Sem cassinos na China, apostadores endinheirados gastam em ‘Las Vegas da Rússia’

Cassino I 05.07.17

Por: sync

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No Extremo Oriente Russo, onde uma corrupção endêmica e uma morosidade burocrática conspiram para segurar o dinamismo econômico que enriquece o resto da Ásia, um palácio reluzente emerge de uma floresta escura, como parte de um improvável plano de explorar a fortuna dos vizinhos China, Japão e Coreia do Sul.

Em tempos em que poucos chineses ou outros investidores querem apostar na Rússia, a propriedade na floresta, mais de 6.400 km a leste de Moscou, atrai asiáticos endinheirados que não somente não se importam com o risco, como se deleitam com ele, e estão dispostos a apostar seu dinheiro nas mesas de bacará e nas roletas em uma versão incipiente de Las Vegas no Extremo Oriente Russo.

O Tigre de Cristal, único cassino até o momento naquilo que as autoridades de Vladivostok esperam que vá se tornar uma ampla "zona de entretenimento integrada" com oito diferentes centros de apostas, é o maior complexo de jogos de azar da Rússia.

Financiado em grande parte por uma empresa de Hong Kong, a Summit Ascent, ele é também o maior investimento da China em uma região que o presidente Vladimir Putin tentou transformar em uma vitrine do "giro [da Rússia] em direção ao Oriente".

Desde que Nikita S. Khrushchev fez uma parada no Extremo Oriente Russo após uma viagem à Califórnia em 1959 e decretou que Vladivostok havia se tornado "uma segunda San Francisco", os incríveis atrativos da cidade portuária—grande beleza natural, localização na Ásia e uma população com alto grau de instrução—despertaram ambições, todas seguidas por uma profunda decepção.

Durante o governo de Putin, Moscou despejou bilhões de dólares na região, pagando por pontes enormes, um novo campus universitário e outros custosos projetos estatais. Mas, apesar de relações cada vez mais próximas entre Moscou e Pequim, segundo Artyom Lukin, um professor de estudos internacionais da Universidade Federal do Extremo Oriente, "a Rússia percebeu que não ia ter dinheiro chinês entrando de graça".

Único cassino acessível para os mais de 100 milhões de chineses

No entanto, os apostadores chineses estão chegando, porque o jogo de azar é ilegal em seu próprio país, exceto em Macau, na costa sul perto de Hong Kong, e porque a floresta ao nordeste de Vladivostok oferece o único cassino acessível para os mais de 100 milhões de chineses que vivem nas províncias do outro lado da fronteira com a Rússia.

Li Yunhui, um empresário de 45 anos e apostador de Mudanjiang, uma cidade chinesa a cerca de 240 km de Vladivostok, diz que o cassino russo não tem as mesmas comodidades e serviços de centros de apostas estabelecidos como Macau, mas acrescenta: "Pelo menos é perto. E o ar é limpo".

Ele diz que vinha visitando Vladivostok regularmente desde o início dos anos 1990 e não conseguia imaginar por que a Rússia havia ficado tão para trás da China no desenvolvimento de sua economia.

"Sinto-me como se estivesse em um país em desenvolvimento aqui. A China era assim décadas atrás", ele diz, e conta ainda que havia tentado abrir um pequeno negócio em Vladivostok, mas ficou desesperado com toda a burocracia. "O que você consegue fazer em um dia na China leva semanas aqui".

A empreitada nos jogos de azar em si é um exemplo de como as coisas são feitas lentamente. Autoridades governamentais começaram a investir na ideia uma década atrás. Elas convocaram um empresário local bem conectado, Oleg Drozdov, para construir o complexo de hotel e cassino que hoje abriga o Tigre de Cristal.

Mas Drozdov foi preso em 2013 acusado de corrupção após a destituição do ex-governador da região de Primorsky Krai, Sergey Darkin.

A Summit Ascent, a empresa de Hong Kong que hoje é dona de 60% do cassino, assumiu a carcaça de concreto deixada pela construtora de Drozdov e, depois de investir US$ 200 milhões (quase R$ 660 milhões) junto com outros investidores, terminou a construção e abriu o cassino no final de 2015.

A empresa, que divulgou um lucro modesto no ano passado, hoje pretende investir mais US$ 500 milhões (R$ 1,65 bilhão) na construção de um segundo hotel de luxo, um campo de golfe, mais salas de apostas e outras instalações na mesma zona de entretenimento.

Quatro outros cassinos

Quatro outros cassinos projetados por outras empresas, que já deveriam ter sido inaugurados, estão bastante atrasados. Terrenos vazios com alguns poucos sinais de construção são encontrados em toda a floresta. Um juiz russo cancelou recentemente o projeto de um cassino de uma incorporadora russa porque ele demorou demais para sair da planta.

Eric Landheer, diretor da Summit Ascent para finanças e estratégias corporativas em Hong Kong, diz que sua empresa tem a "vantagem de ser a primeira e um monopólio", mas que não quer ficar sozinho na floresta por muito tempo porque os apostadores preferem um aglomerado mais dinâmico de cassinos.

O histórico dos jogos de azar na Rússia é antigo e muitas vezes conturbado, um país onde o comportamento foi moldado pela Igreja Ortodoxa, que acusa os cassinos de serem coisa do diabo, e pelos escritos de Fiódor Dostoiévski, um viciado em jogos que abordou a fascinação e os riscos do vício em seu romance "O Jogador".

Defensor de valores tradicionais cristãos, Putin baniu os cassinos e as máquinas caça-níqueis em 2009, queixando-se de que muitos russos "perdem seu último centavo e pensões jogando".

Mas aparentemente não é um problema chineses e outros estrangeiros perderem seu dinheiro. De fato, suas perdas hoje cobrem os salários de cerca de mil russos que trabalham para o cassino Tigre de Cristal e fornecem uma fonte muito necessária de renda para a região de Primorsky em torno de Vladivostok, uma cidade que, fora os projetos de infraestrutura financiados pelo Estado e contaminados pela corrupção, teve dificuldades para atrair investimentos de fora.

Fechada para estrangeiros durante a era soviética, hoje a cidade tem voos regulares para Harbin, Pequim e outras cidades chinesas, e também pode ser acessada por estrada e trem.

Para tornar possível a "tosquia" de estrangeiros e um número restrito de russos, Moscou deu permissão para a criação de quatro zonas especiais de apostas. A que fica mais a oeste, em Kaliningrad, é voltada para apostadores da vizinha Polônia, ao passo que as outras ficam na cidade turística de Sochi e na região siberiana de Altai.

Os russos também podem jogar no Tigre de Cristal, contanto que apresentem seus passaportes e se registrem. Isso não foi muito bem visto entre padres russos e aqueles que veem os cassinos como um mau substituto para um desenvolvimento econômico saudável.

"Qualquer um que tenha lido Dostoiévski conhece todos os problemas gerados pelo jogo", reclama Andrei Kalachinski, um jornalista veterano de Vladivostok. "A disseminação da prostituição definitivamente criará empregos, mas de que tipo?"

A infraestrutura de transporte tem sido outro problema. Uma nova estrada que liga a área do cassino ao aeroporto de Vladivostok vira uma pista de lama no trecho final. Uma estrada sinuosa até o centro de Vladivostok, a cerca de 56 km de distância, fica tão congestionada que Yuri Trutnev, o enviado de Putin para o Extremo Oriente Russo, propôs que fosse criado um serviço de balsa para deixar mais rápida a viagem até o cassino.

Dispensa de vistos para visitantes vindos da China

As autoridades também têm demorado para cumprir sua promessa de dispensa de vistos para visitantes vindos da China e outros países selecionados.

Apesar desse atraso, os chineses ainda conseguem obter vistos com relativa facilidade caso se inscrevam em uma excursão, e o número de chineses que visitaram Vladivostok e a região circundante de Primorsky no ano passado mais do que dobrou, para cerca de 300 mil.

Yuri Kuchin, um membro da oposição da Câmara Municipal de Vladivostok, diz que burocratas locais em geral mais entravam do que ajudam os investimentos estrangeiros, protelando o trabalho para a maior parte das questões a menos que haja algum benefício financeiro para eles mesmos.

Embora seja um crítico implacável do governo, ele diz que apoia o projeto de cassinos conduzido por estrangeiros como uma fonte de empregos e uma boa forma de expulsar antros ilegais de jogos na região, que, segundo ele, costumam ser protegidos por funcionários públicos corruptos.

A Primorye Devolpment Corp., a agência governamental que hoje é responsável pelo projeto, se negou a dizer o que estava sendo feito para combater clubes ilegais ou a explicar como o projeto do cassino se encaixava na estratégia geral de desenvolvimento da região.

Alguns projetos estrangeiros em Vladivostok fracassaram, inclusive dois hotéis cinco estrelas do Hyatt que deveriam ter sido inaugurados há cinco anos, mas ainda estão em construção. No entanto, o cassino Tigre de Cristal, embora tenha sofrido atrasos devido a vários contratempos como a prisão de um sócio local, não só está aberto e em funcionamento hoje, como também está lucrando.

Lawrence Ho, presidente da Summit Ascent e filho do magnata do jogo de Macau Stanley Ho, reconheceu em um relatório a investidores que "o ano teve seus desafios", mas disse: "No geral, estou muito otimista em relação ao potencial de nosso investimento na joia do Extremo Oriente Russo".

Grandes apostadores chineses

As fontes mais lucrativas no cassino são grandes apostadores chineses recrutados pelos chamados operadores intermediários, agentes que encontram jogadores, fornecem crédito, organizam a viagem e gerenciam salas VIP privadas no cassino. Por esses serviços, o cassino paga aos intermediários uma parte do que ganha de seus clientes—mais, segundo Landheer, do que os 40% ou 50% pagos a eles em Macau.
Ainda assim, Tommy Li, um agente do nordeste da China, reclama que Vladivostok oferece poucas das atrações de Macau e é fria demais no inverno. Seu único atrativo para apostadores chineses seria sua proximidade, segundo ele.
Uma de suas principais queixas é que não há prostitutas o suficiente, que, segundo ele, são muito mais disponíveis e mais baratas em Macau. Landheer, o diretor de finanças corporativas, diz que sua empresa não está no ramo de prostituição e que "gostaria de ver o fim de todas as atividades ilegais".
Mas, ele acrescenta, existem "muitos outros prestadores de serviços" em Vladivostok dispostos a satisfazer a todas as necessidades dos apostadores. (The New York Times – Andrew Higgins – Artem (Rússia) – Notícias UOL)
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