Regulação das apostas online no Brasil (parte 3): a importância e os elementos para uma política regulatória

Apostas, Opinião I 08.02.24

Por: Magno José

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Fabiano Jantalia*

Nesta semana, o Portal BNLData publica uma série de artigos sobre o processo de construção da regulação das apostas online no Brasil, iniciado com a aprovação da Lei nº 14.790, de 30 de dezembro de 2023. O primeiro artigo trouxe algumas reflexões para a devida organização e sequenciamento desse processo, concluindo que o primeiro passo a ser dado é a construção. Já o segundo artigo apresentou o conceito de sistema regulatório, listou seus pilares e indicou quais devem ser os próximos passos a serem dados.

No terceiro artigo desta série, o objetivo é explicar o que é uma política regulatória, por que precisamos dela, e, ainda, trazer algumas sugestões para a construção de uma política específica para o setor de apostas online no Brasil.

O que é uma política regulatória?

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a política regulatória é o processo pelo qual o governo identifica os objetivos de interesse público buscados para economia (ou para determinado segmento dela, no caso de política apenas setorial) e produz as normas regulatórias a partir de decisões baseadas em evidências.[1]

Em documento oficial, a Secretaria de Acompanhamento Econômico, do atual Ministério da Fazenda, afirma que a política regulatória “refere-se aos compromissos e prioridades assumidos pelo País com o intuito de se obter uma regulação de qualidade, em prol do interesse público”.[2] Do mesmo documento, extrai-se a lição de que essa política “deve ter objetivos claros e estruturas para sua implementação que assegurem que os benefícios econômicos, sociais e ambientais justifiquem os custos de uma eventual regulação, bem como que os efeitos distributivos sejam considerados e que os benefícios líquidos maximizados”.[3]

Em resumo, pode-se afirmar, então, que a política regulatória consubstancia a declaração dos objetivos buscados pela regulação e dos princípios que devem orientá-la.

Por que precisamos elaborar e divulgar uma política regulatória?

No primeiro artigo desta série, já se demonstrou que regulação é um instituto que transcende a pura e simples edição de normas; e que seu verdadeiro objetivo é influenciar ou estabelecer o comportamento dos agentes de determinado mercado para que ele funcione de forma eficiente e segura, obedecidos os objetivos de interesse público.

É precisamente aqui que se revela a importância da política regulatória: é por meio dela que se definem os objetivos (ou seja, aonde se quer chegar) e os princípios (isto é, como será direcionada ou orientada a persecução dos objetivos) da regulação daquele mercado. Trata-se, portanto, de uma grande bússola que orientará o dia a dia do regulador.

Mas não basta elaborar a política, é preciso dar a ela a devida publicidade. Isso é necessário para que os agentes do mercado e a própria sociedade tenham clareza do que o Estado pretende, como também para servir de parâmetro ou paradigma para a participação e o controle social da regulação.

Objetivos legais implícitos e política regulatória de apostas online no Brasil

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a elaboração de uma política regulatória de apostas online não é algo puramente teórico ou filosófico. Muito pelo contrário: a política tem grande sentido e utilidade prática.

Formalmente, a Lei nº 14.790, de 2023, não declinou os objetivos a serem buscados pela intervenção estatal no mercado de apostas online. Ou seja, não há dispositivos específicos na citada lei que indiquem os objetivos explícitos.[4] Mas isso não significa que o tema tenha passado ao largo do legislador. Recorrendo à literatura especializada e à experiência internacional da indústria de jogos e apostas, é possível vislumbrar na lei brasileira alguns objetivos implícitos, que devem ser considerados na elaboração da política regulatória a ser concebida pelo Poder Executivo.

O primeiro objetivo que se pode extrair da Lei nº 14.790, de 2023, é assegurar a livre concorrência do mercado. Isso fica evidente a partir dos arts. 4º (que estabelece claramente que “as apostas de quota fixa serão exploradas em ambiente concorrencial”) e 9º (que prevê que a autorização para a exploração de apostas de quota fixa poderá ser requerida “a qualquer tempo pela pessoa jurídica interessada”).

O segundo objetivo que se pode inferir do contexto da citada lei é o de evitar o uso do mercado de apostas para a prática de crimes. Isso fica especialmente claro a partir da leitura dos arts. 7º (que trata dos requisitos à entrada dos operadores no mercado), 8º (que trata da prevenção à lavagem de dinheiro – PLD e da prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes), 19 (que trata de integridade das apostas) e 25 (que dispõe sobre os mecanismos de PLD).

Já o terceiro objetivo é proteger os apostadores contra práticas antiéticas ou destoantes da boa-fé. Ele pode ser inferido sobretudo dos arts. 16 e 17 (publicidade e propaganda), 28 (orientação e atendimento aos apostadores) e 29 (condutas vedadas na oferta de apostas).

O quarto objetivo é proteger os vulneráveis contra os transtornos de jogo patológico e o superendividamento. Entre outros, é possível apontar como evidência da adoção implícita desse objetivo o art. 8º, inciso III (jogo responsável), o art. 16, parágrafo único (desestímulo ao jogo e advertência sobre seus malefícios) e o art. 23, em seu §3º (dever de monitoramento da atividade do apostador para identificar danos potenciais associados ao jogo) e no §4º (limitação de tempo de uso da plataforma de apostas pelo usuário).

O quinto objetivo é propiciar a arrecadação de receitas, tanto para o Estado, quanto para alguns destinatários ou causas específicas. Ele pode ser inferido sobretudo a partir dos arts. 12 e 13 (contraprestação de outorga) e 51 (na parte em que altera o §1º-A do art. 30, da Lei nº 13.756, de 2018, que trata dos destinatários do produto da arrecadação da loteria de aposta de quota fixa).

Por fim, também é possível extrair da Lei nº 14.790, de 2023, um sexto objetivo: estimular a geração de emprego e renda e o desenvolvimento da economia nacional. Isso se pode retirar, por exemplo, do art. 7º, caput (exigência de que os operadores sejam constituídos sob as leis brasileiras e tenham sede de administração no País) e §1º, inciso IX (que trata da questionável exigência de sócio brasileiro detentor de ao menos 20% do capital social da pessoa jurídica).

Conclusão: a política regulatória e sua implementação

Diante do exposto, vê-se que, cotejando a Lei nº 14.790, de 2023, com a literatura e a experiência internacional, é possível extrair um conjunto de objetivos implícitos definidos pelo legislador. Esses objetivos, por certo, não podem ser negligenciados pelo Poder Executivo.

O que se espera, portanto, é que, no exercício de suas atribuições legais específicas relativas ao mercado de apostas, o Poder Executivo não apenas formalize sua política regulatória – erigida sobre esses objetivos e complementada com a declinação de um rol de princípios e diretrizes voltado para a sua consecução – como também se abstenha de praticar atos ou editar normas que conflitem ou possam comprometer sua efetividade.

Surge, então, uma nova pergunta: depois de formalizada, como essa política deve ser implementada? É sobre esse assunto que o quarto e último artigo dessa série tratará.

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[1] OCDE. Recommendation of the Council on Regulatory Policy and Governance. Disponível em: https://web-archive.oecd.org/2012-12-05/86392-49990817.pdf. Acesso em: 1 fev. 2024.

[2] BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Plano Nacional de Política Regulatória. Brasília, DF, 2012, p. 10. Disponível em: https://www.gov.br/mdic/pt-br/acesso-a-informacao/reg/plano-nacional-de-politica-regulatoria/plano-nacional-de-politica-regulatoria_21122022.pdf. Acesso em: 1 fev. 2024.

[3] Idem, p. 11.

[4] Nesse ponto, a Lei nº 14.790, de 2023, adotou técnica diferente daquela que orientou o Projeto de Lei nº 442, de 1991, aprovado na Câmara dos Deputados em 2022 e ainda aguardando apreciação do Senado Federal. No art. 4º do citado PL, são declinadas nada menos do que sete finalidades e diretrizes que devem pautar a “intervenção do poder público na atividade econômica de jogos e apostas”.

(*) Fabiano Jantalia é sócio-fundador de Jantalia Advogados. Doutor e Mestre em Direito (UnB). MBA em Finanças (FGV). Advogado especialista em Direito Econômico e Direito de Jogos e Apostas.

‘Regulação das apostas online no Brasil’ (parte 1): por onde começar?

Regulação das apostas online no Brasil (parte 2): contribuições para a concepção de nosso sistema regulatório

 

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