‘Cachoeira’ e ‘Carlos Augusto Ramos’ são personagens distintos

Destaque I 12.04.12

Por: sync

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Diferenças entre "Cachoeira" e "Carlos Augusto Ramos"

Por Magnho José*


Apesar de ser apenas uma pessoa, entendemos que “Carlinhos Cachoeira” e “Carlos Augusto Ramos” são personagens completamente diferentes, principalmente frente ao mercado de jogos no Brasil. Mesmo com a insistência da mídia em conceder a liderança deste mercado ao “Cachoeira”, o personagem está longe de ser o símbolo, representante ou garoto-propaganda do setor de jogos no Brasil. Dentro deste contexto, o contraventor Carlinhos Cachoeira — como admitido pelo seu advogado —, é apenas um operador de jogos clandestinos em Goiás e arredores de Brasília. Nada mais!

Para surpresa do setor de jogos e do país, o verdadeiro “Carlinhos Cachoeira” está sendo revelado e desconstruído nos últimos dias graças à Sprint Nextel (já que acreditava que os aparelhos habilitados nos EUA eram à prova de grampos) e à Operação Monte Carlo. Segundo a Polícia Federal, o contraventor tinha ligações com uma bancada multipartidária no Congresso, além de manter vínculos com pelo menos dois governadores. Além do senador Demóstenes Torres, o contraventor tinha a simpatia de mais seis partidos: DEM, PT, PSDB, PP, PTB e PPS, que formavam a bancada suprapartidária do “Partido do Carlinhos Cachoeira”, além disso, desejava abrir uma interlocução com a presidente Dilma Rousseff. Ou seja, um projeto de poder com vários tentáculos. Como a grande mídia está exaurindo o assunto dentro do conceito “bad news, good news” (más notícias são boas notícias), vamos nos concentrar no empresário.

O personagem Carlos Augusto Ramos é um conhecido empresário do setor de loterias, que operou modalidades lotéricas em cinco estados brasileiros através das empresas Jogobrás do Brasil Ltda — com a Loteria do Estado de Minas Gerais (LEMG) —, Gerplan Gerenciamento e Planejamento Ltda — com a Loteria do Estado de Goiás (LEG) —, consórcio Larami Diversões e Entretenimentos Ltda, formado pelas empresas argentinas Boldt S.A. e BGP Administração e Participações Ltda — com a autarquia de Serviço de Loteria do Paraná (Serlopar) —, Capital Construtora e Limpeza Ltda — com a Loteria do Estado do Rio Grande do Sul (Lotergs) — e o consórcio Companhia Brasileira de Loterias Governamentais – Combralog, formado pelas empresas Capital e a sul-coreana PicoSoft Company — com a Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj). Além disso, o empresário também tem participações em empresas operadoras de jogo em países onde esta atividade é legalizada e regulamentada pelo Estado.

A curiosidade destas cinco operações, conquistadas através de licitações públicas entre os anos de 1999 e 2003 junto às loterias estaduais, foi que nenhum desses contratos chegou ao final do prazo estipulado. Todos foram cancelados pelas autarquias estaduais e transformados em ações judiciais pelo empresário, como o da Ação Cível Originária 767, que tem como réus a empresa Gerplan e o estado de Goiás, que está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Uma ironia do destino marcaria o lançamento do jogo “Sonho Premiado”, da Loteria de Goiás, no dia 21 de dezembro de 2001. O então secretário de Segurança Pública e Justiça de Goiás, Demóstenes Torres, afirmou ao jornal O Popular e ao Diário da Manhã, que a nova loteria não tinha o objetivo de legalizar o jogo do bicho. “O jogo do bicho traz sérios problemas para a segurança pública, principalmente pela relação promíscua que tem com policiais corruptos. As vantagens para quem aderir ao Sonho Premiado são muitas, entre elas o fato de passar a ter direitos reconhecidos pela Justiça do Trabalho”, ilustrou.

Em fevereiro de 2004, a revista Época publicou uma reportagem sobre uma fita que mostrava o assessor do ministro da Casa Civil, Waldomiro Diniz, cobrando propina do empresário Carlos Augusto Ramos. A gravação teria sido feita em 2002, quando Waldomiro presidia a Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj), durante o governo de Benedita da Silva (PT-RJ). Waldomiro teria cobrado dinheiro para campanhas eleitorais de candidatos a governadores do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. Para dar uma satisfação à sociedade e reduzir a pressão da mídia, o presidente Lula editou, no dia 20 de fevereiro, uma medida provisória (MP 168), que proibia a operação dos bingos e videobingos em todo o Brasil. Depois de aprovada pela Câmara dos Deputados, o plenário do Senado a rejeitou, no dia 5 de maio, por 32 votos a 31. Com isso, os bingos voltaram a funcionar. Depois desse imbróglio, começou uma batalha de ações judiciais entre as casas de bingo, Ministério Público e o governo federal, até o STF editar a Sumula Vinculante 2 com o enunciado: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”.

Em junho de 2005, foi instalada a CPI dos Bingos do Senado Federal, proposta pelo senador Magno Malta (PL-ES), com o objetivo de investigar o primeiro escândalo de importância do governo Lula: a atuação do ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, flagrado em vídeo negociando com o empresário Carlos Augusto Ramos. Apelidada de "CPI do Fim do Mundo", a Comissão passou a investigar todo tipo de denúncia que surgiu contra o governo, como a suposta ligação entre o assassinato do prefeito Celso Daniel (PT) e o esquema de financiamento de campanhas (Mensalão); as possíveis irregularidades na Prefeitura de Ribeirão Preto durante a gestão de Antonio Palocci; a suposta doação de casas de bingo ou a remessa de dólares vindos de Cuba para a campanha de Lula, entre outros temas explosivos.

Depois que cumpriu seu objetivo de desgastar o governo, a CPI tinha que produzir um relatório final com as conclusões. O senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), relator da CPI, se valeu de antigas informações sobre o setor e recomendou várias ações ao final, como a investigação de vários empresários do setor e prazo para o encerramento do contrato da Caixa Econômica Federal com a Gtech. Além disso, a CPI apresentou uma Indicação Legislativa para a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado Federal e a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania com “Proposta de estudo de Projeto de Lei para regulamentar os bingos no Brasil”. A CPI também apresentou o PLS 278/2006, que autoriza os estados federados e o Distrito Federal a explorar loterias. A proposta foi aprovada pelo Senado e encaminhada para a Câmara e virou o PL 472/2007. O projeto ainda está tramitando na Câmara, já tendo sido aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor (CDC). Atualmente, está na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), com a relatoria do deputado Pedro Eugênio (PT-PE).

Mas dez anos antes da CPI do Senado, em fevereiro de 1995, a Câmara dos Deputados também teve a sua CPI dos Bingos, que acabou em escândalo. Proposta pelo deputado Marquinho Chedid, o parlamentar foi acusado e denunciado como líder de um esquema que extorquia empresários do ramo e cobrava propinas para não convocá-los a depor. Em dezembro do mesmo ano, a CPI foi extinta e uma Comissão Especial (CESP) assumiu os trabalhos para encaminhar uma proposta através da apresentação do PL 1.417/1996, propondo modificações na legislação que autorizava a operação de bingos. O PL foi aprovado pela Câmara dos Deputados e remetido ao Senado. Como não foi apreciado, a Câmara arquivou a proposta em fevereiro de 2003. A Comissão de Ética da Câmara investigou as denúncias de irregularidades na extinta CPI dos Bingos e o relatório da comissão concluiu que Chedid teria recebido propina para favorecer um bicheiro. O plenário entendeu que ele era inocente e o absolveu por 274 votos a favor e 74 contra da acusação de "falta de decoro parlamentar".

Nesta terça-feira, 10 de abril, o Congresso Nacional decidiu instalar uma CPI Mista, a “CPI do Cachoeira”, para investigar as denúncias de envolvimento de parlamentares com o contraventor. Esta será a quarta Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o setor de jogos no Brasil, pois a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro também realizou a “CPI da Loterj”, que resultou na condenação de Waldomiro Diniz e Carlos Augusto Ramos.

Não foi a primeira e nem será a última vez que a relação entre um operador de jogo ilegal e um político/parlamentar será transformada em escândalo. Esta relação sempre será tratada pela mídia e pela sociedade dentro deste contexto. O problema é que entidades como a Associação Brasileira de Bingos (Abrabin) e a Associação Brasileira de Loterias Estaduais (Able) e os defensores da legalização dos jogos no país necessitam do acesso aos parlamentares para, legitimamente, defender junto ao Congresso Nacional a legalização e regulamentação deste setor.

No próximo dia 3 de julho, o jogo do bicho completará 120 anos de operação e, no dia 3 de outubro, serão 71 anos de proibição pela Lei de Contravenções Penais. A legislação proibitiva não alterou o cenário de ilegalidade do jogo no Brasil, que movimenta mais de R$ 17,5 bilhões anualmente em apostas clandestinas. Além disso, o país tem uma das legislações mais atrasadas na área de jogos e loterias do mundo. É totalmente equivocada a tese de que a legalização do jogo acabaria favorecendo o crime organizado. Na verdade, ambiente propício às máfias é o atual, com o jogo ilegal movimentando mais que os R$ 9,73 bilhões das loterias da Caixa Econômica Federal, sem nenhuma contrapartida para Estado e sociedade. Discursos que usam patologia, lavagem de dinheiro e ausência de controle como argumentos contrários é parte do lobby dos que pretendem manter o jogo na ilegalidade, principalmente alguns veículos de comunicação de massa.

No último dia 30 de março, a comissão de juristas que estuda mudanças no Código Penal decidiu propor, no anteprojeto que apresentará ao Senado, que os jogos de azar sejam tipificados nessa lei como crime. Nessa reunião, apenas o advogado e jurista Luiz Flávio Gomes foi contrário à criminalização de qualquer tipo de jogo. "Criminalizar o jogo é o maior retrocesso que vamos cometer nos últimos tempos. Ou regula ou paga imposto ou pega (o crime) pela lavagem (de dinheiro). Estamos sucumbindo a uma manifestação midiática que associa o jogo ao crime organizado e ao tráfico de drogas. Há mil formas de ‘pegar’ o dono do jogo, pois ele comete crimes tributários e de lavagem de dinheiro, por exemplo. Jogo é jogo, deixem o povo jogar”, declarou Gomes.

Os membros da comissão estão querendo revogar a lei da oferta e da procura. Como se isso fosse possível. O poder público poderá estar criando uma nova anomalia ao criminalizar esta atividade sem antes criar um marco regulatório para o setor, pois vai empurrar o jogo ilegal para estruturas “verdadeiramente” mafiosas. Além disso, deixo a pergunta: haverá espaço nas cadeias e presídios para os operadores ilegais e os cerca de 600 mil apontadores do jogo do bicho espalhados pelo país?

Não dá mais para governo, parlamento e sociedade se omitirem na questão da legalização dos jogos no país. Mas, pelo visto, o lobby dos que pretendem manter o jogo na ilegalidade está vencendo, pois em nenhum momento Executivo, Legislativo e Judiciário discutiram a possibilidade de enfrentar a questão da criação de um marco regulatório para esta atividade no Brasil, a exemplo de outros países, que acolheram o jogo no seu sistema jurídico, porque perceberam que, existindo demanda, “alguém” vai prestar o serviço. Em todas as Américas (Norte, Central e Sul) só não tem jogo legalizado em Cuba, Guiana Francesa, Equador e Brasil. Será que só estes quatro países estão certos?

Afirmar que o Estado não tem condições de controlar e fiscalizar estas operações é uma falácia. A Caixa controla de forma online mais de 33 mil terminais instalados em 11 mil lotéricas de 4.437 municípios. A Receita Federal tem um dos sistemas de controle do Imposto de Renda mais competentes do mundo e a Justiça Eleitoral controla 420 mil urnas eletrônicas com resultado em apenas cinco horas. Com toda tecnologia disponível, chega a ser risível o argumento que essas atividades são propícias à lavagem de dinheiro.

Toda proibição é discutível e às vezes inútil. A Lei Seca nos Estados Unidos é um exemplo a ser observado. A proibição do jogo no Brasil também não resolveu a ilegalidade do centenário jogo do bicho. Deve-se pensar bem antes de transformar as boas intenções em novos negócios para o crime organizado. Quem quiser jogar e não puder fazê-lo de acordo com a lei irá buscá-lo no mercado negro, pois sempre haverá um “empreendedor” para dar à sociedade o que a sociedade deseja.
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(*) Magnho José é jornalista especializado em loterias e jogos, editor do site BNLData e professor do curso de pós-graduação em Comunicação Empresarial da UCAM. – Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2012.

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