Deu zebra

Jogo do Bicho I 20.01.03

Por: sync

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Ela embalou sonhos de cofres cheios para os clubes. Hoje, decadente, rende uns “trocados” que mal pagam as despesas mais modestas de um time grande.
Coqueluche do país na década de 70, quando não repassava um centavo sequer para os clubes, a loteria esportiva agoniza hoje, quando, como passou a mandar a Lei Pelé, 10% da sua arrecadação bruta é destinada aos times e seleções que emprestam seus nomes para o jogo administrado pela CEF (Caixa Econômica Federal).
Se a legislação atual valesse há 30 anos, cada equipe que tivesse uma partida sua incluída em um concurso da esportiva poderia levar para sua sede até US$ 30 mil.
Em 2002, quando a Caixa fez algumas alterações no produto, que passou a se chamar Loteca, o máximo que um teste rendeu para uma equipe foi US$ 1.800.
Se a moeda norte-americana, pela complexidade do câmbio brasileiro nas últimas décadas, não é o parâmetro perfeito para comparações, a quantidade de ingressos que a verba ganha pelos clubes poderia comprar hoje e em 1972 deixa mais claro o quanto a loteria esportiva perdeu.
Há 30 anos, novamente com as regras atuais, um clube incluído no concurso do jogo que imortalizou a zebra poderia comprar 18 mil ingressos para um jogo da primeira divisão do Nacional na cidade de São Paulo. Em 2002, o teste com recorde de arrecadação seria suficiente para um time comprar míseras 600 entradas.
Um dos recordistas de aparições nos cartões da Loteca em 2002, o Corinthians faturou durante toda a temporada menos de R$ 100 mil com a exploração de seu nome pela Caixa.
“A concorrência é enorme. Muitas loterias foram criadas nos últimos anos. Além disso, temos os jogos ilegais, como as máquinas caça-níqueis, que estão em todo o país”, diz Marco Antonio Lopes, superintende nacional de loterias e jogos da CEF.
Mas, tanto para a Caixa quanto para os clubes, não foi só a concorrência que impediu a loteria esportiva de se transformar na galinha dos ovos de ouro que um dia o futebol brasileiro imaginou.
“Nós deixamos passar batido a oportunidade da loteria”, admite Mauro Roberto Holzmann, diretor-executivo e responsável pelo marketing do Clube dos 13. Para recuperar o tempo perdido, ele toca agora um projeto que vai tentar revitalizar a loteria.
Assim como a Caixa, Holzmann considera que os escândalos vividos pela esportiva nos últimos anos afetaram a credibilidade do jogo. “Isso [os escândalos” atrapalha, é claro”, diz o executivo.
Para Lopes, o faturamento não é mais o mesmo pelas mudanças ocorridas no país. “A loteria esportiva era uma coqueluche na época dos 90 milhões em ação, da conquista da Copa de 1970 e do início das transmissões de futebol ao vivo”, afirma Lopes.
Apesar de sua longa agonia, a Caixa não tem planos de acabar com uma de suas mais tradicionais loterias. “A esportiva não dá o mesmo dinheiro que outras apostas, mas continua a ser rentável”, diz o superintendente.
Dessa forma, se nada mudar, a loteria esportiva não vai fazer um apostador milionário e muito menos colocar dinheiro graúdo nos cofres dos clubes do país.
Pouco atraente para jovens e mulheres, loteria deve ser reformulada.
Envelhecida e masculina, loteria debate regulamento.
A Caixa Econômica Federal e o Clube dos 13 concordam que a loteria esportiva precisa de renovação. Só que as duas entidades discordam em um dos passos para tirar o jogo do fundo do poço.
Segundo pesquisas feitas pela Caixa, o perfil do apostador da esportiva é bem diferente do registrado em outras loterias.
Ao contrário da Mega Sena, o mais popular jogo de azar do país hoje, que divide seus apostadores por todas as faixas etárias e entre homens e mulheres, a esportiva tem um público restrito.
Mais de 60% dos que tentam a sorte nesse produto são homens e já têm mais de 35 anos.
“Na Mega Sena, uma mulher de 80 anos que nunca viu TV pode apostar tranqüilamente. Na esportiva, só quem acompanha futebol de perto, geralmente, tenta a sorte”, diz Marco Antonio Lopes, superintende nacional de loterias e jogos da CEF. Os números dão razão a Lopes. Na semana passada, o prêmio da esportiva não chegou aos R$ 500 mil, menos de 5% de um bom concurso da Mega Sena. Assim, com valores menores, a esportiva tende a ser sempre uma opção pior.
“Precisamos de uma injeção de ânimo na loteria esportiva, atraindo o grande público para ela”, concorda Mauro Roberto Holzmann, do Clube dos 13.
Se o diagnóstico da Caixa é o mesmo dos clubes, uma das receitas para sair da crise não é um ponto em comum.
Para o Clube dos 13, a nova fórmula do Campeonato Brasileiro, com pontos corridos e turno e returno, pode ser o início de uma nova fase da loteria esportiva.
“Com a mudança no calendário, teremos jogos dos grandes clubes durante todo o ano”, diz Holzmann, que aponta a inclusão de muitas equipes inexpressivas ou de fora do país como uma das causas do desinteresse pelo tradicional jogo de azar.
Realmente, o apostador parece mais motivado nos grandes eventos. Em 2002, o concurso que mais arrecadou foi o de número 16, que só tinha jogos da Copa.
Em compensação, o concurso 25, que só tinha jogos do Campeonato Cearense e das divisões menos importantes do Paulista, bateu recorde negativo de arrecadação. Nesse teste, cada clube que cedeu o nome ganhou R$ 1.700.
A CEF concorda que os grandes clubes fazem falta, mas critica o fim do mata-mata no Brasileiro.
“Do ponto de vista mercadológico, o sistema de pontos corridos não é bom. Se a disputa pelo título ficar restrita a poucos clubes, a loteria esportiva pode perder o interesse”, afirma Lopes.
Para os grandes, o novo calendários deve render mais recursos da loteria. Essas equipes devem entrar em campo praticamente em todos os domingos do ano.
Assim, irão constar em quase todos os concursos da temporada. No ano passado, o Flamengo, eliminado precocemente em quase todos os torneios que disputou, só esteve em 23 testes.
Caixa e Clube dos 13 também concordam que uma eventual nova virada de mesa para resgatar Palmeiras e Botafogo pode ser mais um golpe fatal.
“Como homem de marketing, prefiro nem pensar nessa hipótese”, teme Holzmann. “Isso [a virada de mesa” seria especialmente ruim para a tentativa de atrair os jovens”, diz Lopes.
A tentativa de revitalizar a loteria não vai acontecer apenas pela via do novo regulamento.
O Clube dos 13 trabalha atualmente em um projeto para tirar a esportiva da pasmaceira atual.
Segundo Holzmann, esse trabalho deve estar finalizado ainda neste semestre. Depois de pronto, ele será levado para o Ministério do Esporte. “O ministro [Agnelo Queiroz” será o nosso canal de comunicação”, diz o dirigente.
Apesar de só administrar o jogo, que tem suas regras definidas por lei, a Caixa veria com bons olhos mudanças que aumentassem seu faturamento e dos clubes.
Jogo teve o seu crédito abalado por escândalos.
Dois grandes escândalos abalaram a credibilidade da loteria esportiva brasileira.
O primeiro, revelado pela revista “Placar” em 1982, mostrou que uma “máfia”, que envolvia jogadores, técnicos e dirigentes, manipulava resultados para beneficiar alguns apostadores.
Depois, no começo da década passada, o escândalo do orçamento no Congresso respingou na loteria esportiva. Para justificar seu enriquecimento, o deputado federal João Alves, da Bahia, afirmou ter ganho mais de 200 vezes no jogo.
“A esportiva é a única loteria da Caixa que não é à prova de fraude, mas as fraudes só são possíveis fora daqui”, diz Marco Antonio Lopes, superintendente para o setor do banco estatal.
Seja Maranguape ou Milan, CEF paga.
Depois que a Lei Pelé entrou em vigor, no final da década passada, a Caixa Econômica Federal precisou pagar pelo uso do nome de todos os clubes envolvidos na loteria esportiva. Assim, clubes nanicos do Nordeste, como o Maranguape, do Ceará, têm o mesmo direito que gigantes europeus, como Milan e Real Madrid.
Após cada concurso, a CEF manda para o BC uma ordem de pagamento, em média, de pouco mais de US$ 1 mil para os grandes de Europa, que em seus países ganham milhões para cederem seus nomes para as loterias.
Se para grandes brasileiros e do exterior o dinheiro da Loteca pouco ajuda, para os nanicos pode significar muito. Em um bom concurso, um time pequeno de um campeonato Estadual menor pode arrumar dinheiro para bancar boa parte de sua folha.

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