Editorial O Globo: Manipulação de resultados põe em xeque credibilidade do futebol
É preocupante a constatação de que o esquema de manipulação de resultados em partidas de futebol para favorecer quadrilhas de apostadores é maior do que se pensava. Investigações do Ministério Público (MP) de Goiás revelaram que, além da Série B, a fraude atinge também a Série A — que reúne a elite dos times brasileiros — e campeonatos regionais de pelo menos cinco estados.
A máfia das apostas começou a ser desarticulada depois de uma denúncia do Vila Nova que deu origem à Operação Penalidade Máxima. A farsa só foi descoberta porque o plano não deu certo e vazou. Em fevereiro deste ano, a Justiça de Goiás aceitou a denúncia do MP contra 14 acusados — oito jogadores da Série B e seis integrantes do núcleo de apostadores.
Na última terça-feira, o MP goiano deflagrou a Operação Penalidade Máxima II, cumprindo 20 mandados de busca e apreensão e três de prisão preventiva em seis estados. As investigações mostraram que a quadrilha aliciava atletas também na Série A, oferecendo-lhes entre R$ 50 mil e R$ 100 mil para que cumprissem ações como forçar punições com cartões amarelos e vermelhos ou cometer pênaltis. Os fraudadores lucravam ao apostar nesses cenários em sites.
Estão sob suspeita pelo menos seis partidas da Série A entre 10 de setembro e 10 de novembro do ano passado, reta final do Brasileirão. Um atleta já confessou ter participado do esquema fraudulento no jogo entre Juventude e Palmeiras.
Cenário previsível diante da multiplicação dos sites de apostas, a manipulação de resultados para favorecer fraudadores desafia federações e clubes no mundo inteiro, apesar das estratégias de vigilância adotadas. A agência de monitoramento contratada pela CBF identificou no ano passado 139 jogos com movimentações atípicas em casas de apostas, 56% acima do anterior. Neste ano, 23 já despertaram suspeita.
A varredura precisa ser feita sistematicamente, de modo a identificar indícios de fraudes, e os casos suspeitos devem ser encaminhados à polícia e ao MP para que sejam investigados. É fundamental adotar fora de campo o mesmo rigor imposto pelos árbitros dentro das quatro linhas. Só a aplicação da lei desencorajará os criminosos, sejam eles empresários, apostadores, aliciadores ou atletas.
Manipular resultados é fato grave. Não afeta apenas o jogo sob suspeita, mas todo o torneio, uma vez que a fraude pode ter reflexo na pontuação e, consequentemente, na classificação do campeonato. Em competições acirradas, como as Séries A e B do Brasileirão, qualquer ponto perdido pode selar o destino de um clube.
Num momento em que as apostas proliferam, federações, clubes, atletas, empresas e todos os envolvidos com o universo do futebol estão diante de um problema que precisa ser enfrentado. Não se pode compactuar com nenhuma fraude. Não apenas porque times podem ser prejudicados, mas porque o torcedor, que paga pelo espetáculo, não merece ser ludibriado. A credibilidade do futebol está em jogo. (Editorial O Globo)