Caixa tenta contratar serviços e produção de bilhetes da Lotex sem concorrência e justiça suspende o processo
O ponto de partida desta reportagem foi a publicação no Diário Oficial da União – DOU da autorização do presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Vieira para que a Diretora-Presidente, Lucíola Aor Vasconcelos e a Diretora Executiva da CAIXA Loterias S/A, Maria Thereza da Silva Moreira Assunção, além do Superintendente Nacional de Loterias da Caixa Econômica Federal participassem de visita técnica às fábricas do consórcio para fornecimento de bilhetes da Loteria Instantânea Exclusiva – LOTEX, nas cidades de Pequim e Shenzhen, na China, no período de 23 de maio a 1º de junho.
O consórcio a que se refere a publicação do DOU é formado pelas operadoras chinesas Genlot Game Technology e a BZP- Beijing Zhongcai Printing Co. (joint venture chinês-francês entre China Welfare Lottery , France Des Jeux da França e Berjaya da Malásia).
Normalmente, as visitas técnicas a instalações de um fornecedor acontecem após o resultado de uma licitação ou concorrência e neste caso, a empresa chinesa está quase contratada pela Caixa. Quase, porque o juiz da 14ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Distrito Federal, Waldemar Claudio de Carvalho concedeu liminar em Mandado de Segurança apresentado por um consórcio prejudicado e suspendeu o processo de contratação sem concorrência.
O BNLData teve acesso as informações da ação no dia 22 de maio, mas a Caixa pediu reconsideração da liminar e a decretação de segredo de Justiça, o juiz indeferiu a reconsideração, mas decretou o segredo de Justiça. Neste caso, a reportagem se limitará em registrar a estratégia da Caixa para contratar potenciais interessados em fornecer produtos e serviços para a operação da Lotex sem pregão, concorrência ou leilão.
O processo de contratação
Ao invés de respeitar a legislação vigente com a publicação de edital aberto ao público, com procedimento competitivo, Caixa enviou para um grupo restrito de fornecedores de bilhetes de loteria instantânea e serviços um ‘termo de referência’ convidando-os a manifestar formalmente sobre o interesse em participar de futuro processo competitivo, mediante a assinatura de acordo de confidencialidade com o banco.
O ‘termo de referência’ tinha inconsistências que davam margem de interpretações quanto aos requisitos de habilitação e qualificação dos proponentes, em especial aqueles destinados a participantes estrangeiros, consórcios e sociedades de propósito específico.
Objeto com subcontratação
Uma das distorções é que a Portaria MF nº 1.646/2023 autorizou a exploração em caráter transitório da Lotex diretamente pela Caixa, mas no ‘termo de referência’ informava que a empresa contratada realizaria praticamente todos os serviços que deveriam ser realizados pelo banco, o que contraria as prestações de serviço de forma direta.
O objeto prevê a subcontratação de prestação de serviços para comercialização de bilhetes físicos (especificações, produção, armazenamento, distribuição e recolhimento); bilhetes digitais (especificações, produção e comercialização de bilhetes digitais em portal/aplicativo online/real-time); carteira eletrônica do apostador (cadastro e comercialização de bilhetes virtuais); solução para pagamento de prêmios com respectivos recolhimentos de impostos, em meio físico e digital; solução tecnológica de execução da Lotex, incluindo informações online e real-time e geração de relatórios; interface de dados para integração das informações de vendas e pagamento de prêmios; atendimento aos pontos de venda de loterias para pedido de bilhetes por via virtual ou telefônica; e prestação de contas.
Critérios de qualidade diferente da maioria das loterias
Outro problema identificado no ‘termo de referência’ é com relação a exigência de critério de qualidade superior à prática de mercado. A Caixa exige que os dados variáveis deverão ser impressos randomicamente de forma legível, por sistema computadorizado, com definição mínima de 300 x 300 ppp (pontos por polegada, em inglês ‘DPI’ – dots per inch). Esse critério é considerado estranho já que as três principais fabricantes de bilhetes instantâneos certificados pela World Lottery Association – WLA oferece uma resolução de 240×240 dpi e mais de 95% das maiores loterias mundiais exigem dados variáveis impressos com a mesma resolução.
Plano de premiação
A maior inconsistência do ‘termo de referência’ está na definição do plano de premiação, que usa o conceito estabelecido para a Loteria Federal para aplicação na modalidade de loteria instantânea.
Apesar da Portaria MF nº 1.646/2023 prever que os planos de emissão e distribuição da Lotex em meio físico deverão observar sistemática análoga à utilizada na exploração da Loteria Federal quanto à definição, em cada série, do preço de plano do bilhete e do valor máximo, por bilhete, a ser cobrado do apostador, a proposta da Caixa exclui da arrecadação da Lotex as despesas com comissão da rede lotérica da própria Caixa, que deveriam estar incluídas em seu percentual de remuneração de 18,3%. Além disso, pode gerar uma destinação a menor para todas as outras entidades que recebem percentuais como previsto na lei 13.756/18: como a seguridade social; o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP); o Ministério do Esporte; o Fundo Nacional de Cultura (FNC); as organizações de prática esportiva da modalidade futebol; e, obviamente, os apostadores em razão da destinação do prêmio.
Ou seja, a Caixa sugere modificar os dispositivos da lei 13.756/18 através de ‘termo de referência’ e comprometer os repasses para os beneficiários legais.
Infelizmente, o BNLData não pode divulgar os detalhes pelo fato do processo de ‘contração integrada’ estar sob segredo de Justiça, mas a suspensão para contratação de parceiro privado para a execução da Loteria Instantânea Exclusiva – Lotex está suspensa para preservar o interesse público e os princípios constitucionais da legalidade, moralidade e publicidade.