Liberação de apostas traz desafio de evitar corrupção

Apostas, Destaque I 07.01.19

Por: Elaine Silva

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Juca Kfouri: “Eu preferia que não existisse, mas não há como impedir” (Foto: Pedro França/Agência Senado)

O desporto brasileiro – sobretudo o futebol – deve passar por uma mudança significativa num futuro próximo. No fim do ano passado, o Governo Federal promulgou a Lei 13.756/18, que tem entre seus pontos a liberação de apostas esportivas. A modalidade já é amplamente difundida e praticada em boa parte do mundo.

Na Europa, onde estão os clubes mais ricos do futebol, sites de jogos movimentam cifras exorbitantes e algumas empresas chegam até a patrocinar equipes. No Brasil, a tendência é que o modelo se repita. O Ministério da Fazenda será responsável pela autorização e concessão das loterias e deverá regulamentar a atividade no prazo de dois anos, prorrogável por igual período, a contar da data de publicação da lei. Há quem enxergue a medida com ressalvas. Afinal, apostas são um terreno fértil para a manipulação de resultados. E o chamado “País do futebol” está longe de ser exemplar no combate à corrupção.

O receio se justifica. Nas últimas décadas, o Brasil conviveu com escândalos que envolviam o futebol e casas de apostas (ver mais na página 6). O jornalista Juca Kfouri viveu essa realidade de perto na década de 1980, quando era editor da Revista Placar. E foi personagem fundamental para que famoso caso da “Máfia da Loteria Esportiva” viesse à tona através de denúncia do veículo que dirigia.

Hoje, Kfouri acredita ser inútil barrar a entrada das empresas de jogos, embora admita apreensão com a liberação. “Eu lamento porque o jogo é sempre um meio de corrupção e a gente já tem visto isso pelo mundo afora. Agora, ao mesmo tempo, não há mais como evitar. No mundo globalizado não adianta você proibir porque se faz pela internet. Então, pelo menos, é uma maneira de, por via de impostos, arrecadar algum dinheiro a ser distribuído. É aquela história: eu preferiria que não existisse, mas não há como impedir”, admite.

Para o jornalista pernambucano Lenivaldo Aragão, mesmo com maiores mecanismos de fiscalização, conter a manipulação de resultados no futebol ainda é tarefa das mais árduas.

“É preciso um olho no padre e outro na missa. Com o surgimento da internet, foram criadas essas agências de apostas internacionais, principalmente na Ásia. Houve até casos de corrupção nas divisões inferiores de São Paulo, o que levou o presidente da Federação Pernambucana de Futebol (Evandro Carvalho) a trazer o procurador-geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Paulo Schmitt, e criar uma comissão para cuidar dessa história em Pernambuco, para evitar esse tipo de problema. Os apostadores se multiplicam, apesar de tudo. A FPF-PE já estava atenta para esses casos de corrupção, principalmente nas divisões de base”, ressalta.

Segundo Lenivaldo Aragão, todo cuidado é pouco em relação a esse tema. “As apostas podem até ser uma fonte de renda – para os clubes, talvez. O que pode acontecer, eu não sei. O fato de o presidente da FPF-PE ter tomado essas providências é uma alerta. É preciso atenção dos clubes. O mundo está muito complicado, com internet e redes sociais é mais fácil perder o controle”, avalia.

João Caixero, presidente do Santa Cruz na década de 1970 e hoje diretor do Tricolor, não esconde sua desconfiança quanto às apostas. “Eu vejo isso meio preocupado, porque as apostas têm causado vários problemas. A Paraíba mesmo foi uma das vítimas disso, com compras de árbitros e manipulação de resultados (no ano passado). É preciso haver uma fiscalização enorme, grande, mas eu vejo com muita preocupação a liberação das apostas”, opina o dirigente.

Uma corrente defende que, na prática, pouca coisa vai mudar de fato. Isso porque, mesmo com a proibição que vigorava no país até o ano passado, aproximadamente 500 sites baseados no exterior recebem apostas de internautas brasileiros. Um sinal disso é que as maiores casas de apostas da Europa contam com opção de páginas em português. Com a regulação, estas empresas vão ter autorização para explorar legalmente o jogo no Brasil.

“A regulamentação das apostas esportivas aqui precisa ser inteligente e eficiente, protegendo a integridade do esporte, dando segurança aos apostadores e criando uma rede de proteção às pessoas vulneráveis”, afirmou à Folha de S. Paulo o advogado Pedro Trengrouse, responsável pela proposta sobre o tema aprovado no Congresso Nacional. Vale lembrar que países da Europa, como França e Espanha, têm seus órgãos estatais de fiscalização do mercado.(Folha de Pernambuco – Fernando Barros – Recife – PE)

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Escândalos envolvendo manipulações mancharam esporte

Episódios relacionados a fraudes de resultados abalaram a imagem do futebol brasileiro e das casas de apostas

Edílson negociava resultados do Brasileiro com investidores (Foto: André Porto/Folhapress)

Há bons motivos para os brasileiros receberem com preocupação a notícia de que as apostas esportivas foram liberadas no País. Em anos anteriores, escândalos envolvendo fraudes e manipulações de resultados mancharam a imagem do esporte nacional e, consequentemente, das casas de apostas. Houve pelo menos dois episódios que dificilmente sairão da memória do futebol brasileiro. Na década de 1980, a revista Placar denunciou o escândalo chamado de Máfia da Loteria Esportiva. Pouco mais de 20 anos depois, foi a vez de a Veja revelar o caso lembrado como Máfia do Apito. Não bastassem esses dois exemplos lamentáveis, o Brasil ainda vivenciou outros acontecimentos que não ganharam a mesma relevância, mas nem por isso foram menos desonrosos.

Em 22 de outubro de 1982, a Placar chegava às bancas e trazia em sua capa a seguinte manchete: “Exclusivo – Desvendamos a Máfia da Loteria Esportiva”. De acordo com a publicação, o então radialista Flávio Moreira, que trabalhava como chefe do setor de loterias da Sport Press, “escolhia” jogos que interessavam ao esquema, encaminhando-os para Brasília, onde as loterias eram administradas. As partidas estariam combinadas e os envolvidos – apostadores, dirigentes, árbitros, técnicos e até jogadores – sabiam quais seriam os resultados. Apostavam na coluna “certa” e levavam o prêmio. Entretanto, três anos depois, a Policia Federal concluiu o inquérito e, dos 125 acusados pela reportagem, somente 20 foram indiciadas. O restante se salvou por falta de provas.

Já em 2005, há pouco mais de 13 anos, o futebol brasileiro sofreria outro grave abalo. O escândalo chamado de Máfia do Apito, conforme batizado pela revista Veja, consistia em um esquema que beneficiava apostadores por meio de trapaças dos árbitros. Os juízes Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon negociavam os resultados da Série A do Campeonato Brasileiro daquele ano com investidores. A repercussão deixou marcas profundas. Tentando resgatar a lisura do torneio, o presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Luís Zveiter, anulou os resultados dos 11 jogos arbitrados por Edílson. O Corinthians acabou sendo “privilegiado”, pois havia sido derrotado por Santos e São Paulo. Com a remarcação destes dois confrontos, o alvinegro da capital bateu o Peixe e empatou com o Tricolor, conquistado quatro pontos. O Internacional, vice-campeão, até hoje reclama de favorecimento à equipe paulista. (Folha de Pernambuco – Fernando Barros – Recife – PE)

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