Cardeal-arcebispo de São Paulo defende que jogo continue na ilegalidade

Destaque I 10.03.24

Por: Magno José

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Cardeal-arcebispo de São Paulo defende que jogo continue na ilegalidade
Nada impede que o Cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Odilo P. Scherer desestimule a prática do jogo entre os seus fiéis, mas é absurda a distância entre o aconselhamento moral e religioso e a proibição legal de determinada atividade

Em artigo veiculado no Estadão deste sábado (9), o Cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Odilo P. Scherer defende que os jogos continuem na ilegalidade no Brasil.

O religioso comenta que um dos argumentos pela aprovação do PL 442/91 é contribuir para o cumprimento das metas de arrecadação do governo. Também cita que os defensores invocam o respeito à liberdade individual e que o Estado não deveria proibir essa prática, deixando ao cidadão a liberdade de escolha sobre o que deseja fazer ou deixar de fazer e opina que a prática pode levar a “uma paixão compulsiva e a uma dependência extremamente maléficas pelo jogo”.

Sob a ótica do Cardeal, parece que o brasileiro vai começar a apostar depois da aprovação de projeto de lei legalizando a atividade e ignora que o Brasil tem a maior oferta de jogos não regulamentados do mundo.

Na verdade, o religioso deveria entender que a legalização seria melhor para proteção do cidadão dos efeitos nocivos do jogo clandestino.

A ‘indústria da proibição’ é uma atividade muito lucrativa e é preocupante que entidades, evangélicos, católicos liderem o lobby para manter esta atividade na clandestinidade. Apesar de termos um Estado laico, uma das principais considerações é que a “legalização de mais esta espécie de entorpecente psicológico e moral, capaz de fazer vítimas e causar danos e sofrimentos” como se não houvesse jogo no Brasil.

O religioso manifesta preocupação com o comportamento compulsivo e a necessidade de tratamento para esses apostadores, mas se esquece de mencionar que a ausência de uma legislação impede a criação de políticas públicas para o tratamento das externalidades negativas provocadas pelas apostas.

Nada impede, por óbvio, que Cardeal-arcebispo de São Paulo desestimule a prática do jogo entre os seus fiéis, ou que condicione tal prática ao cumprimento de todas as virtudes cristãs, como o pagamento do dízimo, por exemplo. A distância, contudo, entre o aconselhamento moral e religioso e a proibição legal de determinada atividade é enorme, e é importante que todos os envolvidos tenham consciência dela.

Não existe em nenhum país do mundo, experiência de sucesso, do ponto de vista social, econômico e da segurança pública, entre aqueles que optaram pela proibição do jogo ou simples afastamento do Estado no controle desta atividade.

O verdadeiro desafio do Legislativo é a criação e o estabelecimento de leis e regulamentos, que permitam aos cidadãos exercerem seu desejo de jogar sob os olhos atentos de regras claramente definidas pelo Estado e sua efetiva aplicação.

Os benefícios positivos do jogo legal superam em muito as desvantagens propostas por qualquer pessoa ou grupo contra o jogo. O jogo ilegal é, claramente, um passatempo mais prejudicial do que o jogo legal.

Como católico, batizado, evangelizado para primeira eucaristia e crismado, espero que Dom Odilo P. Scherer receba as reflexões do editor do BNLData com a mesma sabedoria que as recebemos do Senhor.

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Uma aposta perigosa

Não se torna boa, mediante a legalização, uma prática ilegal, ilícita e maléfica como os jogos de azar, que gera graves danos e sofrimentos humanos

No Congresso Nacional tramita há mais de 30 anos o Projeto de Lei (PL) 442/1991, sobre a legalização dos jogos de azar. Depois de várias tentativas frustradas de aprovação, o PL 442/91 foi novamente retomado com força total e já passou pela Câmara dos Deputados, esperando ser apreciado e votado no Senado.

Ao que tudo indica, além da pressão de grupos interessados na legalização dos jogos de azar no Brasil, desta vez a busca de arrecadação para o erário poderia levar vento favorável aos militantes da causa. De fato, um dos argumentos invocados é de que a aprovação do PL 442/91 poderia contribuir para o cumprimento das metas de arrecadação do governo.

Qual seria o problema e que mal haveria na legalização dos jogos de azar? Alguns invocam o respeito à liberdade individual e que o Estado não deveria proibir essa prática, deixando ao cidadão a liberdade de escolha sobre o que deseja fazer ou deixar de fazer. Desconsidera, porém, esse argumento que a prática da jogatina leva, muitas vezes, a uma paixão compulsiva e a uma dependência extremamente maléficas pelo jogo. A ludopatia, ou doença do jogo, é difícil de ser tratada e seu desfecho, depois de ocasionar muito sofrimento também para terceiros, leva à frustração econômica e social e, não raro, ao suicídio.

Argumenta-se, também, que outros países, onde o jogo é legal, tiram vantagens turísticas dessa prática. E logo se pensa em Las Vegas, Monte Carlo e outros paraísos da jogatina. Seria essa uma aposta promissora para o Brasil? Parece pouco provável, pois o fluxo turístico significativo não transita por cassinos e locais de jogos de azar, mas atrai muito mais quem mora perto. Sem esquecer que há muitos outros pontos de interesse para o turismo de massa. Não falta ao Brasil um potencial turístico maravilhoso, sem precisar de jogos de azar.

Por que motivo não legalizar os jogos de azar, uma vez que eles acontecem igualmente, de modo clandestino, sem que haja benefícios tributários? Em resposta, cabe uma nova pergunta: quem assegura que, quando os jogos de azar forem legalizados, as contravenções, os jogos clandestinos e a lavagem de dinheiro serão debelados de maneira eficaz? É sabido que o submundo dos jogos de azar é dominado por fortes grupos ilegais que, certamente, relutarão para renunciar a tão promissores campos de ganho fácil. De maneira semelhante, a legalização do comércio do cigarro não debelou o seu comércio clandestino no Brasil.

Pareceria razoável legalizar os jogos de azar, uma vez que se trata de uma prática irrefreável. Mas, mal comparando, pode-se perguntar se a solução para o desvio de impostos seria a legalização dessa prática. Não se torna boa, mediante a legalização, uma prática ilegal, ilícita e maléfica, que gera graves danos e sofrimentos humanos. Além disso, o custo social, a fiscalização e o controle precisam ser considerados nessa conta. Ao legalizar a jogatina, o Estado deverá controlar seriamente e investir somas enormes em segurança e repressão dos crimes relacionados com os jogos de azar.

Será real a expectativa de que as atividades de jogatina vão trazer novas iniciativas econômicas? Certamente, podem ser gerados empregos e tributos. Mas, em contrapartida, haverá atividades econômicas seriamente ameaçadas e até destruídas pela jogatina. Não faltam histórias de falências econômicas pessoais e empresariais por causa da paixão pelos jogos de azar. Além do mais, o jogo que se pretende legalizar não será uma atividade econômica aberta a novos empreendedores, uma vez que ela já tem donos poderosos.

Não se pode desconsiderar o risco de aumento do crime organizado, da lavagem de dinheiro e dos crimes contra a pessoa. A ludopatia não traz problemas apenas para quem se envolve nessa atividade, mas também para muitas outras pessoas. A legalização da jogatina pode gerar lucros enormes para a própria indústria dos jogos, mas vai socializar imensos custos para a sociedade, que terá de se encarregar dos perdedores, não apenas do seu dinheiro e patrimônio, engolidos pelas tentadoras máquinas de vender ilusões, mas também da saúde mental e da perda do seu lugar social e produtivo. Ninguém tenha ilusões: o Estado e a sociedade serão chamados em causa para pagar a conta de tantos novos desvalidos e perdedores de seus bens e de muito mais.

Honestamente, que vantagem o Brasil e o povo brasileiro teriam com a legalização de mais esta espécie de entorpecente psicológico e moral, capaz de fazer vítimas e causar danos e sofrimentos? Já não bastam os malefícios do consumo desenfreado de entorpecentes, com todo o pacote de males que espalha? A quem interessa a legalização dos jogos de azar e quem espera tirar grandes vantagens com isso? Mesmo com o aceno a algumas possíveis vantagens tributárias, é preciso pesar muito bem as desvantagens que a legalização dessa atividade vai acabar trazendo para o Estado e para a sociedade. Em vez de serem legalizados, os males devem ser prevenidos e debelados.

(*) Dom Odilo P. Scherer é Cardeal-arcebispo de São Paulo e veiculou o texto acima no Estadão.

 

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