EUA e China: guerra comercial afetará as licenças dos cassinos de Macau?

Cassino, Destaque I 27.09.19

Por: Magno José

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Pequim tem porventura em Macau uma das armas mais eficazes de retaliação contra os EUA, mas também sabe que Sands, Wynn e MGM representam 60% das receitas anuais do jogo, um valor três vezes maior do que em Las Vegas

Há uma ligação direta entre Donald Trump e pelo menos um líder e um ex-presidente dessas empresas, o que transforma as concessões que serão atribuídas em 2022 num poderoso às de trunfo que pode ser usado por Xi Jingping nas negociações com Washington. É difícil saber se o jogo irá mudar, mas os dados estão lançados para que a renovação das licenças tenha um papel importante nesta disputa.

“Seriamos ingênuos se achássemos que não terá impacto. Se houver alguma retaliação, há um ou dois líderes que têm relações diretas com Donald Trump [Sheldon Adelson da Sands, e o ex-líder da Wynn, Stephen Wynn], e seriam os dois mais prováveis alvos desta guerra”, afirmou ao PONTO FINAL o analista e especialista em jogo Ben Lee, diretor da consultora Igamix, quando confrontado com possíveis efeitos do diferendo comercial que opõe os dois colossos do Ocidente e do Oriente. Macau, através da concessão de licenças de jogo para os casinos, pode ter assim um papel importante nas negociações desta contenda.

Pequim tem porventura em Macau uma das armas mais eficazes de retaliação contra os EUA, uma vez que em breve irá iniciar os processos de decisão das licenças de jogo para as próximas décadas. Pelo menos até 2022 vão estar no território as atuais três operadoras norte-americanas, além das já mencionadas Sands e Wynn, há ainda a MGM. As três, através de subsidiárias locais, valem 60% das receitas anuais do jogo, de um total de 302,8 bilhões de patacas, em 2018. Um valor três vezes maior do que em Las Vegas.

A China ainda não deu nenhuma indicação pública de que esteja a reter as licenças dos cassinos de Macau como arma na guerra comercial, mas perdê-las seria um golpe significativo para qualquer uma das empresas americanas que têm em Macau uma fonte de receita muito importante.

O economista Albano Martins, ao analisar o que estará para vir, abriu espaço à imprevisibilidade. “Se Trump continuar com a sua tolice relativamente ao comércio internacional, e se as coisas se agudizarem, Macau é território chinês e tudo pode acontecer”. Mas deixou um alerta: “Do ponto de vista econômico não é inteligente perder os cassinos que já cá estão instalados, os novos teriam de estar muito dependentes dos anteriores concessionários”, lembrou.

E depois explicou quais os problemas que traria a mudança na composição dos operadores. “Como se sabe as instalações de jogo são entregues ao Governo, mas não os complexos. Esses são propriedade dos anteriores concessionários. Não é fácil do ponto de vista econômico a China usar essa arma, mas numa luta sangrenta tudo pode acontecer”, identificou.

Ben Lee não pensa que haja nenhum impacto a esse nível. “As pessoas dizem que vai ser terrível, e que milhares de empregos serão perdidos, mas se olharmos para o sistema de autocarros públicos e concessões, em que um operador estrangeiro saiu, o que aconteceu é que este passou as rotas que operava para as empresas que já existiam”, recordou.

O líder da consultora Igamix considera que apesar de serem escalas diferentes, transportes e jogo podem-se comparar. “Se uma ou duas concessões a estrangeiros terminarem, eles têm o direito — por causa da concessão de terras — de continuar a operar os hotéis por mais cinco anos. Mas como sabemos, os hotéis por si só não fazem dinheiro”, explicou. “A outra possibilidade é que haja alguém novo a entrar. E o novo concessionário vai fazer uma negociação com o que perder, do género ‘eu pago para ficar com os bens que existem’”, acrescentou.

Arma de negociação maciça

O economista José Isaac Duarte, apesar de pensar que é altamente especulativo olhar para as renovações de licenças a três anos de distância, “não tem dúvidas de que a presença americana em Macau será ponderada e utilizada como elemento negocial nesta luta entre os EUA e a China”.

O mesmo especialista considera que há uma “tensão de fundo que tem a ver com a posição dos dois países no mundo e com muitas mais coisas do que o jogo em Macau”. Por isso, conclui que este, sendo um fator a ter em conta, “não é o mais importante”. “A tecnologia, o comércio externo são elementos preponderantes, o jogo é marginal”, defendeu.

O analista Ben Lee, por seu lado, alertou para alguns elementos que podem indiciar que algo nos bastidores está a ser cozinhado. O facto que emerge sobre os outros, segundo este perito, é o de o ainda Chefe do Executivo, Chui Sai On, ter anunciado que os formulários para as novas concessões estariam prontos a meio de 2018. “Estamos quase no final de 2019, e não há sinais ainda deles”, lembrou.

“O que podemos concluir é que todo o processo está em stand-by, pura e simplesmente porque a guerra comercial está a decorrer, e Pequim quer ver o que acontece, antes de decidir o que fazer com o processo de licenças”, analisou. “É visível de que algo está a acontecer, mas ninguém em Macau parece saber o que é”, acrescentou.

Isaac Duarte diz que a decisão final nunca será do Governo da RAEM. “Seria surpreendente que fosse Macau a tomar essa decisão sem ter em conta a opinião de Pequim, e seria surpreendente que Pequim não tivesse uma opinião sobre o assunto”, argumentou o economista.

O colega Arnaldo Martins não vê a China a fazer uso desta arma porque “criaria alguma instabilidade em Macau”. “Penso que essa será a última coisa que a China poderá usar. Mas esta é uma guerra comercial muito, muito forte”, qualificou. Martins diz que nesta negociação, saber que um dos grandes apoiantes de Trump é Sheldon Adelson — que detém um dos casinos que mais faz dinheiro, o Venitian, da Sands China — é uma arma de enorme pressão.

“Mas três anos é muito tempo para a guerra comercial continuar. Mal do mundo se isto durar mais do que um ano. Se em 2020 não tiver terminado, o mundo fica de pantanas. Isto tem implicações colossais na economia de outros países”, explicou.

Quem pode vir a seguir

Na opinião de Ben Lee, a Wynn e a Sands são as duas operadoras que poderão ter mais a temer. As duas têm ligações ao Partido Republicano e a Donald Trump. O mesmo analista apontou a Genting, operadora com sede em Singapura, como a candidata mais bem colocada no caso de uma mudança no panorama do jogo da RAEM. Esta empresa já está em Macau a construir um hotel ao pé do Lago de Nam Van.

“Têm um projeto na Península, em frente ao Casino Lisboa, o Treasure Island. Podemos pensar em quem é que investiria num hotel, no sentido restrito do termo, em Macau? Isto a menos que pensem que vão conseguir ter uma concessão, e que depois podem converter num casino”, acredita Lee.

Isaac Duarte afirmou que esta é uma disputa importante para as operadoras norte-americanas, mas que “o mundo continua”, e “antes de estarem em Macau, essas operadoras não estavam”. “Há outras oportunidades que se abrem nesta geografia”.

Por fim, e apesar de pensar que todos cenários são possíveis, Albano Martins considerou que “está tudo armadilhado para que seja difícil aos norte-americanos saírem, ou a qualquer outra concessionária”. (Ponto Final – João Carlos Malta – Macau)

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