Pecunia non olet

Destaque I 04.11.14

Por: sync

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A frase é em latim, mas bastante sugestiva. Significa que o dinheiro não tem cheiro ou não fede. Para o governo o que pode ser arrecadado provém de todas as fontes, lícitas ou ilícitas.

A origem do instituto está no império de Nero que criou uma taxa para utilização dos banheiros públicos. Extinta posteriormente, foi restabelecida por Vespasiano. Tito, que depois seria imperador, reclama do pai “por ter criado um imposto sobre a urina” (Suetônio, “A vida dos doze césares”, ed. Prestígio, 2ª. ed., 2002, pág. 478). O imperador, então, aponta uma moeda para o nariz de Tito e indaga “se se sentia incomodado com o seu cheiro”. Tito respondeu que não. “Sem embargo, provém da urina” concluiu o imperador.

A frase contém forte significado no tocante à cobrança dos tributos. Normalmente, incidem sobre a atividade econômica lícita. Operações diversas, compra e venda, doação, produção, etc., todas são atividades normais em uma sociedade. O governo precisa de recursos para desenvolver suas atividades (prestação de serviços públicos, exercício do poder de polícia, construção de edifícios, pagamento de servidores, etc.).

É-lhe legítimo, no entanto, cobrar tributos sobre atividades ilícitas? Exemplifiquemos: contrabando (descaminho é melhor, neste contexto), exploração da prostituição, etc.

Ora, a não exigência de qualquer tributo sobre a atividade imoral ou ilícita incentivaria sua prática, porque aquele que a exerce moral e licitamente se vê compelido ao pagamento do tributo. Como manter fora da esfera da incidência tributária o descumpridor da lei? Não seria beneficiá-lo? Não seria dar-lhe condição mais favorável do que aquele que cumpre suas obrigações?

O jogo ilegal seria passível de tributação? E tributá-lo não significa coonestar sua prática? Em primeiro lugar, há verdadeira hipocriais em relação ao jogo. O Brasil inteiro joga. Mas, só pelas mãos do governo. A Caixa Econômica Federal, como coordena tais atividades não tem qualquer interesse na legalização do jogo, porque poderá perder parte de sua fonte de renda. É muito mais divertido ir a um cassino respirar ar de liberdade, perder alguns reais nas “maquininhas caça-níqueis” que recolher um bilhete de loteria.

O Brasil é um grande cassino. Todos jogam, ricos e pobres. Aqueles por diletantismo; estes, por esperança.

Por consequência, nada há de estranho em tributar o ilícito. Aliás, em lícito deveria ser transformado, mesmo porque a ilegalidade do jogo apenas estimula corrupção de agentes públicos.

A cobrança de tributos sobre valores arrecadados de atividade ilícita já encontra orientação jurisprudencial tranquila do Supremo Tribunal Federal (“Informativo” n. 637).

Vejam como os romanos eram espertos. Tributavam o ilícito. O Brasil, por mesquinharia religiosa e desconhecimento das benesses da legalização do jogo (arrecadação de tributos, término da corrupção de agentes, desenvolvimento turístico, criação de empregos, etc.) impede que o brasileiro desfrute da alegria e da descontração de uma casa de jogo.

Melhor, o governo obriga o brasileiro a gastar seu dinheiro em outros países, gerando neles divisas, empregos e tributos.

Dá para compreender tanta burrice?

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(*) Régis de Oliveira é titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP.  É mestre e doutor pela PUC-SP e livre-docente e associado pela USP. Mestre e Doutor em Direito com defesa de tese na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC. Livre-docente em Direito. Adjunto em Direito e Adjunto em Filosofia do Direito pela Universidade de São Paulo. Professor titular da cadeira de Direito Financeiro do Departamento de Direito Econômico e Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, desde 1994. Foi desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e deputado federal.   O artigo Pecunia non olet também foi veiculado no site Jus Econômico nesta segunda-feira (03.11.14).

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