Luiz Antonio Simas: “Do bicho ao bolão”

Opinião I 28.06.18

Por: Magno José

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A zebra faz a alegria de quem nunca viu uma partida de futebol e desgraça a vida de apostadores metidos a especialistas, como eu

Luiz Antonio Simas*

Luiz Antonio Simas

O mais que centenário jogo do bicho foi criado pelo Barão de Drummond, dono do zoológico do Rio de Janeiro, a partir de uma sugestão do mexicano Manuel Zevada. Com o zoológico em dificuldades — o barão era monarquista e a República parou de subvencionar o jardim em Vila Isabel — a ideia foi criar uma loteria que permitisse a manutenção do estabelecimento. O frequentador que comprasse um ingresso de mil réis ganharia 20 mil réis se o animal desenhado no bilhete de entrada fosse o mesmo que seria sorteado posteriormente.

A zebra não é um dos 25 animais do jogo, que começa com o avestruz e termina com a vaca. Vem da cultura das ruas do Rio e do jogo do bicho, por causa disso, a expressão “deu zebra”, para se falar de um resultado inacreditável no futebol.

Sou perdedor nato em jogos e apostas de qualquer natureza. Atualmente ocupo uma das últimas colocações do bolão da Copa do Mundo promovido pelo Bode Cheiroso, botequim que frequento na Zona Norte carioca. Estou tomando uma surra até do meu filho de 7 anos e de uma senhora nonagenária que não sabia que ia ter Copa e deu palpites aleatórios para o neto barbado.

Meu pai ama futebol e foi craque do Embalo do Catete, um dos maiores times da historia do Aterro do Flamengo. O velho achou que enriqueceria quando a Loteria Esportiva foi criada, em 1970, no embalo da preparação para a Copa do Mundo e da propaganda que a ditadura militar fazia do futebol como exemplo do “Brasil Grande”. A febre do futebol naquele ano foi responsável também pela criação do Kichute, uma chuteira preta com cravos de borracha que virou mania entre a garotada. Com o Kichute marquei gols memoráveis chutando a bola Dente de Leite.

Meu pai nunca ganhou na loteria. Quem enriqueceu com ela foi Miron Vieira de Souza, um goiano que acertou sozinho um teste, em 1975. Miron não entendia patavina de futebol, fez a aposta mínima e cravou as zebras mais absurdas: o Corinthians empatou com o Rio Negro de Manaus, o Palmeiras empatou com o Nacional, também da capital do Amazonas, e o Vasco, campeão brasileiro do ano anterior, perdeu em casa para o América de Natal.

Quando foi entrevistado sobre ter cravado a vitória do time potiguar contra o Vasco, Miron disse que achava que o América de Natal era o América do Rio. Como o América carioca enfrentou naquele fim de semana o Fluminense — perdeu — e o jogo também fez parte da loteria, a explicação de Miron foi inusitada. Ele achou que o América ficaria cansado por jogar duas vezes no mesmo dia e botou o time ganhando um jogo, do Vasco, e perdendo o outro, do tricolor.

A imagem do novo milionário abrindo um sorriso desdentado, o popular 1001, ganhou o mundo. Miron virou criador de gado de corte e colocou uma dentadura nos trinques. Foi mais prudente que Dudu da Loteca, um ganhador de Madureira, também ignorante em futebol, que torrou a grana fazendo maluquices com o dinheiro — resolveu virar piloto de kart e dava televisões como gorjeta em hotéis — e ficou na pindaíba em curto espaço de tempo.

Enquanto a turma dos desentendidos enchia as burras, os metidos a especialistas em futebol continuavam apostando e perdendo todo fim de semana. Exatamente como faço no bolão da Copa da Rússia, com meus palpites consistentes, embasados e invariavelmente fracassados.

(*) Luiz Antonio Simas é escritor, professor, historiador brasileiro e veiculou o artigo acima no O Globo.

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