Receita anula norma que dava brecha a caça-níqueis.

Slots I 24.08.04

Por: sync

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A Receita Federal anulou a norma que permitiu classificar as máquinas de jogos de azar – caça-níqueis, videobingos e videopôquer – sob a mesma classificação de computadores comuns. A decisão foi publicada ontem no "Diário Oficial" da União.

A anulação ocorreu dez dias após a Folha ter publicado reportagem revelando que era falso o pedido que levou a Receita a criar, em dezembro de 2002, a solução de consulta nº 9 (SC-9), a norma que permitiu essa classificação.

A Corregedoria da Receita e o Ministério Público Federal (DF) investigam desde janeiro deste ano suposto esquema de corrupção para facilitar a importação de equipamentos para jogos de azar.

A reportagem mostrou que era falso o pedido da Febralot (Federação Brasileira das Empresas Lotéricas) para classificar as máquinas de jogos de azar – descritas como terminais de captação de apostas – no mesmo código usado para os computadores.

Nas investigações, Ministério Público e Corregedoria descobriram que a assinatura do presidente da Febralot, Paulo Leonel Michielon, havia sido falsificada. A Folha publicou os documentos que mostravam a falsificação. Michielon confirmou que não havia sido o autor do pedido e informou que a falsificação de sua assinatura chegava a ser "ridícula".

A anulação da SC-9 foi decidida na semana passada pelo secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, segundo informa Ronaldo Lázaro Medina, coordenador-geral da Coana, que assinou a criação e a anulação da norma. "Após a reportagem, o secretário pediu informações à Corregedoria da Receita. Com a confirmação de que a assinatura era falsa, a decisão foi considerar todo o processo nulo".

De acordo com Medina, ao anular a norma, a Receita impede que qualquer empresa justifique a importação dessas máquinas usando a classificação dos computadores. "Tecnicamente, essa solução não pode ser mais citada em nenhum processo de importação".
As investigações do Ministério Público e da Corregedoria indicam que a norma beneficiou exploradores de jogos de azar no país e que a mudança na classificação fazia parte de um plano para trazer, 200 mil máquinas por esse novo código ao custo de US$ 1,2 bilhão -US$ 6.000 por unidade. Os depoimentos são mantidos sob sigilo pelos procuradores.

O plano foi descoberto quando auditores da Receita no Rio barraram a entrada de dez máquinas de jogos da IGT (fabricante norte-americana de equipamentos para cassinos e bingos) no aeroporto Tom Jobim do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2003. Essas máquinas estavam sendo importadas pela Recomex, de Santa Catarina.

O assunto foi à Justiça. Os auditores conseguiram no Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro a apreensão das máquinas para que fossem destruídas.

"A Recomex fez a importação porque a IGT, que é a fabricante das máquinas apreendidas, não tinha inscrição no Siscomex [sistema que registra e aprova automaticamente exportações e importações]", diz Marcos Pinheiro de Lemos, um dos advogados da Recomex no escritório Daudt, Andrade e Castro Advogados.

Ao ser informado que a SC-9 havia sido anulada, o advogado disse que o "ideal, nesse caso, é que essas máquinas voltem ao seu país de origem [os Estados Unidos]".

"Burros n’água"

"Se existia um plano mirabolante com a SC-9 para importar máquinas caça-níqueis, ele [o plano] deu com os burros "n’água". É como uma pessoa que deve para a Receita querer trocar de nome para escapar do pagamento do Imposto de Renda", diz Medina.
Para o ex-secretário da Receita Everardo Maciel, a anulação da SC-9 não deve encerrar as investigações. "Por trás do pedido falsificado, estão atitudes suspeitas".

Procuradoria pede apuração da Polícia Federal sobre caça-níqueis.

A Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro pediu que a Polícia Federal investigue os envolvidos na importação de máquinas de jogo de azar sob a classificação de computadores comuns. O pedido foi encaminhado há cerca de um mês e meio.

"A partir de uma representação da Receita Federal, que mostrava que foi usado um artifício para importar essas mercadorias, decidi pedir a instauração de inquérito junto à Polícia Federal", afirma o procurador Marcus Vinicius de Viveiros Dias. Segundo ele, os envolvidos podem ser punidos por contrabando.

"As investigações são necessárias porque não se pode punir a pessoa jurídica [nesse caso, a Recomex]. É preciso verificar quem está por trás disso", afirma.

Reparo
Para Brasilino Pereira dos Santos, subprocurador-geral da República, a Receita reparou e reconheceu seu "erro" ao anular a solução de consulta nº 9 (SC-9).

"No início, a Receita sustentou a tese de que o ato [a norma] era legítimo e apenas servia para conceder uma classificação fiscal a uma mercadoria. Mas, ao optar pela sua nulidade, reconheceu o erro. Com isso, impede a facilitação de importação dessas máquinas", afirma o procurador.

Na sua avaliação, a medida fortalece as investigações. "Agora resta saber quem foi o mentor desse esquema e quem se beneficiaria com ele".

Folha de São Paulo – Claudia Rolli e Fátima Fernandes

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