ANATEL recorre da decisão que determinou o bloqueio de sites de apostas que operam no Rio sem licença da LOTERJ
A Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel protocolou nesta quarta-feira (10), agravo de instrumento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1 pedindo que a 11ª Turma revogue a decisão do desembargador do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Pablo Zuniga Dourado, em agravo da LOTERJ, para que Anatel suspenda as atividades das 115 plataformas de apostas esportivas e jogos online e empresas de meio de pagamento no estado que não tenham autorização da Loteria do Estado do Rio de Janeiro – LOTERJ.
A petição manifesta sobre a ilegitimidade passiva da Anatel já informada na ação da 13ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal reformada pelo TRF1 e que a agência tem como função regular a prestação dos serviços de telecomunicações. Além disso, não há na Lei Geral de Telecomunicações qualquer dispositivo que autorize a ANATEL a determinar que uma prestadora de serviço de telecomunicações efetue o bloqueio administrativo de um conteúdo exposto na internet.
“É preciso ter em mente que há, de um lado, os aspectos técnicos e de infraestrutura, sobre os quais incidem a jurisdição da ANATEL. De outro lado, os conteúdos propriamente ditos, que trafegam pelas redes de telecomunicações, em relação aos quais a ANATEL não possui ingerência. Como bem colocado no Ofício nº 103/2024/PR-ANATEL (ID 2125313418), a ANATEL não possui competência legal para determinar às prestadoras de serviços de telecomunicações que procedam ao bloqueio de sites que operam ilegalmente apostas no território brasileiro, mais especificamente no Estado do Rio de Janeiro”, registra.
A agência destaca ainda que a imposição de bloqueio de conteúdos publicados na internet e a atribuição de responsabilidade a provedores de aplicação ou de conexão por conteúdos publicados por terceiros é tema sensível e controverso, cuja regulamentação se encontra nas disposições do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), bem como em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em regra, o bloqueio de conteúdos ilícitos ou ofensivos é efetuado após a emissão de uma ordem judicial, elemento que constitui também pressuposto para a responsabilização do provedor de aplicação responsável.
A Anatel lista os casos previstos como os que violem os termos de uso da plataforma, em algumas redes sociais, com conteúdos que propaguem desinformação ou expressem ofensas de teor discriminatório, hipótese de divulgação de cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado e conteúdos que violem direitos autorais.
“Como se vê, o modelo legal em vigor no Brasil, tal como disposto no Marco Civil da Internet e interpretado pelo Superior Tribunal de Justiça, não comporta a hipótese de indisponibilização de conteúdo na internet mediante ordem proferida pela Anatel às prestadoras de serviços de telecomunicações, como pretende a Autora nos presentes autos”, informa.
Segundo a Agência, a decisão do desembargador do TRF1 não se aplica as regras excepcionais previstas no Marco Civil da Internet, que autorizam o bloqueio de sites independentemente de ordem judicial. “Nesse contexto, resta demonstrada a absoluta incompetência legal da ANATEL para determinar o bloqueio de sites que operam ilegalmente apostas no território brasileiro, mais especificamente no Estado do Rio de Janeiro, isso porque, a hipótese de retirada de conteúdo na internet por ordem proferida pela ANATEL, requerida pela autora, destoa do modelo legal vigente”, comenta.
A petição informa também que a “ANATEL não é operadora de serviço de telecomunicações e, portanto, não possibilita que os provedores de conteúdo de internet veiculem seus materiais, de maneira que, do mesmo modo, não possui condições técnicas de impedir suas atividades”.
Análise de viabilidade técnica
Sobre a análise de viabilidade técnica da ANATEL o BNLData decidiu transcrever na íntegra o texto da petição da agência para que os operadores de sites, plataformas e meios de pagamento entendam tecnicamente como é o processo de bloqueio de sites através das operadoras.
“Acerca da viabilidade técnica para atendimento da pretensão da LOTERJ, importante destacar que a ANATEL não possui meios fáticos e legais para promover, por si só, a retirada de conteúdo ou bloqueio de acesso a sítio eletrônico, pois tal medida diz respeito ao campo de atuação das próprias prestadoras de serviços que detêm a gestão das suas redes de telecomunicações.
No caso do acesso à Internet, tal operação se dá pelas empresas prestadoras do Serviço Móvel Pessoal – SMP (que provê o acesso à internet móvel) e do Serviço de Comunicação Multimídia – SCM (que provê o acesso à internet fixa). Consideramos desnecessário que a Autarquia figure no polo passivo da presente ação judicial, uma vez que sempre cooperou no cumprimento das decisões judiciais, realizando a intimação dos provedores para efetuar o bloqueio dos sites.
Conforme já demonstrado nesta manifestação, as competências da Agência estão adstritas ao que é previsto na Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT), em especial, seu art. 19, como órgão regulador das telecomunicações do Brasil, cabendo a gestão e operação das redes de telecomunicações brasileiras às próprias prestadoras de serviços de telecomunicações. Adicionalmente, a administração de domínios e sítios na internet (provedores de aplicação) é classificada como Serviço de Valor Adicionado à luz da Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei nº 9.472/1997).
Cumpre esclarecer que a atuação das prestadoras de serviços de telecomunicações, por questões técnicas e em alinhamento com o §3º do art. 9º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet), não pode interromper conteúdos específicos como, por exemplo, uma conta ou perfil de plataforma digital, um vídeo ou uma página específica. O que é possível, pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, é a atuação em nível de rede para interromper todo o tráfego destinado aos servidores que hospedam os sítios eletrônicos em questão, se a determinação judicial ver essa abrangência.
À título de informações complementares, eventual determinação de bloqueio direcionada aos prestadores de serviços de telecomunicações, deve ser para que programem seus servidores DNS (Domain Name Servers) para não traduzirem URLs (Uniform Resource Locator, servidores e domínios) correspondentes ao(s) sítio(s) eletrônico(s) indicado(s) em endereços IP numéricos, consideradas as orientações que se seguem.
Os provedores de acesso à Internet oferecem o serviço de DNS para uso de seus clientes e, para efetivar um bloqueio, eles substituem a associação verdadeira entre o URL e o endereço IP, por uma que indique que o URL é desconhecido ou tem endereço IP inválido. Dessa forma, o navegador ou aplicativo do usuário não vai obter o endereço IP numérico necessário para encaminhar seu pedido de conteúdo para o servidor correto. O acesso ao conteúdo, portanto, estará bloqueado para os clientes que utilizam o DNS do provedor.
Como a associação que existe é entre domínio e o endereço IP numérico, os prestadores de acesso à internet não conseguiriam bloquear o conteúdo em “www.exemplo.com/pagina1”, mas apenas o FQDN “www.exemplo.com”. Isto significa que todos os conteúdos de “www.exemplo.com” seriam bloqueados. Portanto, as determinações de bloqueio de acesso a conteúdo por URL não devem conter a indicação do conteúdo (“/pagina1”), pois isso não é possível aos prestadores de acesso à Internet, mas apenas do domínio, com a consciência de que todo o site será bloqueado.
Além dos provedores de acesso à Internet, existem entidades que oferecem DNS de forma pública – ou seja – para qualquer um que quiser usá-los.
Um usuário com algum conhecimento técnico pode programar seus equipamentos para consultar servidores DNS Públicos, contornando o bloqueio feito pelos prestadores de acesso à internet. Por essa razão, as empresas que disponibilizam servidores DNS públicos também precisam ser notificadas e o comando deve ser muito claro: programar os servidores DNS que atendem usuários no Brasil para responder com erro (domínio não existente) às consultas aos URL indicados. Caso contrário as entidades podem alegar que não têm atuação sobre o conteúdo (de fato, não têm).
As principais empresas que operam DNS Públicos são Cloudflare, Quad9, Google, Open DNS, Comodo e NextDNS, porém apenas Google e Open DNS, salvo melhor juízo, possuem representação no país. Há muitas outras empresas que operam DNS Públicos, porém todas de menor abrangência e pouco conhecidas pelo público em geral ou pelas prestadoras de telecomunicações.
Por fim, alguns provedores de acesso à Internet, em sua maioria de pequeno porte, podem não ter servidores DNS próprios e oferecem, aos seus clientes, os serviços de DNS públicos.
Caso o domínio seja brasileiro (“.br”), a determinação deve ser também endereçada ao NIC.br, que é a entidade responsável pelo registro de domínios no Brasil (Registro.br). Nela, deve-se determinar a exclusão da listagem do domínio em questão no registro do país. O mesmo pode ser solicitado para as entidades equivalentes ao NIC.br no mundo. Entretanto caberá a cada entidade tratar um pedido vindo de uma jurisdição internacional conforme seu regramento jurídico.
É importante saber que, ainda que um domínio seja bloqueado, o fornecedor do conteúdo pode criar rapidamente outro domínio e divulgar para os seus usuários. Por exemplo, o domínio” exemplo.com” poderia criar domínios alternativos, como “exemplo-1.com”, “exemplo.fr”,”exemplo.net”, “xexemplo.com”. De fato, essa é uma prática recorrente na Internet, sobretudo em aplicativos, pois neles o usuário nem precisa digitar as URLs, visto que elas já vêm programadas no aplicativo.
Para combater esse tipo de contorno, é importante que a decisão judicial seja abrangente o suficiente para que o órgão executor possa determinar o bloqueio de domínios adicionais (domínio alternativos) baseado na constatação de que o conteúdo a ser bloqueado está disponível nessas alternativas. Essa espécie de “ordem dinâmica” de bloqueio pode perseguir esses domínios alternativos, entretanto a informação específica de quais domínios devem ser bloqueados deve ser repassada claramente para os prestadores de acesso à internet e aos provedores de DNS públicos, afastando qualquer juízo de valor.
Uma alternava para superar algumas limitações do bloqueio de URLs acima apresentadas é bloquear os endereços IPs aos quais as URLs são traduzidas. Essa possibilidade não deve ser considerada sem conhecimento da estrutura dos serviços e exige uma análise de viabilidade e acompanhamento mais apurados: um mesmo endereço IP numérico pode estar servindo a diferentes domínios, por vezes centenas ou milhares, e o bloqueio do IP nos prestadores de acesso à internet interromperia o funcionamento de todos esses domínios, atingindo diversas entidades não envolvidas na decisão judicial. Além disso, é bastante trivial trocar a associação entre URLs e os endereços IP numéricos, o que exigiria um acompanhamento contínuo dessa associação e imediato bloqueio, se tecnicamente viável, do novo IP numérico associado.
Outro obstáculo para efetividade dos bloqueios é a possibilidade de utilização, pelos usuários finais, de serviços de rede virtual privada (Virtual Private Network – VPN), pela qual é criada uma conexão de rede privada entre dispositivos através da Internet. As VPNs são usadas para transmitir dados de forma criptografada em redes públicas. Elas funcionam mascarando os endereços IP do usuário e criptografando os dados para que se tornem ilegíveis por qualquer pessoa não autorizada a recebê-los.
Portanto, por meio de VPN é possível se conectar a um servidor de outro país e utilizar a internet a partir desse ponto exterior, não passando pelas restrições e bloqueios impostos pelas prestadoras de telecomunicações brasileiras.
Outra providência que pode ser avaliada, caso o sítio eletrônico ou serviço seja ligado à um aplicativo de celulares, é a determinação às empresas responsáveis que retirem a possibilidade de novos downloads pelos usuários brasileiros nas lojas de aplicativos. Cabe ressaltar que, nesse caso, somente serão impedidas novas instalações dos aplicativos em celulares, não havendo impacto em aplicativos já instalados ou no acesso ao sítio eletrônico pelos navegadores em computadores ou dispositivos móveis, inclusive para criação de novas contas.
Nesse contexto, ainda sobre a viabilidade técnica da pretensão da autora, cumpre destacar que não se pode garantir que a área geográfica do bloqueio seja restrita ao Estado do Rio de Janeiro, sendo as ordens judiciais tipicamente nacionais, uma vez que a infraestrutura dos serviços de telecomunicações não se adstringe a limites estaduais.”
A petição ainda cita casos recentes semelhantes em que a ANATEL manifestou-se no sentido em que o juízo acolheu a alegação de ilegitimidade passiva, bem como da União, excluindo ambas do processo.
“Por todo o exposto nesta contraminuta, requer a ANATEL seja negado provimento por essa 11ª Turma ao agravo de instrumento interposto pela LOTERJ, mantendo-se a decisão de ID 2126565747 por seus próprios fundamentos”.
Comento: dificuldade técnica e efeitos colaterais
No dia 4 de julho o BNLData comento que as plataformas de apostas esportivas estvam apreensivas com os efeitos da decisão pioneira da Justiça Federal em suspender os sites que operam somente no Rio de Janeiro.
Registramos que o Brasil possui milhares de pequenos provedores e dezenas de grandes operadoras e todas são notificadas pela ANATEL a executar bloqueios de conteúdos, o que pode resultar em centenas de milhares de horas de trabalhos para sua plena execução.
O BNLData também conversou com especialistas, que registraram que existe uma dificuldade técnica para a ANATEL promover o bloqueio dos sites (domínios/sites/DNS, IPs, URLs e ASNs) apenas no Rio de Janeiro devido ao alto grau de complexidade desta ação. A medida poderá ser efetiva para pequenos provedores com sede no estado, mas as grandes de atuação nacional terão dificuldades em georreferenciar essa suspensão nos limites do Rio de Janeiro. Além disso, a maioria dos sites de apostas que operam no Brasil estão hospedados no exterior.
Além disso citamos dos riscos do efeito colateral da medida, já que existe o risco de além do Rio de Janeiro o provedor de internet bloquear a plataforma em todo o país.
Não era necessário Bola de Cristal para prever o que poderia acontecer, bastava conversar com as pessoas certas. Quase tudo que prevemos aconteceu…