Por que as acusações de John Textor não ganham apoio e são malvistas no meio do combate à manipulação

Apostas I 15.04.24

Por: Magno José

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Análise comportamental, metodologia usada por empresa contratada por John Textor, é considerada subjetiva por agentes de integridade e autoridades

A denúncia de manipulação feita por John Textor é um elefante na sala do futebol brasileiro. O tema é caro ao país, que tem frescas as lembranças do esquema exposto pelo Ministério Público de Goiás no ano passado. E a acusação é feita pelo dono da SAF de um dos clubes mais tradicionais do país. Portanto, não há como ignorar. Só que as bases são tão frágeis que deixam as autoridades numa situação difícil. E, nos bastidores, são vistas com incredulidade por quem trabalha há anos no combate ao problema. “Dentro do meio, estão rindo”, relata um especialista em integridade no esporte que atua neste mercado e não quis ser identificado, revela reportagem do O Globo deste domingo.

Na denúncia feita em seu site, o dono do Botafogo citou dois confrontos do Palmeiras pelo Brasileiro: um com o Fortaleza, em 2022, e outro com o São Paulo, em 2023. Em ambos, o adversário teria entregado o resultado para o alviverde. Sua principal sustentação são relatórios e vídeos da empresa francesa Good Game!, contratada por ele para monitorar partidas. A Federação do Rio (Ferj) também encomendou o serviço em jogos do Carioca deste ano. O problema é a metodologia utilizada.

A maioria das agências acompanha as apostas. Para isso, têm acesso a sistemas que as permitem monitorar tanto o mercado legal quanto o ilegal. A leitura é feita por inteligência artificial, que gera uma espécie de alerta amarelo sempre que movimentações atípicas são detectadas.

A partir daí, o trabalho passa para os humanos, que vão investigar possíveis fatores. E eles são muitos. Vão desde a divulgação da notícia de que um time atuará com reservas, ou de que o craque de uma das equipes se lesionou, até a previsão de chuva na hora da partida (o que frustra os planos de quem apostou em muitos gols). Caso nada seja encontrado, aí sim o alerta vermelho é emitido.

O método da Good Game! vai na contramão. Com uma tecnologia desenvolvida pelo ex-atleta Pierre Sallet, o foco está no comportamento dos jogadores. Um software é capaz, segundo a empresa, de diferenciar erros normais de propositais através da análise de movimentos, giro do corpo, proximidade da bola, entre outros fatores.

A lógica é que nem toda manipulação envolve interesse financeiro (podem visar resultado esportivo), mas todas precisam de alguém que erre ou deixe de fazer algo intencionalmente. Portanto, monitorar o comportamento dos envolvidos na partida seria mais eficiente que a movimentação das apostas.

— Processos de investigação recomendados por ONU, Comitê Olímpico Internacional, Fifa e Interpol estão um pouco distantes deste tipo de análise. A gente trabalha com outras avaliações — explica Paulo Schmitt, consultor de integridade e coordenador da divisão de prevenção à manipulação do Comitê Olímpico do Brasil e presidente do comitê de integridade da Federação Paulista de Futebol.

— Quase 99% dos problemas relacionados a fraudes têm relação direta com propósitos financeiros. O cruzamento com o mercado de apostas é quase uma obrigação ao se fazer análise.

De acordo com especialistas ouvidos pelo GLOBO, a vinculação com as apostas aponta com maior precisão que partidas merecem ser observadas com lupa. Já ao mirar diretamente no comportamento, a investigação esbarra na subjetividade.

Erros na tomada de decisão e falhas fazem parte do comportamento humano. Além disso, equipes podem se desestabilizar com um gol ou uma expulsão. Isso sem contar que os atletas sempre estão sujeitos a influências externas, como problemas familiares. Como diferenciar tudo isso da intenção de fraudar? A Good Game! diz que seus algorítimos são capazes.

Para o STJD, isso não basta. Amanhã, o órgão julgará Textor por não ter entregado provas das acusações.

— Acredito que única e exclusivamente o relatório, para poder se buscar uma denúncia ou uma culpabilidade, não (é suficiente) — afirmou o vice-presidente do STJD Felipe Bevilacqua ao site ge.

Normalmente, o sistema usado pelas agências tradicionais é checado no meio científico. O da Sportradar, que atende Fifa, Uefa, Conmebol e CBF, foi validado na Universidade de Liverpool. Em audiência na comissão de esportes do Senado, mês passado, para falar sobre manipulação, Pierre Sallet e Thierry Hassanaly, CEO da Good Game!, afirmaram não haver muitos estudos em torno da análise comportamental utilizada pela empresa.

Nesta mesma audiência, após apresentação em vídeo sobre o software da Good Game!, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) exibiu a falha grotesca de Andreas Pereira, na final da Libertadores-21, que decidiu o título para o Palmeiras contra o Flamengo. Ele perguntou se era possível avaliar o lance e alertou para o perigo de a análise comportamental gerar mais suposições que comprovações. Os franceses disseram não trabalhar com uma cena de cinco segundos.

A Good Game! não revela muitas informações sobre si. Alegando sigilo, não divulga quem são seus clientes. O GLOBO tentou contato com Hassanaly, mas não obteve uma resposta.

Mesmo para o mercado, a empresa é vista como desconhecida. Nos últimos dias 4 e 5, a Fifa promoveu em Singapura seu primeiro Congresso de Integridade. Representantes das principais agências apareceram, mas os franceses não foram vistos.

O relatório das agências tradicionais não aponta nenhuma movimentação de apostas atípica nos jogos citados por Textor. Tampouco erros em campo considerados suspeitos.

A Polícia Civil do Rio abriu procedimento para investigar as acusações do americano. Na última sexta, ele entregou o relatório e os vídeos que considera como prova. É a esperança do futebol brasileiro de tirar o elefante da sala.

 

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