão através de decretos ou leis estaduais, distritais ou municipais.

(iv) Por outro lado, as legislações estaduais instituidoras de loterias, seja via lei estadual ou por meio de decreto, devem simplesmente viabilizar o exercício de sua competência material de instituição de serviço público titularizado pelo Estado-membro, de modo que somente a União pode definir as modalidades de atividades lotéricas passíveis de exploração pelos Estados.

Forte nessas razões, julgo procedentes as ADPFs 492 e 493, para declarar não recepcionados pela Constituição Federal de 1988 os arts. 1º e 32, caput e § 1º, do DL 204/1967. Relativamente à ADI 4.986 julgo improcedentes os pedidos.

É como voto.

 

Todos os estados e o Distrito Federal podem operar loterias

O STF reconheceu a competência constitucional de todos os estados e o Distrito Federal em operar o serviço de loterias. Anteriormente, o entendimento era que apenas as loterias criadas antes do Decreto-Lei 204/1967 poderiam prestar o serviço lotérico.

O julgamento do mérito acabou sendo provocado pela extinta Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda – SEAE/MF ao questionar a prestação do serviço lotérico pelos estados sob a alegação de que a União era detentora do monopólio da exploração de concursos de prognósticos numéricos previsto em Legislação Federal. Este também era o entendimento da Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN e Procuradoria-Geral da República.

Abrangência da decisão

Todos os advogados e especialistas consultados pelo BNL comentaram que os estados e o Distrito Federal podem operar todas as modalidades autorizadas e regulamentadas pela União como concursos de prognósticos, loteria instantânea e, até mesmos, a modalidade lotérica de apostas em quota fixa ou apostas esportivas dentro. Mas a decisão não permite a abertura de bingo.

“A modalidade [bingo] não está prevista no portfólio da legislação federal (em tese). Penso que é uma oportunidade ímpar para o setor, inclusive os produtos tradicionais”, esclareceu o advogado Roberto Brasil Fernandes.

A única dúvida é se as modalidades permitidas aos estados carecem de regulação da União, já que no voto, o ministro Gilmar Mendes manifesta a necessidade de “um equacionamento da competência legislativa privativa da União para estabelecer as diretrizes nacionais da sua prestação”.

“A União deverá/poderá editar uma norma regulamentando essa matéria, talvez um Decreto, com a cautela de não invadir competência, que agora, seguramente são dos estados”, disse Fernandes.

Mas na dúvida, é melhor esperar pela publicação do Acórdão do julgamento das ADPFs 492 e 493 e na ADI 4.986. Além disso, o novo entendimento do STF só terá validade a partir da data de publicação do Acórdão, que é o nome de uma decisão dada em um processo ou recurso, por um colegiado de juízes, desembargadores ou ministros.

No caso da modalidade lotérica de apostas em quota fixa ou as apostas esportivas, as loterias estaduais deverão atender o previsto (§1 do Art. 2º) no Decreto-Lei nº 6.259/1944 “a loteria federal terá livre circulação em todo o território do país, enquanto que as loterias estaduais ficarão adstritas aos limites do Estado respectivo”.

Julgamento técnico e não político

O advogado Sear Jasú comentou que o julgamento das ADPFs 492 e 493 e na ADI 4.986 foi técnico e não político segundo

O julgamento desta quarta-feira foi o mais importante depois da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2847) contra a criação da Loteria Social do Distrito Federal. Em agosto de 2004, o Plenário decidiu pela inconstitucionalidade das Leis distritais por dez votos a um, sendo o ministro Marco Aurélio a favor das loterias estaduais. O julgamento “político” foi o “leading case”, ou a orientação jurisprudencial que norteou os julgamentos das outras 14 ADIs contra legislações lotéricas ou de bingos no STF.

Além deste julgamento e para evitar a criação de legislação estadual sobre bingos (Loteria de Bingo), o STF editou em 2007 a Súmula Vinculante nº 2 com o seguinte enunciado: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual que disponha sobre loterias e jogos de bingo”.

Advogados avaliaram naquela época que as duas decisões do STF foram políticas, contrastando com o julgamento da tarde desta quarta-feira (30), que foi técnico e reparou os equívocos da Suprema Corte.

“O julgamento que reconheceu a competência constitucional dos estados em operar as loterias, mesmo não podendo inovar, foi uma decisão técnica e não política. O STF não teve o clamor da política para fechar os bingos como a ADI da Loteria Social do Distrito Federal e durante a edição da Súmula Vinculante nº 2. Os dois julgamentos anteriores foram políticos, mas o de hoje [quarta-feira] foi técnico”, comentou o advogado Sear Jasú, que há anos defende a tese da não recepção dos artigos questionados do Decreto-Lei 204/1967.

Integra do voto do ministro Gilmar Mendes

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