“Passatempos Perigosos”.

Jogo Responsável I 29.04.04

Por: sync

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Deu na mídia: com a proibição dos bingos no Brasil, aumentou o número de atendimentos nas clínicas de psicologia. Os pacientes são viciados em jogos que, longe do seu “passatempo” preferido, sofrem uma espécie de crise de abstinência. Ficam irritados, têm depressão e vêem ruir seus relacionamentos em função da jogatina. O que parece ser um simples jogo é capaz de complicar a saúde mental de uma pessoa e, por conseqüência, desencadear uma série de conflitos de ordem familiar e social. Mas o que realmente existe por trás de um jogador patológico?

Estudos feitos por psicólogos do mundo inteiro apontam que de 1% a 3% da população (porcentagem que varia de país para país) sofrem com os problemas gerados pelo jogo patológico.

Segundo o psiquiatra rio-pretense Altino Bessa Marques, existem diversas explicações para o problema, mas nenhuma foi comprovada cientificamente. “A psicanálise tem explicado que os jogadores patológicos, também conhecidos como sem controle ou compulsivos, têm um desejo inconsciente de perder e jogam para aliviar culpas psíquicas”, diz o médico. A medicina e a psicologia comportamental classificam o jogo descontrolado como um comportamento desajustado que é apreendido. Os portadores têm uma série de percepções errôneas, inclusive ilusão de ter controle sobre a situação. Há pesquisadores que também apontam como causa para o “vício” de jogar problemas no metabolismo de neurotransmissores cerebrais, principalmente em relação aos hormônios noradrenalina e serotonina, responsáveis pela sensação de prazer e bem-estar.

Não há um parâmetro exato para definir quando a jogatina é uma doença, mas segundo profissionais de saúde o jogo patológico caracteriza-se pela incapacidade de resistir ao impulso de jogar, mesmo diante de conseqüências graves. “Ao não conseguir jogar, a vítima pode apresentar irritação, inquietude, péssima concentração e humor depressivo”, explica Marques. Para quem se acostuma com o jogo, a falta pode trazer um grande “vazio emocional”. Por isso, jogar compulsivamente é considerado um transtorno pela Organização Mundial de Saúde. A atitude tem parentesco com a compulsão pela comida. Segundo o psicólogo Nelson Iguimar Valério, da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), entre as inúmeras teorias que explicam o vício pelo jogo está também a que se refere a ele como uma maneira de externar um impulso que estaria no nível do psiquismo. Ou seja: a energia psicológica acumulada que precisa ser extravasada para proporcionar um equilíbrio emocional, como no ato sexual e na necessidade de se alimentar por exemplo. Outra interpretação dá conta da existência de componentes no substrato orgânico e neurológico, que explicaria atitude de fazer algo repetidamente. “Os atos podem ser fruto do Transtorno Obsessivo Compulsivo, diz Valério.
Saúde mental
Muitas vezes o jogo, especialmente o bingo, é procurado como fuga para outros problemas. Quando deixa de ser eventual ou social, ele passa a ser um problema. Não é regra, mas o jogador compulsivo tem também a tendência de apresentar outros problemas, como personalidade anti-social, tristeza e até dependência de álcool. “A falta do jogo manifesta-se também com comportamentos de hiperatividade e agressividade, além de trazer prejuízos no trabalho e nas atividades diárias, pela sensação de desequilíbrio psíquico”, diz Nelson Valério.
Vício controla o comportamento
Mesmo sabendo dos perigos do jogo patológico, o viciado mantém seu interesse porque tem a ilusão de controlar aquilo que lhe causa dependência. “As pessoas jogam como forma de fugir de problemas ou aliviar um humor disfórico, permeado de sentimentos de culpa, impotência, ansiedade e depressão”, afirma o psiquiatra Altino Bessa Marques. As pessoas viciadas até possuem consciência racional dos prejuízos, mas não conseguem segurar ou desviar seus impulsos, que quanto mais reprimidos mais força terão. “Nestes casos, o jogo não é uma questão de gosto e sim de dependência. É uma má adaptação da pessoa diante da vida”, afirma o psicólogo Nelson Valério.
Casamento em risco
Além de arruinar a própria saúde mental, o jogador patológico coloca em risco seus relacionamentos íntimos. Isso porque para jogar é preciso se ausentar da convívio do casal e dos filhos, o que leva também à ausência emocional, afetiva, já que a mente se liga nos impulsos do jogo. O vício atrapalha as finanças do casal, uma vez que tudo que é produzido acaba sendo gasto no jogo. Segundo o psicólogo Nelson Valério, jogador também não busca o relacionamento amoroso porque sua energia passa a ser gasta no jogo, o que faz a vida sexual ficar em segundo plano.
Saiba mais:

:: A maioria dos “jogadores patológicos” afirma que está mais em busca de “ação” do que de dinheiro. Apostas ou riscos cada vez mais elevados podem ser necessários para continuar produzindo o nível de excitação desejado (por isso, torna-se um vício)

:: O viciado pode jogar como uma forma de fugir de seus problemas reais ou para aliviar um humor disfórico (sentimentos de impotência, culpa, ansiedade, depressão)

:: Buscar a recuperação das perdas pode desenvolver no jogador a necessidade de continuar jogando freqüentemente e fazendo apostas maiores

:: O jogador compulsivo pode mentir para familiares, terapeutas ou para outras
pessoas para encobertar seu envolvimento no jogo e pode até chegar a um comportamento anti-social para adquirir recursos para o jogar

:: Aproximadamente um terço dos jogadores patológicos consiste de mulheres. As que têm este transtorno apresentam maior tendência à depressão e a jogarem como meio de fuga

:: O jogo patológico começa na adolescência em homens, e mais tarde, em mulheres. Geralmente, ocorre uma progressão na freqüência do jogo, nas quantias apostadas, na preocupação com o jogo e em comoobter dinheiro para jogar

Fonte – Nelson Iguimar Valério, psicólogo da Famerp

Reconhecer problema é o primeiro passo

Tomar consciência de que o jogo patológico é um transtorno que precisa ser tratado como doença é o primeiro passo para que os viciados se livrem dos conflitos e encontrem a cura. A dica é procurar psicólogos ou psiquiatras, apoio da família e se dedicar muito para reverter o quadro. “Problemas como esses são difíceis de ser revertidos, pois a pessoa passa por uma reestruturação para readequar seu repertório comportamental”, comenta o psicólogo Nelson Valério. Em muitos casos, o tratamento tem de envolver uma combinação de remédios e terapias comportamentais. O psiquiatra Altino Bessa Marques sugere a participação em grupos de jogadores anônimos como opção para reforçar a cura da doença. “Se o paciente ficar muito deprimido, com pensamentos suicidas e dependente de substâncias químicas, pode-se considerar até uma internação hospitalar como alternativa”, diz.

Serviço:
– Altino Bessa Marques Filho, psiquiatra, fone (17) 232-6808

– Nelson Iguimar Valério, psicólogo da Faculdade de Medicina de Rio Preto, pesquisador e doutor em Psicologia da PUC de Campinas, fone (17) 210-5000.

Diário da Região – S.J.do Rio Preto – Fabiano Ferreira

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