Regulação das apostas online no Brasil (parte 4): a importância de se construir uma agenda regulatória
Nesta semana, o Portal BNLData publica uma série de artigos sobre o processo de construção da regulação das apostas online no Brasil, iniciado com a aprovação da Lei nº 14.790, de 30 de dezembro de 2023. O primeiro artigo tratou dos aspectos a serem considerados para a organização e o sequenciamento desse processo, concluindo que o primeiro passo a ser dado é a construção de um sistema regulatório. Já o segundo artigo abordou o conceito de sistema regulatório, listou seus pilares e concluiu que sua concepção requer a construção de uma política regulatória. Em seguida, o terceiro artigo explicou o que é uma política regulatória, porque ela precisa ser elaborada e divulgada e, ainda, identificou na lei alguns objetivos implícitos que precisam ser considerados nos atos do regulador e supervisor brasileiro.
Neste quarto e último artigo de série, o que se busca é mostrar como conceber a estratégia para implementar essa política, ou seja, como passar da teoria à prática. Para tanto, será apresentado o conceito de agenda regulatória e demonstrado como a experiência nacional e internacional vem utilizando essa importante ferramenta.
O que é uma agenda regulatória?
Se a política regulatória, como já explicado em artigo anterior, consiste na declaração dos objetivos buscados pela regulação e dos princípios que devem orientar a ação pública nesse âmbito, a agenda regulatória é o documento que estabelece como, onde e quando o órgão ou ente regulador deve atuar para implementar os objetivos de interesse público previamente definidos na política.
A partir da Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019, a agenda regulatória passou a ser instrumento obrigatório para as agências reguladoras federais. De acordo com o art. 17 da citada lei, toda agência reguladora deverá elaborar, para cada período quadrienal, um plano estratégico que conterá os objetivos, as metas e os resultados estratégicos esperados das ações da agência reguladora relativos a sua gestão e a suas competências regulatórias, fiscalizatórias e normativas, bem como a indicação dos fatores externos alheios ao controle da agência que poderão afetar significativamente o cumprimento do plano.
No art. 21, a lei estabelece que a agenda regulatória consiste em “instrumento de planejamento da atividade normativa que conterá o conjunto dos temas prioritários a serem regulamentados pela agência durante sua vigência”, e que essa agenda deve ser alinhada com os objetivos definidos no plano estratégico.
É certo que não temos (ao menos ainda) uma agência reguladora para o setor de jogos e apostas – e, por isso, essa exigência legal não se aplicaria, a princípio, à vindoura Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda. Mas seria no mínimo imprudente desconsiderar um instrumento tão relevante de planejamento como a agenda, ainda mais na decolagem da regulação de um setor tão grande e complexo.
Por que precisamos de uma agenda regulatória?
Tecnicamente, a agenda é um instrumento de planejamento da atividade regulatória que serve a um propósito bem específico: apontar, para o mercado regulado e para a sociedade em geral, os temas que serão enfrentados em determinado período de tempo pelo regulador, bem como os instrumentos que serão manejados para isso. O que se busca com a agenda, na prática, é dar transparência e previsibilidade à ação reguladora.
A transparência é importante porque permite que os agentes do mercado e a sociedade possam exercer algum tipo de controle social sobre a adequação de meios e fins pelo regulador. E a previsibilidade é importante porque confere maior estabilidade e segurança jurídica ao mercado regulado, evitando que os agentes econômicos sejam surpreendidos com espasmos regulatórios, isto é, súbitos (e, por vezes, insólitos) atos de voluntarismo ou populismo do poder público.
No caso específico do mercado brasileiro de apostas online, é possível apontar pelo menos três fatores que tornam a divulgação dessa agenda ainda mais relevante e urgente: a complexidade técnica da atividade, a repercussão econômica da regulação e a pouca (ou nenhuma) experiência regulatória brasileira no tema.
A complexidade técnica é um fator relevante porque a indústria de jogos e apostas tem diversas especificidades que precisam ser enfrentadas. Uma casa de apostas não é uma padaria ou comércio qualquer. Ela é, na verdade, um grande complexo de relações jurídicas, econômicas, financeiras e tecnológicas que precisam ser muito bem articuladas para que funcione de forma minimamente segura e eficiente. Portanto, não é algo que se possa criar da noite para o dia. É preciso preparo, organização e muito compliance.
Com a complexidade técnica vem a repercussão econômica da regulação. Isso porque a atuação do regulador e o conteúdo das normas por ele produzidas gerarão efeitos imediatos sobre a disposição dos agentes do mercado. Ao mesmo tempo em que conforma os custos da operação (aí incluídos, especialmente, os custos de vigilância), a ação do regulador influencia no potencial de arrecadação das receitas tributárias – o que, no caso do quadro fiscal no Brasil, é especialmente relevante nesse momento. Sob esse prisma, publicar uma agenda do setor de apostas online pode ajudar os candidatos a operadores a se prepararem melhor, o que aumenta o potencial de seu engajamento no novo mercado e, por outro lado, evita a frustração de expectativas fiscais.
Esses dois fatores, contudo, têm sua relevância multiplicada se combinados ao terceiro: a pouca (ou nenhuma) experiência regulatória brasileira no tema. Fato é que a ausência de paradigmas de atuação do estado brasileiro na indústria de jogos e apostas potencializa a apreensão dos candidatos a operar no Brasil, uma vez que, como nunca se regulou apostas por aqui, até mesmo os operadores internacionais mais experientes e pujantes ficam sem qualquer referência para saber o que virá. Logo, mais do que relevante, a divulgação de uma agenda regulatória nesse segmento de mercado é urgente, porque dá maior clareza de como e quando se quer chegar com as apostas online no Brasil.
Como construir essa agenda: a experiência nacional e internacional
Uma vez justificada a relevância e a urgência de divulgação da agenda regulatória, o desafio que se apresenta é como construir essa agenda. O ponto de partida, como já se viu no terceiro artigo dessa série, é a aprovação de uma política regulatória, com a declinação dos objetivos de interesse público a serem alcançados. A partir daí, o que se precisa é estruturar essa agenda. Para isso, não é necessário reinventar a roda, nem elaborar nenhum grande catálogo acadêmico. Basta recorrer a alguns paradigmas nacionais e internacionais em busca de inspiração.
No Brasil, alguns exemplos interessantes de agendas aprovadas pelas agências reguladoras são os da Anatel, da Aneel e da Anvisa. Outras referências interessantes fora do eixo das agências reguladoras são as da ANPD e da CVM.
No exterior também é possível encontrar boas referências que poderiam ajudar na construção da agenda regulatória – principalmente na indústria de jogos e apostas. Um exemplo interessante e recente é o da Gambling Comission, do Reino Unido.
Da análise de todos esses documentos, pode-se apontar cinco componentes centrais: a identificação dos temas regulatórios específicos, com sua breve descrição; a indicação do instrumento que será criado ou adotado para o enfrentamento do tema (ex: edição de portaria ou criação de sistema); a identificação dos responsáveis internos; e a indicação do prazo ou cronograma de ação. A elaboração da agenda regulatória, portanto, não é tarefa tão complexa. É preciso apenas método, técnica para produzi-la.
Conclusão: por uma trajetória clara e planejada da regulação
À luz de tudo o que apresentou, chega-se à conclusão de que a elaboração e divulgação de uma agenda regulatória é um passo importante (e prévio) a ser dado pela recém-criada Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda. Mais do que um tecnicismo, a agenda é um relevantíssimo instrumento de planejamento que, na linha do que já se expôs, permitirá que a marcha da regulação do mercado de apostas online seja mais clara para todas as partes interessadas.
Com essa medida, a novel Secretaria, além de construir o sistema regulatório brasileiro de maneira mais organizada e consistente, dará maior previsibilidade e estabilidade ao funcionamento desse importante mercado, o que, por certo, em muito contribuirá para que os candidatos a operadores possam melhor compreender e se preparar para o que está por vir.
Esse foi o último artigo dessa série, que teve por objetivo abordar o processo de elaboração de um arcabouço regulatório para o novo, complexo e importantíssimo mercado de apostas online brasileiro, observando as mais modernas técnicas e proporcionando as necessárias segurança jurídica e previsibilidade ao setor e à sociedade. Ficam aqui o agradecimento, ao Portal BNLData, pela oportunidade e a expectativa de que as contribuições publicadas ao longo da semana tenham sido úteis ao leitor e ao mercado.
(*) Fabiano Jantalia é sócio-fundador de Jantalia Advogados. Doutor e Mestre em Direito (UnB). MBA em Finanças (FGV). Advogado especialista em Direito Econômico e Direito de Jogos e Apostas.
‘Regulação das apostas online no Brasil’ (parte 1): por onde começar?