ESPECIAL: 60 anos depois, a volta dos cassinos?

Cassino I 29.04.06

Por: sync

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Há sessenta anos, às 12h45m, do dia 30 de abril de 1946, o ministro Carlos Coimbra da Luz abria a grande porta do salão de reuniões do Palácio do Catete para informar à imprensa que Gaspar Dutra, todos os seus ministros, o comando das forças armadas e o temido Departamento Federal de Segurança Pública acabavam de assinar o Decreto Lei nº. 9215, restaurando o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais de 1941. Estavam assim fechados os cassinos no Brasil.
Os sinos das igrejas badalaram por mais de oito minutos, um recorde, enquanto o Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara, apoiando a medida, concedia entrevistas para os jornais. Nos 71 cassinos do Brasil, o clima era de velório. Os rostos estampavam o sentimento de cerca de 53.200 desempregados, dos salões de jogos e grill-room. Às 23h, José Caribé da Rocha, diretor do Cassino Copacabana Palace, com a voz embargada e em tom solene, anunciava a última partida da roleta, encerrando período inigualável de luxo e glamour. Após o anúncio, o choro contido aflorou.
De igual modo o Quitandinha, apenas dois anos depois de inaugurado, encerrava suas atividades. Um extraordinário complexo arquitetônico com praia artificial. Desconsolado, seu proprietário, o empresário Joaquim Rolla, buscava explicações junto ao interventor Amaral Peixoto, genro de Vargas. Quando do início da II Guerra Mundial, até mesmo o combustível das ambulâncias estava racionado e as despesas públicas rigorosamente contidas. No entanto, 24 horas por dia, 48 caminhões subiam sem parar a estrada para Petrópolis, levando trabalhadores e material para a construção dos 50.000m2 de área. O reflexo do fechamento dos cassinos também foi enorme na região do Circuito das Águas, sul de Minas, interferindo na economia de vários municípios que se respaldavam, desde a década de 1920, na Lei das Águas, a permitir o jogo em estâncias hidrominerais e climáticas. Assim, viabilizavam grandiosos equipamentos que serviam à saúde e ao entretenimento de visitantes burgueses.
Em Curitiba, nem mesmo o mágico Comitre, o “homem-demônio”, último artista a se apresentar no palco do Cassino Ahú naquela terça-feira sombria, evitou o fechamento do estabelecimento. Demitidos, 95 funcionários ajuizaram a maior ação trabalhista até aquela época, com o acordo entre as partes fechado em Cr$ 629.000,00, graças ao entendimento entre os advogados João Kracik Neto e Ney Leprevost.
Para evitar que as polícias subordinadas aos governadores de Estado, simpáticos ao jogo, não interferissem no funcionamento dos cassinos, o que viria a desmoralizar o governo central, Dutra conferiu competência ao Departamento Federal de Segurança Pública para exercer os Serviços de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, medida ratificada pela Constituição de 1946.
Enquanto no Brasil os cassinos fechavam, em Las Vegas a população triplicava entre 1940 e 1945 e, no mesmo ano de 1946, era inaugurado o ‘Flamingo’ de Bugsy Siegel. Apesar da máfia ter reinado na cidade até o fim dos anos 1960, acabou cedendo seus negócios para empresários como Howard Hughes, Kirk Kerkorian e Steve Wynn.
Vegas recebeu em 2005 quase 40 milhões de turistas, e em suas mesas de pôquer, no último ano, o faturamento experimentou aumento em um terço. Estima-se que 80 milhões de americanos joguem pôquer eventualmente e que o total jogado via sites tenha superado US$ 60 bilhões no ano passado.
Somente Brasil e México teimam em não permitir o funcionamento de cassinos na América, porém os Cassinos de Las Vegas e Atlantic City recebem juntos mais de 100.000 brasileiros por ano. Nos Estados Unidos, o jogo é permitido em 47 estados e está dividido em cassinos comerciais, indígenas, loterias, jogos de caridade e apostas esportivas, entre outros. Os 443 cassinos comerciais, funcionando em 11 estados americanos, representam 5% do faturamento de todas as modalidades de jogo do país.
Enquanto no Jockey Club de São Paulo, principal centro do turfe brasileiro, o faturamento com as apostas despencou de US$ 185 milhões para US$ 36 milhões nos últimos 10 anos,
as transmissões do circuito mundial de pôquer na ESPN, o mais popular canal americano de esportes, tem registrado maior audiência que os tradicionais beisebol e basquete. Outro torneio de pôquer, no Travel Channel, chega a atrair 5 milhões de espectadores.
Quem desconhece que, no Brasil, o pôquer virou moda e é jogado em centenas de clubes, além das apostas – cada vez maiores – via internet? Além disso, é preciso observar que navios de cruzeiros marítimos com cassinos chegam à costa brasileira a cada dia em maior número; também, na terra brasilis, os bingos e o jogo corre solto. De modo oficial, a toda a hora se inventa uma nova modalidade de loteria e, de forma ilegal, o jogo do bicho movimenta quantia similar às loterias federais. A fuga de divisas é visível, com brasileiros jogando nos bons cassinos de Punta del Este, Buenos Aires, Puerto Iguazu e Pedro Juan Caballero e de tantos outros centros fronteiriços, o que evidencia a paixão brasileira pelo jogo.
Não se nega, igualmente, que os cassinos ajudam a melhorar competitividade de destinos turísticos em todo o mundo por meio de investimentos estratégicos em infra-estrutura básica e turística. Casos de sucesso recente são verificados na África do Sul; Austrália; Caribe; Cingapura; Espanha; Inglaterra; Macau; Mônaco e Portugal.
O nosso governo federal do “perde-ganha”, fortemente alicerçado em lances de pura sorte ou redobrado azar, com vocação de arrecadador, bem que poderia aproveitar os sessenta anos de fechamento dos cassinos para reabrir o debate.
Afinal, parte do povo brasileiro ainda aposta no prometido espetáculo do crescimento!

(*) Dario Luiz Dias Paixão é Doutor em Planejamento e Gestão do Turismo pela Universidade de Málaga, Coordenador de Turismo do Centro Universitário Positivo – UnicenP e colunista do BNL. 

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