Função social das Loterias Estaduais

Opinião I 24.09.07

Por: sync

Compartilhe:

A história das Loterias Estaduais remete  ao ano de 1843, no Rio grande do Sul, quando a Assembléia Legislativa   da República Farroupilha instituiu o sorteio que deu origem a atual loteria  daquele Estado. Seguiram-se outras como a do Estado do Pará em 1856, São Paulo (1939), Rio de Janeiro (1940), Minas Gerais (1944), Ceará (1947), Pernambuco (1947), Goiás (1951), Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Lemat e Lotesul – 1953), Paraíba (1955),  Paraná (1956), Piauí (1959) Espírito Santo (1964), Santa Catarina (1966), constituindo-se em uma realidade centenária integrando a cultura e a história do nosso país.
Em 1967, em plena ditadura militar, foi editado o Dec. Lei 204, que no seu preâmbulo  já exprime a visão autoritária com que  enxerga a sociedade: “considerando a salvaguarda da integridade da vida social, decide impedir o surgimento e a proliferação de jogos proibidos que são suscetíveis de atingir a segurança nacional”. Impedir o que é proibido é dever elementar da autoridade pública. Atingir a integridade da família e ameaçar a segurança nacional com jogos é um capítulo da nossa vida política que a história certamente remeterá ao campo do folclórico, do pitoresco.
Com os Estados da Federação o citado Decreto Lei foi mais drástico. Impediu a criação de novas loterias estaduais e congelou as atividades das existentes submetendo-as a uma regulamentação de 1944 (Dec. Lei 6259/44). Costumamos dizer que tal situação é como se o poder público brasileiro assegurasse à família empreendedora do Grupo de Supermercados Pão de Açúcar o seu pleno direito de comercializar alimentos, desde que se mantivesse na mesma mercearia que deu origem ao grupo. Sem ampliar, sem acrescentar novos produtos, sem sequer atualizar seu portfólio, sem incorporar novas tecnologias. Seria a manutenção do lápis de grafite e da caderneta de fiados.
Coisas das ditaduras. Pais autoritários tratam seus filhos como eternas crianças. Sistemas políticos autoritários tratam suas instituições como os civilmente incapazes. Sempre carentes de tutela e de quem lhes diga o que lhe é mais conveniente.
Sem sombra de dúvidas, o Dec. Lei 204 representa para as loterias estaduais o que representou o Ato Institucional nº 5 para as liberdades políticas e o Dec. 477 para a liberdade de manifestação dos estudantes. Estes dois últimos felizmente já revogados. O primeiro ainda vigente. Faz parte do chamado “entulho autoritário”.
Esses 40 anos de cerceamento das Loterias Estaduais no Brasil, coincidem com uma tendência mundial de flexibilização da proibição de jogos, colocando-os como uma atividade de entretenimento, sob regulação e controle estatais.
Sendo conduta socialmente aceita, as políticas proibitivas de jogos tendem a não surtir os efeitos desejados, razão pela qual verifica-se no mundo desenvolvido que a quase totalidade dos países optaram pela exploração dos jogos com maior ou menor grau de participação da iniciativa privada, mediante instrumentos de permissão ou concessão.
A chamada CPI DOS BINGOS, que durante 01 ano estudou o assunto, constata essa tendência, fazendo menção em seu Relatório Final às legislações de 15 países distribuídos nos 5 continentes (pgs. 48/49) Vale lembrar que nos sete países mais ricos do mundo – Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Canadá – o jogo é totalmente liberado e regulamentado.
Modernos meios de controle eletrônico, disponíveis no país, permitem-me afirmar que de uma parceria entre a União e os Estados membros para aperfeiçoamento do mercado de jogos no país redundará em um modelo que atenda as necessidades do mercado, com amplas formas de controle que garantam os direitos dos consumidores, o acompanhamento dos órgãos gestores do sistema e o pleno cumprimento das obrigações tributárias. Os jogos podem ser realizados conectados em tempo real à Receita Federal e ao COAF.  As experiências, e até os erros apontados,  nos fornecem o necessário aprendizado para que o setor público brasileiro não permita que os espaços vazios propiciem campo aberto para o jogo clandestino, com as mazelas que o acompanham: corrupção, criminalidade, sonegação fiscal, ilicitude nos contratos de trabalho, falta de controle da lisura dos sorteios. Há uma lei não escrita no mundo dos jogos: “Quem não faz o jogo legal, faz o jogo ilegal”.-Juan José Marc assessor em novas tecnologias do Instituto Provincial de loterias y casino – Província de Buenos Aires.
Função social
As loterias estaduais são um forte instrumento de geração de empregos, de renda e de circulação econômica local adquirindo mais relevância nas regiões mais carentes do país. Com poucas atividades ainda remanescentes, citamos os casos de Pernambuco, onde as loterias em exploração geram cerca de 20.000 postos de trabalho. No meu estado, a Paraíba, as loterias quando em pleno funcionamento, geravam 6.000 postos de trabalho. No Rio de Janeiro, quando a Loterj estava operando com todas as suas modalidades, além de ser gerados mais de 8 mil empregos diretos, com repasses mensais de R$ 3 milhões para a Vida Obra Social.
O Relatório Final da CPI dos Bingos aponta estudo, citando como fonte a Caixa Econômica Federal, mostrando a destinação social do produto das loterias de 23 estados norte americanos (pg. 20); Em países de dimensões continentais como o Brasil e os EUA, a maneira mais sensata e equilibrada de tratar o assunto é a descentralizada. Ainda mais se tratando de estados federados.
Como instrumento de circulação econômica local,  movimentam toda uma cadeia de serviços: agências de publicidade, gráficas, mídias diversas, informática, logística, contadores, advogados, serviços administrativos;
No campo tributário os serviços lotéricos estaduais, além das receitas de exploração, uma vez que se tratam de serviços públicos de natureza econômica, geram receitas para as outras esferas do poder público – União e municípios, com os tributos de suas respectivas competências.
O PL 472/2007
Avançando um pouco na temática deste seminário, vez que está previsto módulo específico sobre o PL 472/207, permitimo-nos antecipar algumas considerações que refletem a ótica da nossa instituição sobre o referido projeto. Compete ao Estado, o ordenamento e a fiscalização dos concursos de prognósticos, bem como a definição da arrecadação com este serviço. Cabe ao parlamento de cada país a definição das áreas sociais onde os recursos serão aplicados, sendo assim no México (educação e saúde), Irlanda (cultura e esporte), Finlândia (esporte, ciências e artes), Canadá (hospitais e ações sociais), Inglaterra (artes, esporte, ações sociais e saúde), Noruega (esporte, cultura e pesquisas), Bélgica (deficientes físicos e cultura), Alemanha (cultura, ações sociais, esporte e educação), Portugal (saúde e bem estar de crianças), Estados Unidos (educação e saúde), Porto Rico (saúde), Holanda (educação), Dinamarca (educação), entre outros.
Como sabido o projeto em comento foi de autoria da CPI dos Bingos do Senado Federal. Esta CPI por um ano estudou o panorama lotérico do Brasil, ouvindo vários segmentos da sociedade, inclusive vários representantes do Ministério Público Federal, especialistas em segurança pública, como o ex Secretário Nacional de Segurança, Luiz Eduardo Soares, comparando a situação de vários países, elaborou uma série de projetos, versando sobre matéria penal( PLS 274/2006) em tramitação na CCJ do Senado, com parecer favorável do relator, que agrava a punição do jogo  clandestino, transportando o tipo penal contravencional em crime;  processual; administrativa; um projeto regulamentando os Jogos de Bingo e este Projeto que diz respeito as loterias estaduais.
O Projeto opera uma delegação administrativa aos Estados e Distrito Federal para explorarem serviços de jogos, nos termos do regulamento da Lei a ser editado mediante decreto do Senhor Presidente da República;
Estabelece parâmetros de premiação e de remuneração do poder público, bem como de destinação social para os recursos obtidos.
Coloca a Caixa Econômica Federal numa posição de relevância dentro do sistema, pois dependerá de sua aprovação à instituição de qualquer jogo, bem como receberá  prestação de contas dos recursos obtidos com a exploração delegada;Funcionando assim como a agencia Nacional de Jogos no País.
Importante salientar que a extensão dessa delegação, bem como o detalhamento da forma de exploração, será dado no Decreto regulamentador da mesma, ou seja o Presidente da República é quem vai definir o que será dado aos estados explorar.
Os estados, pela capilaridade dos seus aparelhos fiscais e policiais estão capacitados a desenvolver um controle mais efetivo de atividade lotéricas. Modernos recursos tecnológicos disponíveis permitem um alto nível de controle possibilitando uma garantia para o consumidor e concomitante controle pelos órgãos gestores e de controle tributário. A interconexão do modelo argentino é um exemplo. Os bingos e videobingos da Argentina são interconectados a um banco de dados na Loteria Nacional,  Loteria da Província e na Receita. O Estado fica com 34% (tributos) dos recursos e os bingos com 66% (prêmios e gestão). 
Entendemos que este projeto representa um pequeno avanço na correção de uma inconstitucionalidade flagrante: o  tratamento diferenciado a entes federativos, propiciado pelo Dec. Lei 204, que diferencia estados da federação, possibilitando a 15 deles que mantenham seus sistemas lotéricos e vedando aos demais( art. 19,III da CF).
Inicia uma parceria governo federal /estados permitindo a estes últimos o exercício de um serviço público que centenariamente lhes compete e que a ordem constitucional de 1988 colocou como de regulação privativa da união- ressalte-se que não colocou como monopólio da União o exercício do serviço. (ADI 2847 – Voto do Min. Ayres  Brito)
Permite ainda que os estados e DF ocupem um espaço no mercado lotérico que a União não tem capilaridade nem interesse de ocupar, marcando a presença do poder público evitando o vazio que estimula a clandestinidade com todos os seus malefícios.
Esperamos, sinceramente, que esta espada do famigerado Decreto Lei. 204, que este ano completa 40 anos sobre o coração das  loterias estaduais, não complete o 41º aniversário, e permita, com efeito, que a nossa Federação se aproxime um pouco mais da realidade. 
Roberto Rabello – Presidente da Associação Brasileira de Loterias Estaduais (Able)

Comentar com o Facebook