Espírito Santo solicita entrada como amicus curiae em ação sobre loterias municipais

Mais um estado solicita ao Supremo Tribunal Federal (STF) participação como amicus curiae na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1212. O Estado do Espírito Santo protocolou um pedido formal para atuar como amicus curiae na ação que questiona a constitucionalidade da exploração de serviços lotéricos por municípios brasileiros. O documento foi apresentado pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE-ES) nessa segunda-feira (6) ao Supremo Tribunal Federal.
O Espírito Santo possui legislação própria sobre exploração de loterias, instituída pela Lei Complementar Estadual nº 1.069, de dezembro de 2023. A norma autoriza a criação da Loteria do Estado do Espírito Santo, operada por uma subsidiária do Banco do Estado do Espírito Santo (BANESTES).
A lei estadual estabelece: “Art. 1º O serviço público de loteria do Estado do Espírito Santo, Criado pela Lei nº 1.928, de 2 de janeiro de 1964, será operado e explorado exclusivamente por meio de subsidiária do Banco do Estado do Espírito Santo – BANESTES, abrangendo as mesmas modalidades lotéricas que tenham sido legalizadas pela União, que poderá constituir ou participar de outras sociedades, conforme as modalidades de atuação previstas pela Lei Federal nº 13.303, de 30 de junho de 2016, e nos termos da Lei nº 11.617, de 19 de maio de 2022.”
A legislação capixaba determina que até 12% do total arrecadado com a exploração lotérica será destinado aos cofres estaduais. Esses recursos serão aplicados em programas nas áreas de cultura, esportes, lazer, assistência social e turismo, conforme regulamentação a ser estabelecida por decreto.
O instituto do amicus curiae visa “o aperfeiçoamento da decisão judicial, subsidiando o magistrado e o processo com argumentos e considerações mais profundas, para a adequada definição do litígio”. A Lei nº 9.868/99, aplicável às ADPFs, prevê que “O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”.
O Espírito Santo afirma ter representatividade na questão, pois a controvérsia envolve tema de sua competência material já reconhecida pelo STF. Em julgamentos anteriores (ADPFs 492 e 493 e ADI 4.986), a Suprema Corte reconheceu a competência dos estados para exploração de loterias, classificando a atividade como serviço público.
Nessas decisões, o Supremo entendeu que, embora a União tenha competência legislativa para tratar sobre “sistemas de consórcios e sorteios”, os estados possuem competência material para explorar loterias, com base na atribuição residual prevista no artigo 25, §1º, da Constituição Federal.
A Procuradoria do ES destaca que as decisões anteriores do STF não estenderam aos municípios a competência para exploração lotérica. Segundo o estado, as atribuições municipais limitam-se a assuntos de interesse local, não incluindo a exploração de loterias.
Um dos principais argumentos apresentados pelo Espírito Santo é o risco de uma eventual liberação da exploração lotérica para os mais de 5.600 municípios brasileiros. Na avaliação da Procuradoria, isso poderia gerar desordem normativa e descontrole institucional, considerando a ausência de estrutura regulatória adequada no âmbito municipal.
O estado aponta para a pulverização excessiva nos serviços lotéricos e os riscos sociais associados ao vício em jogos de azar. A ampla rede de distribuição desses jogos em nível municipal também é indicada como um obstáculo para a fiscalização efetiva.
A argumentação estadual menciona que a exploração municipal de loterias poderia ferir o princípio federativo e afetar a livre concorrência e a ordem econômica. O pedido aguarda análise do relator da ADPF nº 1.212 no STF, ministro Nunes Marques.
Além do Espírito Santo, as Procuradorias dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rondônia também solicitaram participação como amicus curiae na mesma ação. Os pedidos foram protocolados nos dias 12 e 17 de setembro, respectivamente, com argumentos semelhantes de que apenas a União, Estados e Distrito Federal possuem competência para legislar e explorar esse tipo de atividade.
Santa Catarina instituiu sua própria loteria estadual (LOTESC) por meio da Lei Estadual nº 18.334, de 6 de janeiro de 2022, vinculada à Secretaria de Estado da Fazenda, destinando seus resultados líquidos para ações de combate à pobreza, com prioridade para habitação. No estado, municípios como Balneário Camboriú, Balneário Piçarras, Chapecó, Irani e Nova Itaberaba já criaram loterias próprias, o que, segundo a Procuradoria, compromete a arrecadação e destinação social dos recursos da LOTESC.
O ministro Nunes Marques já autorizou, em 6 de agosto de 2025, a participação de quatro entidades como amicus curiae no mesmo processo: a Associação Nacional das Loterias Municipais e Estaduais (ANALOME), a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), a Confederação Nacional de Serviços (CNS) e o Governo do Estado do Paraná.
A ADPF foi proposta pelo partido Solidariedade, que questiona a constitucionalidade da criação e exploração de loterias por diversos municípios brasileiros. O partido solicita que o STF suspenda e declare inconstitucionais todas as leis e decretos municipais que regulamentam loterias, além de anular procedimentos licitatórios, contratos e licenciamentos relacionados a essas atividades.
Entre as legislações municipais questionadas pelo Solidariedade estão as de São Vicente, Guarulhos, Campinas e São Paulo, no estado de SP; Belo Horizonte (MG); Anápolis e Caldas Novas, em GO; Foz do Iguaçu (PR); Pelotas e Porto Alegre, no RS; Bodó (RN); e Miguel Pereira (RJ). O partido alerta sobre a proliferação de loterias municipais operando irregularmente.
Em março deste ano, o ministro Nunes Marques não deferiu a liminar contra a autonomia municipal para exploração de serviço público de loteria, optando por solicitar informações às autoridades responsáveis pelos atos questionados e determinou manifestação da AGU e parecer da PGR.
A Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo solicita o deferimento do ingresso como amicus curiae na ADPF nº 1.212 e manifesta apoio à procedência do pedido veiculado na arguição.