Considerações sobre o julgamento da Adin de Santa Catarina

Especial I 16.08.06

Por: sync

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ADI 2996/STF – Loterias de Bingos – Santa Catarina
 
1. Efeitos da decisão
As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ADI, produzem eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgão do poder judiciário e a administração pública direta e indireta, em todas esferas (art 102 parágrafo 2 º)

Efeito ex tunc (retroativo) e erga omnes (contra todos)

Reveste-se de autoridade de coisa julgada (não há recurso cabível e implica em impossibilidade de sua modificação por decisão ulterior do próprio STF) O reexame da mesma matéria só ocorreria, em tese, se houver alguma novidade jurídica criada pelo legislador competente (muito embora, o STF não esta vinculado às suas próprias decisões, não se verificando assim uma autovinculação – o efeito vinculante é em relação aos demais órgão do poder judiciário – não a ele próprio art. 102 par 2 c/c art 28 par único da lei 9868/99).
O Legislativo não é afetado pelo efeito vinculante, podendo editar leis com idêntico texto da norma objeto da ação, contra a qual caberia, apenas, nova ADI. Como já dito, não poderá o executivo editar outro ato normativo com o mesmo conteúdo da norma inválida (Medida Provisória por exemplo).
Em tese poderia – após aprofundada análise jurídica – editar resoluções regulamentando a loteria, nos termos da Lei 3.812/66, (Video Dec. 204/67 – que ratificou a criação da loteria de SC, obviamente fazendo as atualizações daquele texto) que explicitamente afirmou o relator da ADI (Min Sepúlveda) não ser objeto daquela ação.

Eficácia TEMPORAL da decisão
A decisão que declara a inconstitucionalidade de norma, como regra geral tem efeito erga omnes e eficácia temporal retroativa (ex tunc).
Surge a exceção com o advento da Lei 9.868/99, art 27:
“…ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

Assim, o STF poderá:
Restringir os efeitos da decisão;
Decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Para aplicação da exceção do art 27 da lei 9.868/99, devem estar presentes dois requisitos:
Razão de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.
Maioria de dois terços dos membros do Tribunal
Assim, por lei ordinária, passou-se a permitir, arrimado na segurança jurídica ou no excepcional interesse social, uma restrição aos efeitos da decisão que reconhecer a inconstitucionalidade, podendo-se até aproveitar um ato normativo tido como inconstitucional (historicamente, em 1937 o Pres da República, com ratificação do Congresso, poderia retirar os efeitos de uma decisão judicial sobre a invalidade de um ato normativo inconstitucional, invocando para tanto a necessidade do bem estar do povo ou a promoção da defesa do interesse nacional de alta monta – o fenômeno se repete, a partir da Lei 9868/99, atribuindo esta decisão a próprio STF)

Nulidade – cerceamento de defesa
A ABLE foi aceita na ação na qualidade de amicus curiae, a partir da petição datada de 24 de fevereiro de 2004, com despacho deferitório respectivo.É possível a sustentação oral nas ADI junto ao STF, nos termos dos art 124, par. Único, 132 par. 3o.do RISTF.
A decisão que antecipou o julgamento do dia 17 de agosto para 10 de agosto, deveria ter sido publica com no mínimo 48 horas de antecedência (art 112 RISTF) – obrigação do servidor do STF – salvo se dispôs em contrário o Ministro – ( Há entendimento contrário, no sentido de que, publicada uma vez a pauta, não há mais necessidade de nova publicação – e tal fato ocorreu em março passado, quando a ADI foi incluída na pauta 08, sem data para o julgamento)
O RISTF enumera os casos em que o julgamento não depende de pauta (art 83 parágrafo 1 º I, II e III) – nestas exceções não esta contido o julgamento de ADI. Assim entende-se de que ele depende de pauta.
“A publicação da pauta antecederá 48 horas, pelo menos, à sessão em que o processo possa ser chamado.”
A ação (ADI 2996) foi apresentada no pleno do STF no dia 10/08/2007, aproximadamente ás 10h30min, assim, salvo melhor compreensão, deve haver prova de que no mínimo 48 horas antes deste horário a pauta tenha sido publicada no Diário da Justiça – do contrário houve flagrante cerceamento de defesa, por impedir a possibilidade de sustentação oral – que poderia ter sido requerida no dia/ocasião.
A sustentação oral deve ocorrer, após pedido expresso da parte (do advogado), o que pode acontecer no momento do julgamento (art 137 RISTF) – V 131 par. 3 º RISTF
“o obstáculo criado pelos serviços burocráticos da Justiça, impedindo a ocorrência da sustentação oral requerida constitui cerceamento de defesa, aplica maus tratos no principio do devido processo legal” (HC 78097/SP – STF Min Carlos Velloso).

Embargos de Declaração Legitimidade – as partes – não é parte o amicus curiae – é parte o Governo do Estado e a ALESC.
Prazo: 5 dias (art 337 parágrafo 1 º do RISTF)
Julgamento do Embargos: primeira sessão do plenário (par. 2 º art 337)
Objetivo: sanar dúvidas, contradição ou omissão que devem ser sanadas por obscuridade no acórdão.
Objeto proposto para a confecção da petição dos embargos: além de outros possíveis: a eficácia da decisão (vide título acima)
Não cabe sustentação oral na apreciação dos embargos de declaração (art 131 par. 2o. do RISTF)
Pode, em tese, apresentar os embargos de declaração com efeitos infrigentes.

Atuação da AGU na ADI
O Advogado Geral da União – AGU, na ação direta de inconstitucionalidade, atua como curador especial do princípio da presunção da constitucionalidade, cabendo a ele a defesa da constitucionalidade da norma objeto da ADI. Neste sentido o parágrafo 3 º do artigo 103 da CF/88:
“Quando o STF apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma ou ato normativo, citará, previamente, o AGU, que defenderá o ato ou texto impugnado”.
Assim sendo, a própria CF/88 confere ao AGU a função processual de defesa da lei ou ato impugnado, não lhe competindo exercer a função fiscalizadora, já que esta é atribuição do PGR. Atua como defensor legis.
A AGU, manifestou-se na ADI 2996, em 05 de novembro de 2003(folhas 149 á 156), reforçando a manifestação do autor (PGR) de que o texto padecia de vicio de inconstitucionalidade, concluindo de que “…a legislação estadual instituidora e regulamentadora de loteria não se coaduna com a diretriz estabelecida sobre a  matéria na Constituição da República.”
Evidente que a AGU inverteu seu papel, advogando contra a norma da qual tinha o dever funcional de defender, causando óbvio desequilíbrio entre as partes.
Ressalva: A ADI 1616/PE (Min Rel. Mauricio Correa), tem entendimento de que o AGU não esta obrigado a defender norma, cuja matéria já foi apreciada anteriormente e entendida inconstitucional pelo STF

Embargos infringentes:
Só cabe quando houver pelo menos quatro votos divergentes – não é o caso (art  333, par único RISTF).
ReclamaçãoEntendemos cabível, apenas, em caso de descumprimento da decisão do STF (em sede de ADI) por instância inferior do judiciário.
Não tem efeito prático aos lotéricos, pois o que se quer é uma forma de tornar por ora sem efeito aquela decisão – exceto se a decisão for compreendida no sentido de vir a produzir efeitos somente após o trânsito em julgado ou outro momento fixado.

Conclusão:
Ainda há oportunidade de se manifestar na ADI 2996, esclarecendo pontos relevantes, tal como a aplicação da Lei 3.812/66, que ressaltou o Ministro relator não ter sido objeto da ADI, mantendo seus efeitos no plano da vigência e da eficácia bem como o momento em que provocará eficácia a decisão da inconstitucionalidade da Lei (já abordado anteriormente neste texto), que é fato a ser devidamente resolvido, para bem orientar o governo os empresários e seus funcionários.
Concluindo de fato, relevante mesmo é a compreensão necessária dos empresários e governos estaduais de que o Brasil precisa urgentemente de uma lei tratando desta matéria, transferindo aos estados membros a competência para legislar sobre as loterias.
Não há nada mais importante de que se empenhar nesse projeto
Enquanto a atividade estiver se defendendo de ações judiciais, sem pensar na causa destas provocações (falta de legislação), não haverá solução razoável que justifique investimentos no ramo.
Enquanto isso, perdem os empresários (investimentos), os governos estaduais(tributos), os empregados (empregos), a sociedade(investimentos sociais), a Justiça(tempo), os órgãos de segurança pública (hoje abre, amanhã fecha ) – todos perdemos de alguma forma, com a inércia legislativa e a omissão do governo que empurra para clandestinidade a mesma atividade que em tantos outros países é fonte de receita, empregos e turismo, muito turismo, principalmente com clientes brasileiros.

Roberto Brasil Fernandes – Advogado – Santa Catarina 

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