Lixo de lotérica é ‘ouro’ para garimpeiro da sorte.

Lotérica I 13.11.03

Por: sync

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As mãos percorrem rápidas as lixeiras da casa lotérica. Treinados, os membros selecionam com meticulosa habilidade os cartões da Mega Sena, Dupla Sena, Lotomania, pedaços de bilhete da Loteria Federal e as raspadinhas. Pacientemente, os olhos do aposentado Roberto Barbosa, de 62 anos, conferem os números. Com freqüência, o “garimpeiro da sorte” encontra no lixo jogos premiados que foram descartados pelos apostadores desatentos.
Todos os dias a rotina de Barbosa, e de outras pessoas que procuram cartões premiados nas lixeiras das lotéricas, é a mesma. A garimpagem começa às 8h e só pára quando os estabelecimentos fecham as portas.
A estratégia é passar várias vezes por dia na mesma casa lotérica. Tem “garimpeiro da sorte” que prefere circular apenas na região central de Campinas. E outros que procuram pelas boladas também nas lotéricas dos bairros.
Em geral, os cartões premiados encontrados pelos “caçadores de fortuna” são de valores baixos, que vão desde R$ 1,00 até R$ 60,00. “São ternos, quadras, frações de bilhetes da Loteria Federal premiados e raspadinhas com valores pequenos. O apostador presta atenção apenas no prêmio principal”, conta o experiente Barbosa, que há quatro anos garimpa nas lixeiras das lotéricas. Ele completa que a busca no lixo dá apenas para tirar “uns troquinhos”, que se somam à aposentadoria de R$ 240,00. A mente do aposentado já está treinada para guardar os números dos sorteios realizados nos últimos três a quatro meses.
“Só de bater o olho já sei se o bilhete está premiado”, garante. O garimpeiro diz que costuma aplicar parte do dinheiro que ganha com os prêmios achados no lixo em palpites na própria ‘fezinha’.
A esperança dele é jogar e ficar rico. “Tenho certeza que neste mês vou acertar o prêmio principal da Mega-Sena” , profetiza.
A história de vida de Barbosa se confunde com as loterias. Ele relata que, em 1971, acertou o prêmio principal da Loteria Federal. Em 1979, outra vez a sorte bateu em sua porta. Andando pela Rua General Osório, no dia 11 de agosto, Barbosa achou um bilhete da Federal com oito frações. “Conferi o resultado da extração que havia corrido na quarta-feira (9 de agosto de 1979) e verifiquei que o bilhete tinha dado no primeiro prêmio”, narra.
Na época, o sortudo recebeu Cr$ 1,250 milhão, que equivaleria hoje, tomando a poupança como indexador, ao valor de R$ 239,9 mil. Barbosa afirma que constituiu um patrimônio grande por meio dos investimentos feitos com o dinheiro dos prêmios das loterias. “Viajei pela América Latina toda e desfrutei de muitas coisas caras. Fiz muito dinheiro, mas perdi tudo”, lamenta. Ele prefere não detalhar os percalços no caminho que o fizeram ficar sem a fortuna. Com sorriso maroto e ar de quem não vai desistir, ele sentencia: “Ainda vou ganhar de novo” .
Mas nem todo mundo já colocou a mão em uma bolada como Barbosa. O eletricista desempregado Gersino Sousa Silva, de 45 anos, complementa o orçamento familiar com os “trocos” que acha no lixo. “Também uso o dinheiro para fazer um joguinho. Tenho certeza que um dia vou ganhar”, conta esperançoso. Ele decora os números que foram sorteados na semana e vai atrás dos prêmios que foram jogados na lata do lixo por quem não conferiu direito o cartão.Em 2002, sobraram R$ 57,4 mi
Nos cofres da Caixa Econômica Federal (CEF) foi esquecida, entre janeiro a setembro deste ano, uma fortuna que já chegou a R$ 53,8 milhões. Em todo o ano passado, a soma de prêmios prescritos foi de R$ 57,4 milhões. O dinheiro “esquecido” pelos jogadores é remetido ao Financiamento Estudantil (FIES) para subsidiar os estudos de universitários no País.
Os prêmios prescrevem 90 dias após a data do sorteio do concurso. Depois desse prazo, o ganhador perde o direito ao dinheiro. Os pagamentos de premiações de pequeno valor são realizados pelos próprios lotéricos. Quando a bolada ultrapassa R$ 800,00, o ganhador deve procurar por uma agência da CEF. Uma das dicas do banco é a de que o sortudo preencha o verso do bilhete premiado com as informações pessoais, como nome completo e CPF.
De acordo com assessoria de imprensa da CEF, os prêmios “esquecidos” pelos apostadores têm valores médios de R$ 30,00 a R$ 50,00. Embora, às vezes, ocorram exceções como a premiação principal de uma Dupla Sena, cujo valor era de R$ 2,4 milhões, que prescreveu no último mês de agosto.
O novo milionário fez o jogo em uma lotérica da Capital paulista, mas não apareceu para reclamar o prêmio.
O gerente da Caçula Loterias, Luiz Carlos Brentigni, afirma que muitas pessoas que arriscam uma ‘fezinha’ conferem errado os cartões. Segundo ele, tem quem olhe os números de um concurso antigo e outros que se confundem com as loterias. Os mais desconfiados preferem não recorrer aos atendentes das lotéricas para checar os números sorteados. O gerente explica que há um sistema de verificação eletrônica totalmente seguro que é utilizado pelas casas lotéricos.Queda
Se as estatísticas da CEF mostram que muita gente ainda esquece o prêmio, o aposentado Roberto Barbosa sentiu uma queda no número de bilhetes premiados jogados no lixo. “Hoje está difícil encontrar alguma coisa nas lixeiras das casas lotéricas. O pessoal está ficando mais esperto”, acredita o aposentado. (AL/AAN)
Proprietários viram amigos
Os “garimpeiros da sorte” que circulam há mais tempo pelo Centro de Campinas já se transformaram em amigos dos proprietários e gerentes das lotéricas. Eles compartilham histórias e são parte do cotidiano das casas. “Todos os dias, três pessoas passam na lotérica para conferir os cartões que estão no lixo”, afirma o gerente da Caçula Loterias, Luiz Carlos Brentigni.
O aposentado Roberto Barbosa é velho conhecido do gerente. Brentigni diz que já viu o “garimpeiro da sorte” achar pequenos prêmios dentro do lixo. “Já paguei vários prêmios ao Roberto”, confirma.
Ele acrescenta que é verdadeira a história do bilhete premiado que o aposentado encontrou na rua. “O Roberto ganhou muito dinheiro, mas depois perdeu”. Brentigni observa que, antes da padronização das casas lotéricas, quem retirava o lixo no final da tarde era os funcionários dos estabelecimentos. (AL/AAN)Correio Popular – Campinas/SP – Adriana Leite

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