TST reconhece vínculo de emprego em atividade de “jogo de bicho”

Jogo do Bicho I 10.12.02

Por: sync

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A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu os efeitos jurídicos do contrato de trabalho celebrado para coleta de apostas em “jogo de bicho”, estendendo ao empregado nesta atividade todos os direitos concedidos aos demais trabalhadores. Por unanimidade de votos, os ministros julgaram que, apesar de o contrato de trabalho ser nulo em razão da ilicitude do objeto (coleta de apostas), não há como se negar a produção de todos os efeitos trabalhistas, sob pena de premiar-se o contraventor em prejuízo do trabalhador. Relatora do recurso, a ministra Maria Cristina Peduzzi afirmou que já era hora de o assunto ser “repensado” no TST.
A decisão foi tomada em julgamento de recurso da Casa Lotérica “A Predileta”, de Olinda (PE), contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco (6ª Região) favorável a um ex-cambista. A jurisprudência do TST, por meio da OJ nº 199, afirma a nulidade absoluta do contrato de trabalho decorrente do exercício de atividade ilícita (Artigos 82 e 145 do Código Civil). Apesar de reconhecer que o trabalho dos coletores de apostas e a relação que mantêm com os chamados “banqueiros” do “jogo do bicho” são ilegais, Cristina Peduzzi afirmou que seria incompatível com os princípios da primazia da realidade e da proteção, negar, por completo, eficácia jurídica ao contrato celebrado entre as partes para coleta de apostas.
“No Direito do Trabalho, a nulidade do contrato pode não acarretar negação plena dos efeitos jurídicos do ato. Se afirmarmos a plena nulidade do contrato de trabalho celebrado com empregado que exerce suas atividades na coleta do jogo do bicho, acabaríamos por premiar o contraventor, desobrigando-o de cumprir as leis trabalhistas, em prejuízo do trabalhador”, afirmou a ministra Cristina Peduzzi, ao reconhecer o vínculo de emprego entre o bicheiro e o cambista. Com isso, a casa lotérica terá que fazer a anotação em Carteira de Trabalho e a inscrição no PIS, pagar aviso prévio, 13º salário, férias mais 1/3, FGTS mais multa de 40%, horas extras e indenização correspondente ao seguro-desemprego.
A decisão assemelha-se, segundo a relatora do caso, às decisões envolvendo a contratação sem concurso pela Administração Pública e o trabalho de menores. “Quando isto ocorre, declara-se a nulidade do ato, sem prejuízo da obrigação de pagar os salários dos dias trabalhados. Assim, a tutela jurisdicional obsta o enriquecimento sem causa, valorizando a força de trabalho despendida, considerada a impossibilidade de devolução da força de trabalho prestada”, exemplificou.
O TRT/PE rejeitou o argumento dos advogados da casa lotérica para que arquivasse o processo trabalhista, tendo em vista que a CLT e o Código Civil não contemplam as categorias de cambista e arrecadador de jogo de bicho no ordenamento legal. “Sendo o jogo do bicho uma contravenção penal, está o vendedor de aposta ao desabrigo da Justiça do Trabalho”, afirmou o advogado da lotérica. O TRT/PE manteve a sentença da 2ª Vara do Trabalho de Olinda, que reconheceu o vínculo de emprego entre o ex-apontador e a casa lotérica.
Segundo o acórdão regional, a natureza ilícita da atividade tem reflexos sobre o contraventor e seus clientes, não podendo transferir-se ao empregado, que “à míngua de outro emprego, dali tira o seu sustento e de sua família”. No TST, o recurso da casa lotérica foi conhecido e desprovido. Segundo a defesa da lotérica, o cambista é, na verdade, um revendedor lotérico autônomo. Pela natureza da atividade, o pagamento ao cambista é feito semanalmente, de imediato. Já o arrecadador de jogo do bicho recebe comissão sobre o total de jogos arrecadados.
Presidente da Terceira Turma, o ministro Vantuil Abdala, vice-presidente do TST, sugeriu que o voto da ministra Maria Cristina Peduzzi fosse enviado à Comissão de Jurisprudência do TST, para possibilitar uma adaptação na OJ/TST nº 199. Abdala também determinou o envio do voto a todos os ministros e juízes convocados que atuam no TST para que reflitam sobre a questão. A decisão da Terceira Turma neste caso poderá ser revista ou mantida pela Subseção Especializada em Dissídios Individuais (SDI – 1) do TST no próximo ano.
O pronunciamento da SDI –1 sobre o recurso também servirá para unificar o posicionamento do TST sobre a questão. Recentemente, a Primeira Turma decidiu de forma divergente, não reconhecendo vínculo empregatício entre uma banca de jogo de bicho do Recife (PE) e uma apontadora. O relator desse caso (RR 532361/1999) foi o juiz convocado Guilherme Bastos, que considerou o contrato de trabalho “nulo de pleno direito, porquanto tem objeto ilícito nos termos da lei, não gerando quaisquer direitos trabalhistas”. O relator levou em consideração o artigo 82 do Código Civil, que estabelece como requisito da validade do ato jurídico, no caso o contrato de trabalho, “agente capaz e objeto lícito”. O jogo do bicho, ressaltou, é contravenção penal, de acordo com o Decreto-Lei 3.688/41. (RR 24397/2002)
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