Fraudes de jogadores em apostas esportivas tem preço: entenda as punições e os riscos legais

Opinião I 08.10.25

Por: Elaine Silva

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Fraudes de jogadores em apostas esportivas tem preço: entenda as punições e os riscos legais
Filipe Augusto Amaral de Rezende *

Sim, a regulamentação das apostas esportivas em âmbito nacional prevê punições civis e criminais para quem infringe as regras estabelecidas, inclusive, por meio de fraude.

O mercado de apostas esportivas no Brasil cresceu rápido e ganhou regras mais claras. Isso abriu boas chances de negócio e diversão — mas também acendeu um alerta: como evitar golpes e jogadas desonestas? Como advogado que acompanha esse tema no dia a dia, minha ideia aqui é explicar, de forma simples, onde estão os riscos e o que acontece quando alguém tenta burlar o sistema.

As casas sérias têm investido pesado em tecnologia e parceria com ligas e autoridades para manter o jogo limpo. Reportagens como a da CNN Brasil [1], mostram que o monitoramento é em tempo real: se surge um padrão estranho — como quase todas as apostas focadas em um único lance ou atleta — os mercados são suspensos na hora e a análise começa. Ferramentas de inteligência artificial ajudam a identificar comportamentos suspeitos e, quando há indícios consistentes, as empresas bloqueiam temporariamente contas e pagamentos até esclarecer tudo. O objetivo é um só: preservar a confiança de quem aposta corretamente e evitar prejuízos causados por fraudes.

O Cenário Regulatório e a Prevenção de Fraudes

A Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023, representa um marco fundamental para o setor, ao estabelecer diretrizes para a exploração das apostas de quota fixa. Um dos pilares dessa regulamentação é a exigência de que as casas de apostas, denominadas agentes operadores, implementem políticas, procedimentos e controles internos robustos para garantir a integridade das apostas e a prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes [2].

O Art. 8º, IV, da referida lei é explícito ao condicionar a autorização e manutenção da operação à adoção dessas medidas.

Art. 8º Sem prejuízo de outros requisitos estabelecidos na regulamentação do Ministério da Fazenda, a expedição e a manutenção da autorização para exploração de apostas de quota fixa serão condicionadas à comprovação, pela pessoa jurídica interessada, da adoção e da implementação de políticas, de procedimentos e de controles internos de:

IV – integridade de apostas e prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes.

Além disso, o Art. 19 reforça a necessidade de mecanismos de segurança e integridade, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) [2].

Art. 19. O agente operador adotará mecanismos de segurança e integridade na realização da loteria de apostas de quota fixa, observado o disposto na regulamentação do Ministério da Fazenda e na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

  • 1º Os eventos esportivos objeto de apostas de quota fixa contarão com ações de mitigação de manipulação de resultados e de corrupção nos eventos reais de temática esportiva, por parte do agente operador, em observância ao disposto no art. 177 da Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte), e na regulamentação editada pelo Ministério da Fazenda.
  • 2º O agente operador integrará organismo nacional ou internacional de monitoramento da integridade esportiva.

Art. 20. São nulas de pleno direito as apostas realizadas com a finalidade de obter ou assegurar vantagens ou ganhos com a manipulação de resultados e a corrupção nos eventos reais de temática esportiva.

Parágrafo único. Podem ser suspensos os pagamentos de prêmios oriundos de apostas investigadas sobre as quais recaia fundada dúvida quanto à manipulação de resultados ou corrupção nos eventos de temática esportiva.

 A Portaria SPA/MF Nº 1.231, de 31 de julho de 2024, complementa a lei, conferindo, assim como a Lei, conforme supramencionado, aos agentes operadores a prerrogativa de restringir temporariamente a retirada de saldo financeiro em casos de indícios suficientes de fraude, assegurando, contudo, o devido processo de apuração, com contraditório e ampla defesa ao apostador [2]. Essa medida é crucial para a proteção do sistema contra ações fraudulentas, como a arbitragem esportiva.

A LGPD (Lei nº 13.709/2018) também desempenha um papel vital, autorizando o tratamento de dados sem consentimento quando indispensável à prevenção à fraude e à segurança do titular (Art. 11, II, “g”) [2]. Isso permite que as casas de apostas verifiquem identidades, cruzem sinais de risco e compartilhem evidências com autoridades competentes, sempre observando os direitos cabíveis.

Implicações Jurídicas das Fraudes

As fraudes em apostas esportivas podem acarretar consequências em diversas esferas do direito brasileiro, atingindo tanto os fraudadores quanto, em certas circunstâncias, as próprias casas de apostas que falham em seus deveres de prevenção.

Investigações públicas e escândalos

Em 2024 o Senado instalou duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) para investigar denúncias de manipulação de resultados e fraudes envolvendo apostas esportivas. A CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, apura denúncias de manipulação no futebol e recebeu depoimentos de um empresário que teria lucrado R$300 milhões com esquemas de manipulação [3]. Outra comissão – a CPI das Bets – foi criada em novembro de 2024 para investigar a relação de casas de apostas com organizações criminosas e o uso de influenciadores para promover apostas.

Essas investigações reforçam a importância de programas de integridade. Representantes do setor entrevistados pela CNN afirmam que as apostas sérias já se comprometeram a relatar apostas anormais e investir em prevenção mesmo antes da regulamentação de 2025.

Esfera Penal: O Crime de Estelionato e Outros Delitos

O Código Penal Brasileiro, em seu Art. 171, tipifica o crime de estelionato, que se configura pela obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento [5].

A manipulação de resultados ou a utilização de informações privilegiadas para obter ganhos indevidos em apostas esportivas se enquadra perfeitamente nessa definição, podendo resultar em penas aos envolvidos [1, 3].

É importante ressaltar que a manipulação de resultados não se restringe apenas ao placar final de um evento; atos intermediários também podem configurar fraude, como por exemplo a arbitragem esportiva, [4].

Em resumo, arbitragem esportiva é a estratégia de distribuir apostas em todas as possibilidades de um evento, em casas distintas, quando as odds divergentes fazem a soma dos inversos ser inferior a 1, assegurando lucro independentemente do resultado.

A prova do dolo, ou seja, da intenção de fraudar, é um elemento crucial para a caracterização do crime. Além do estelionato, outras condutas podem ser investigadas, como a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, especialmente considerando as obrigações dos agentes operadores de comunicar operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), conforme o Art. 25 da Lei nº 14.790/2023 [1].

Esfera Civil: Responsabilidade e Nulidade

No âmbito do Código Civil, a exploração ilícita de jogos de azar historicamente não foi muito enfática quanto às obrigações das partes (Art. 814 do Código Civil).

Contudo, com a regulamentação das apostas esportivas, a situação se alterou, a responsabilização foi insistente. As apostas realizadas com a finalidade de obter ou assegurar vantagens ou ganhos por meio da manipulação de resultados são consideradas nulas de pleno direito [12.

A responsabilidade civil dos fraudadores pode ser acionada para reparação de danos materiais e morais causados às casas de apostas ou a outros apostadores. O Art. 186 do Código Civil estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo (Art. 927 do Código Civil) [2].

Para as casas de apostas, a responsabilidade civil preventiva é um mecanismo essencial. A falha na implementação de medidas de controle e prevenção de fraudes pode gerar não apenas descrédito, mas também danos reputacionais e financeiros, comprometendo a sustentabilidade institucional [2].

Esfera Processual: Código de Processo Civil e Código de Processo Penal

Os Códigos de Processo Civil (CPC) e de Processo Penal (CPP) fornecem os instrumentos para a apuração e responsabilização dos envolvidos em fraudes. No âmbito civil, as casas de apostas podem ingressar com ações de indenização para reaver prejuízos decorrentes de fraudes.

No âmbito penal, a investigação e o processo criminal seguirão as normas do Código de Processo Penal. A coleta de provas, a instauração de inquéritos e a condução de ações penais visam a aplicação das sanções previstas no Código Penal. Casos de grande repercussão, como os envolvendo manipulação de resultados no futebol, demonstram a atuação do sistema judiciário na apuração desses delitos.

Conclusão

O mercado de apostas esportivas no Brasil, embora regulamentado, exige vigilância constante e rigorosa aplicação das leis para combater as fraudes. A atuação conjunta dos agentes operadores, das autoridades e do sistema judiciário é fundamental para preservar a integridade do esporte e a segurança dos apostadores.

Aos que tentam burlar o sistema, as implicações jurídicas são claras e severas, abrangendo as esferas penal, civil e processual. A mensagem é inequívoca: a fraude não compensa e será combatida com todos os instrumentos legais disponíveis, afinal, a regulamentação veio para proteger todo o setor, sejam os agentes operadores ou os usuários.

(*) Filipe Augusto Amaral de Rezende é advogado.


Referências

(1)https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/futebol/casas-de-apostas-apertam-cerco-contra-manipulacao-de-resultados-no-futebol/

[2] BRASIL. Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm

[3] https://transparenciainternacional.org.br/posts/retrospectiva-2024-cpis-sobre-apostas-e-corrupcao-no-esporte/#:~:text=Em%202024%2C%20o%20Senado%20Federal,civil%20do%20Rio%20de%20Janeiro

[4] MIGALHAS. Responsabilidade civil e jogos on-line: Game, gamble e bet. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/424919/responsabilidade-civil-e-jogos-on-line-game-gamble-e-bet

[5] BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

[6] CONJUR. Apostas esportivas: risco de fraude ameaça casas de apostas. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-abr-23/fraude-e-apostas-esportivas-consumacao-do-prejuizo-e-engano-juridico-penalmente-relevante/

[7] JUSBRASIL. Processo Legal contra Casas de Apostas. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/processo-legal-contra-casas-de-apostas/1865149401.

 

 

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