Por que o Coaf deve continuar no Ministério da Fazenda

BNL, Destaque I 05.12.18

Por: Magno José

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Mércia Carmeline*

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vinculado, pelo menos por enquanto, ao Ministério da Justiça, exerce três funções: preventiva, repressiva e educativa.

Na função preventiva, analisa atos de concentração (econômica), obviamente, com o viés da livre concorrência. No presente artigo, nossa opinião, como ficará claro pelo exposto a seguir, é que o mais lógico seria o Cade continuar onde está.

Sugerimos, ainda, que o Cade acrescente às suas atividades a prestação de serviços de consultoria sobre a matéria “concentração” aos integrantes do novo governo.

Vamos segregar, por um momento, o conceito de concentração, no âmbito econômico, como fator impeditivo da livre concorrência, e utilizar os seus sinônimos mais comuns: “acúmulo”, “excesso”.

“Acúmulo” pode ser sinal de transtorno mental, dependendo da substância ingerida, pode causar males incuráveis ao organismo e, do ponto de vista de gestão, pode ser um desastre.

Isso posto, simplesmente porque o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) foi instituído pela lei que trata do combate aos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores e da prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos, não quer dizer que tenha que compor, obrigatoriamente, o hiperbólico Ministério da Justiça e Segurança Pública, que, em breve, iniciará atividades sob a direção do futuro ministro Sérgio Moro.

O Coaf é um órgão que, primordialmente, analisa informações sobre a existência de sérios indícios dos crimes previstos na Lei nº 9.613/98 ou com eles relacionados, enviadas pelos órgãos reguladores, os quais, por sua vez, as recebem das entidades a si jurisdicionadas. Por exemplo: as instituições que compõem o mercado financeiro reportam indícios de atividades ilícitas ao Banco Central; e as instituições e sociedades a elas equiparadas, que atuam no mercado de capitais, as reportam à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Observem o grifo na expressão sérios indícios, que é nosso. A lei não autoriza “delação” de cliente, resultante de informações coletadas aleatoriamente, opinião ou impressão infundada. Os regulados devem implementar controles e monitorar as operações, reportando somente procedimentos injustificados.

São também órgãos reguladores:

– Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci),

– Conselho Federal de Contabilidade (CFC),

– Conselho Federal de Economia (Cofecon),

– Departamento de Registro Empresarial e Integração (Drei), ao qual estão vinculadas as juntas comerciais,

– Polícia Federal, no que concerne às empresas de transporte e guarda de valores,

– Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em relação pessoas físicas ou jurídicas que comercializem antiguidades e/ou obras de arte de qualquer natureza,

– Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (Sefel), em relação às loterias e promoções comerciais, mediante sorteio ou métodos assemelhados,

– Superintendência de Seguros Privados (Susep), em relação às sociedades seguradoras e de capitalização, resseguradores locais e admitidos, entidades abertas de previdência complementar e, ainda,

– Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), em relação aos fundos de pensão.

O futuro ministro da Justiça Sergio Moro – Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O próprio Coaf é considerado órgão regulador do comércio de joias, pedras e metais preciosos, bens de luxo e alto valor, factorings e securitizadoras não reguladas pela CVM, serviços de assessoria, consultoria, auditoria, aconselhamento ou assistência não submetidas a órgão regulador próprio, exceto contadores, economistas e corretores imobiliários, pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas ou artistas. Nesses casos, as sociedades reguladas enviam as informações diretamente ao Coaf.

Em vista dessa atividade de análise de dados e informações, o Coaf foi criado no âmbito do Ministério da Fazenda e, segundo depoimentos, atua em perfeita sintonia com a Receita Federal, outro órgão que aprimorou, nos últimos anos, o ferramental tecnológico e de especialização humana para fins de identificação de ocultação de bens e direitos e outras fraudes fiscais.

Assim como o Cade, que recentemente firmou acordo de cooperação com secretarias do Ministério da Fazenda, estabelecendo formas de atuação para promoção da advocacia da concorrência, o Coaf também pode aprimorar os mecanismos de cooperação com outras áreas do governo. Dentre as quais, com o novo Ministério da Justiça e Segurança Pública, para maximizar o intercâmbio de informações, que, de toda forma, já está previsto no artigo 15, da Lei 9.613, de 1998.

Não podemos nos esquecer, também, de outro fator preponderante. Compete ao Ministério da Fazenda o relacionamento internacional no âmbito da economia, finanças e desenvolvimento, bem como as iniciativas para fortalecimento dos diálogos econômico-financeiros e dos mecanismos de cooperação internacional, nesse caso, por meio da Secretaria de Assuntos Internacionais. Naquilo que é aplicável, a Secretaria de Assuntos Internacionais atua em conjunto com o Coaf.

A cooperação pode ocorrer diretamente, seja por meio de participação em grupos, como G20, ou organismos internacionais, como, por exemplo, dentre inúmeros outros: a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), estabelecido por iniciativa dos países membros da OCDE, e o Grupo de Egmont, que congrega unidades de inteligência financeira de vários países.

Todos esses organismos e grupos possuem uma coisa em comum: agregam a expertise da atuação no mercado financeiro. Na verdade, não fosse isso, essas iniciativas nem teriam nascido, o que nos leva de volta à alçada do Ministério da Fazenda.

Isso não é, definitivamente, um assunto e uma atuação para membros do Ministério da Justiça, porque requer conhecimento prático e agilidade. Ao Ministério da Justiça caberá coordenar os mecanismos pós coleta de dados, até a execução da sentença de condenação, se houver.

Resumindo, a transferência do Coaf para o novo Ministério da Justiça e Segurança Pública parece um acúmulo desnecessário que pode causar uma ineficiência indesejada.

A comprovar.

(*) Mércia Carmeline é sócia do escritório FBC Advogados e veiculou o artigo acima no JOTA.

Leia também: ‘Moro quer que Coaf passe para o Ministério da Justiça

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