Paranóia pós-Cachoeira busca grampo na Esplanada.

Especial I 03.05.04

Por: sync

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O medo das gravações telefônicas ilegais é piada nos bastidores do poder. A brincadeira nos corredores de ministérios, palácios e do Congresso é de que nenhum ser humano sobrevive a cinco minutos de bate-papo ao telefone. A paranóia em relação a grampos e gravações clandestinas tomou conta do governo depois do caso Waldomiro Diniz. Flagrado em conversa suspeita com bicheiro, o ex-assessor parlamentar da Casa Civil foi personagem principal do grande escândalo da administração Luiz Inácio Lula da Silva.  
Nos últimos meses, aumentou o número de pedidos de ajuda à Polícia Federal para procurar ralos de informações escondidos embaixo de portas, nas linhas telefônicas ou nas redes internas de computadores dos prédios públicos. A primeira ordem da PF é manter o vasculhamento em absoluto sigilo. 
No Ministério da Justiça, realizou-se um rastreamento completo durante o carnaval. Ninguém trabalhava enquanto uma reforma era feita no gabinete do ministro Márcio Thomaz Bastos. Uma parede foi pintada e alguns retoques foram dados na sala. Mas a oportunidade serviu para que agentes da PF virassem do avesso o gabinete de Bastos. Nada foi encontrado.
Cuidados adicionais, no entanto, não deixaram de ser tomados pelo ministro da Justiça e seus assessores. Por recomendação da PF, Bastos tem uma linha telefônica digital direta e exclusiva, considerada à prova de grampos, para falar com o presidente Lula.
Nada de celular
Outra recomendação da PF seguida pelo ministro da Justiça é não conversar nada de importante por telefone. Celular, então, nem pensar. Mas essa precaução não é exclusividade de Thomaz Bastos. Vários ministros, deputados, senadores, juízes de tribunais superiores e o próprio presidente da República só tratam de questões fundamentais pessoalmente. Os ministros Amir Lando (Previdência) e Ricardo Berzoini (Trabalho) nunca têm conversas longas pelo telefone. Nem mesmo de um ramal para outro do ministério. Usam o telefone exclusivamente para convocar os subordinados ao gabinete. Os assessores diretos de Berzoini foram aconselhados a seguir o padrão e não discutir pela rede telefônica interna. Só devem usar os ramais para marcar reuniões e audiências.
Empossado na reforma ministerial de janeiro, Lando pediu rastreamento à PF assim que assumiu. Os agentes encontraram vestígios de grampos antigos, mas nada em operação. O gabinete do ministro está a salvo de arapongas. Lando é dos mais preocupados.
Mas apesar da paranóia pós-Carlos Cachoeira, empresário suspeito de gravar Waldomiro Diniz e o subprocurador-geral José Roberto Santoro — sucessivamente os episódios que colocaram o governo em crise e o ajudaram a sair dela —, há um medo permanente em Brasília. Em 2001, pós ser escolhido relator da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, o deputado Sampaio Dória (PSDB-SP) foi chamado para uma conversa com o então presidente da Câmara, Aécio Neves, que foi direto ao ponto. ‘‘Seu posto é estratégico. Você será muito visado. Lobistas terão muito interesse em informações privilegiadas para pressioná-lo. Seus assessores também serão observados. Quer que eu peça um vasculhamento à PF?.’’ Manual anti-arapongaOs peritos da Polícia Federal têm uma espécie de manual contra escutas clandestinas para orientar autoridades na Esplanada dos Ministérios. Ao serem chamados para fazer uma varredura em prédios ou gabinetes de ministros e secretários, os caça-grampos informam aos principais assessores as modalidades de interceptação de conversas e contam segredos e métodos de como evitar o vazamento de informações sigilosas. 
A Polícia Federal trata com discrição as informações sobre os pedidos para as varreduras nos ministérios. Sabe-se, entretanto, que o número de peritos é insuficiente para a demanda oficial. Em cada trabalho, são designados de dois a quatro peritos para a tarefa de encontrar grampos e orientar os funcionários. Confira a seguir as principais dicas repassadas às autoridades federais para barrar o vazamento de informações.Telefones Lacrar pontos de acesso como tomadas e centrais telefônicas (pabx);
Evitar linhas diretas, pois basta grampear um circuito para monitorar ligações;
Optar por ramais digitais, pois o número de circuitos dificulta os grampos;
Evitar uso de telefones sem fios, sujeitos a monitoramento imperceptível e 
Abolir o celular para conversas sigilosas, principalmente os serviços analógicos. ComputadoresTer informações seguras da empresa contratada para instalar a rede interna;
Evitar trocar informações sigilosas pela rede interna de computares e
Utilizar e-mails, na maioria das vezes criptografados, nas trocas de mensagens. Ambientes Isolar salas de reuniões sigilosas. No caso de janelas de vidros, instalar cortinas grossas;
Examinar tomadas de energia, luminárias e saídas de ar;
Marcar parafusos com tinta visível para identificar violações;
Retirar da sala de reunião auto-falantes: eles podem funcionar como gravadores e
Escolher cada detalhe do mobiliário: dar preferência a mesas de vidro para identificar com facilidade pontos de escuta. Cuidados gerais  Instalação de trancas nas janelas e portas e de câmeras nos corredores;
Adotar o uso de cartões de identificação com acesso restrito a reuniões sigilosas;
Acompanhar, em período integral, obras de manutenção no prédio ou escritório;
Manter sigilo sobre a solicitação de varreduras e utilizar telefone público para o pedido;
Acompanhar o serviço de varredura no prédio ou escritório;
Fazer uma vez por semana varredura visual nos gabinetes e salas de reunião e  Um capítulo importante da história recente do Brasil gira em torno de escândalos provocados por indiscretos aparelhos de escuta.
Histórias de espionagem
Em 1995, o ministro da Aeronáutica, Mauro Gandra, e o embaixador Júlio César Gomes dos Santos, chefe do Cerimonial da Presidência, caíram por causa de uma escuta no caso Sivam. Em 1997, os deputados João Maia e Ronivon Santiago reconheceram, em gravações, terem recebido dinheiro para votar pela aprovação da emenda da reeleição no Congresso.
No ano seguinte, foram reveladas conversas do presidente do BNDES, André Lara Resende, e do ministro das Comunicações, Luís Carlos Mendonça de Barros, sobre a privatização da Telebrás. Os dois saíram do governo FHC. Em 2001, Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda renunciaram por causa de gravação que revelou quebra de sigilo em votação do Senado. ACM também já foi acusado de espionar adversários com grampos na Bahia. Na semana passada, ele foi inocentado pelo STF. Da equipe do Correio  – Thiago Vitale Jayme e Leonardo Cavalcanti

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