Jogo é anterior a religião e o Estado é laico

Blog do Editor I 29.11.19

Por: Elaine Silva

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No que diz respeito à substância do argumento religioso, em que pese o respeito que se deve prestar à Frente Parlamentar Evangélica, a verdade é que não existe qualquer previsão na Bíblia em que Deus proíba a prática do jogo.

O jogo é anterior a religião e a cultura, portanto jogar e apostar faz parte de uma terapia, além disso, não é uma atividade pecaminosa. A paixão por jogos é tão antiga que talvez remonte à pré-história da humanidade. Nas milhares de páginas da Bíblia não existe uma linha que condene a prática do jogo, até mesmo nos sete pecados capitais o jogo não está incluído. A Bíblia registra, em passagens de seus livros mais antigos, o uso de sortes indicando fortuna e desgraça.

O Livro dos Números (quarto livro da Bíblia, vem depois do livro de Levítico e antes de Deuteronômio) conta que, após realizar o censo dos israelitas, Moisés dividiu entre o povo as terras que existiam a oeste do Rio Jordão, de acordo com o número de letras de seus nomes. Os jogos de sorte e de azar remontam a mais de dois milênios atrás. Já os antigos sumérios, considerada a civilização mais antiga da humanidade, tinham os seus jogos a dinheiro, onde a sorte era o fator principal.

É curioso notar, inclusive, que em diversas passagens da Bíblia o curso de ação a ser seguido é deixado propositadamente ao acaso, assemelhando-se bastante à lógica do jogo: em Neemias 11:1-3, por exemplo, decidiu-se na sorte uma pessoa entre dez para morar em Jerusalém, e as nove restantes permaneceram em suas respectivas cidades; em Josué 14:2, estabelece-se um sorteio para a divisão da herança de Israel entre as nove tribos e meia; em Atos 1:26, Matias substitui Judas como o décimo-segundo apóstolo como resultado de um sorteio feito pelos outro onze apóstolos.

Esses são somente alguns dos diversos exemplos sobre como a Bíblia se utiliza intencionalmente do acaso para decidir questões da maior importância. Nesse sentido, parece no mínimo contraditório que o homem comum não possa – lúdica e moderadamente – deixar que a emoção do acaso governe o desfecho do seu futuro imediato.

O diretor da Editora Libertar e do Instituto Cairu, Cauê C. Bocchi manifestou em artigo que a intenção desses exemplos não é fazer com que aqueles que são contra o jogo por motivos religiosos passem a ser a favor da prática: a intenção aqui é somente deixar claro que até o argumento religioso pode ser interpretado de maneira diversa, e que isso faz com que a tolerância – atributo sagrado e estimulado por Deus, diga-se de passagem – seja talvez a única solução racional e religiosamente possível no enfrentamento da questão do jogo.

Nesse sentido, nada é mais contrário à tolerância do que a proibição pura e simples do jogo.

Nada impede, por óbvio, que um pastor evangélico desestimule a prática do jogo entre os seus fiéis, ou que condicione tal prática ao cumprimento de todas as virtudes cristãs, como o pagamento do dízimo, por exemplo. A distância, contudo, entre o aconselhamento moral e religioso e a proibição legal de determinada atividade é enorme, e é importante que todos os envolvidos tenham consciência dela.

Antiguidade

Outros povos da Antiguidade, como os egípcios, romanos e os chineses, também estão entre os pioneiros em loterias. Os primeiros embriões das loterias com prêmios em dinheiro, entretanto, teriam surgido em Roma, na Idade Média e se difundido pela Europa. Nesse período existiam as chamadas “Urnas da Fortuna”, que consistiam em caixas de madeira colocadas em estabelecimentos comerciais, cheias de bilhetes dobrados onde estavam escritos os nomes de produtos comercializados no local. O cliente retirava um bilhete e recebia seu prêmio. Com as viagens marítimas os jogos e os sorteios chegariam a novos continentes.

Na época da antiga Roma, apareceram os primeiros dados, e os jogos de cartas surgiram no século IX na China, aparecendo apenas alguns séculos mais tarde na Europa. Como Senhor pode ver, os jogos de sorte e de azar quase que segue a história civilizacional do Homem.

O curioso é que na história do jogo existem fortes vínculos com a Igreja Católica, como que o bingo nasceu na Igreja, que a roleta foi inventada por um padre e que o Banco do Vaticano já foi detentor de 8% dos Casinos Áustria e que é atualmente acionista dos transatlânticos Alínea C, que têm cassinos em suas instalações.

O Brasil tem que amadurecer e enfrentar a questão do jogo de forma pragmática, sem o envolvimento de questões de ordem moral ou religiosa.

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