Projeto que regulamenta jogos de azar no país divide base e oposição

Destaque I 04.06.24

Por: Magno José

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Projeto que regulamenta jogos de azar no país divide base e oposição
Davi Alcolumbre: o presidente da CCJ do Senado assegura que a proposta sobre jogos será debatida e votada antes do recesso parlamentar do mês de julho

A discussão do projeto de lei (PL) que regulamenta cassinos, bingos e o jogo do bicho no Brasil divide senadores da base governista e da oposição. Apoiada pela maioria dos líderes do Centrão, a matéria encontra forte resistência na bancada evangélica. A proposta deve retornar à pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira (5). Diante do impasse, a expectativa é que seja concedido um pedido de vista (mais tempo para os parlamentares analisarem o texto).

O senador Davi Alcolumbre (União-AP), presidente da CCJ, garante que a proposta será votada antes do recesso parlamentar, marcado para 15 de julho. “Tem que votar antes (do recesso). Essa matéria está aqui há mais de um ano”, afirmou ao Valor.

Em meio à pressão da bancada evangélica, Alcolumbre já retirou o texto de pauta em duas oportunidades com a justificativa de que o relator, senador Irajá (PSD-TO), não estava presente. Ao Valor, o presidente da CCJ disse que não descarta indicar um novo parlamentar para a relatoria caso Irajá não compareça à próxima reunião do colegiado.

A posição de Alcolumbre quanto ao avanço da proposta é a mesma do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e ambos são favoráveis à proposta. “Considero um projeto importante, meritório e sou a favor”, declarou Alcolumbre, que nos bastidores tem bancado o avanço da matéria.

Contrário à proposta, o senador Marcos Rogério (PL-RO) reconhece que Alcolumbre é favorável ao projeto, mas diz que o presidente da CCJ está sabendo conduzir os trabalhos no processo de deliberação. “O Davi se comprometeu a votar, mas não está atropelando o processo”, afirmou o senador.

O principal argumento dos parlamentares favoráveis ao projeto está no potencial arrecadatório com a regulamentação dos cassinos. Em seu parecer, o senador Irajá estima que o mercado de jogos de azar no Brasil movimentou pelo menos R$ 15 bilhões em 2023, valor que, segundo ele, pode ultrapassar R$ 30 bilhões por ano.

Apesar do argumento de aumento na arrecadação, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), reconhece que o assunto divide a base governista. “Eu não tenho até agora uma posição definitiva de governo. Se for olhar, quem tem a cabeça na Fazenda vai dizer que vai gerar arrecadação”, pontuou.

O Valor apurou que o ministério da Fazenda acompanha de perto a discussão, mas, até o momento, não pretende se posicionar.

Para o senador oposicionista Dr. Hiran (PP-RO) a regulamentação dos cassinos no país tem um potencial enorme na geração de empregos e por isso deve priorizar áreas em desenvolvimento.

“Cassinos são um investimento privado e que gera muito emprego no setor de serviços e entretenimento. As áreas que têm cassinos no mundo, como Las Vegas, ganham muito mais com entretenimento do que com jogo”, argumentou o senador.

A Frente Parlamentar Evangélica tem liderado o movimento para barrar o avanço da proposta e conta com o apoio de parlamentares da base do governo, como Eliziane Gama (PSD-MA), e Zenaide Maia (PSD-RN). Ontem, o senador governista Humberto Costa (PT-PE), afirmou já ter sido a favor da proposta, mas mudou de posição.

“Eu, em algum momento, ainda fui favorável à ideia de cassino em algumas estâncias, lugares turísticos e tal, mas eu confesso que hoje não sou mais a favor disso”, disse o senador, citando pontos como a preocupação com a saúde mental como consequências negativas. “Eu espero que o governo não apoie essas proposições, porque vem um discurso: ‘Não, mas o governo vai arrecadar mais, esse dinheiro está se perdendo”. E o custo que isso tem, não é? É um custo social, é um custo da saúde mental das pessoas.”

Para o senador Eduardo Girão (Novo-CE), um dos principais críticos do texto, as eleições municipais marcadas para outubro deste ano podem impactar a votação.

“É uma pauta que causa muita mobilização. Pastores do Brasil inteiro têm se posicionado contra. Acho que o fato de ser ano de eleição pode pesar na decisão dos parlamentares”, pontuou o senador.

Além das questões gerais da proposta, parlamentares devem se debruçar nas próximas semanas sobre pontos específicos do projeto, como o número de cassinos por Estado.

O texto prevê um estabelecimento para Estados com até 15 milhões de habitantes, dois para locais com população entre 15 milhões e 25 milhões e três para entes com mais de 25 milhões de pessoas. Com isso, São Paulo teria direito a três estabelecimentos, enquanto Minas Gerais e Rio de Janeiro poderiam ter até dois. A regra não vale para Amazonas e Pará, que têm direito a dois Cassinos pela extensão territorial.

No caso dos bingos, a regra prevê um estabelecimento a cada 150 mil habitantes e para o jogo do bicho de um a cada 700 mil pessoas.

Jaques Wagner defende uma mudança nesse ponto. “Eu acho graça que todo mundo aqui bate no peito e diz que é de mercado. Se é de mercado deixa concorrer”, diz o senador.

Entenda o PL que legaliza bingos, cassinos e o jogo do bicho

Ainda alvo de muita controversa, o projeto que legaliza os jogos de azar no Brasil – como funcionamento de cassinos, bingos e jogo do bicho – pode avançar no Senado Federal. A proposta, que foi aprovada em fevereiro de 2022 na Câmara dos Deputados, entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) desta quarta-feira (05), mas depende de apreciação do plenário da Casa e sanção presidencial para entrar efetivamente em vigor.

O relator da matéria, de autoria do ex-deputado federal Renato Vianna (MDB-SC), é o senador Irajá (PSD-TO), que é favorável à matéria. O projeto prevê que a instalação de cassinos ficará restrita a complexos hoteleiros com pelo menos cem acomodações e com capacidade para a realização de grandes eventos culturais. O complexo para jogos poderá ocupar até 20% da área do local. Será exigido das empresas um capital mínimo de R$ 100 milhões.

O texto permite a abertura de apenas um cassino para Estados com até 15 milhões de habitantes, dois para locais com população entre 15 milhões e 25 milhões e três para entes com mais de 25 milhões de pessoas. As regras populacionais excluem os estados do Amazonas e do Pará, que inicialmente teriam direito a apenas um estabelecimento, mas o projeto permite dois levando em conta a extensão territorial.

Para a abertura de cassinos em embarcações, serão exigidos pelo menos 50 quartos e o espaço para realização de locais para eventos, bares, restaurantes e lojas. Rios com a extensão de 1,5 mil km a 2,5 mil km poderão contar com um estabelecimento, entre 2,5 mil km e 3,5 km serão dois e para rios com extensão maior do que 3,5 km, três.

O texto também permite ao Executivo conceder a exploração de jogos de fortuna em cassinos situados em embarcações marítimas no território nacional para até dez estabelecimentos.

No caso dos bingos, a regra prevê um estabelecimento a cada 150 mil habitantes e para o jogo do bicho de um a cada 700 mil pessoas. Para a exploração dessas modalidades, a proposta exige um capital mínimo de R$ 10 milhões. Nos bingos, o texto permite a exploração de até 400 máquinas eletrônica da modalidade, mas proíbe máquinas caça níqueis.

Pelas regras do projeto, a cidade do Rio de Janeiro, com cerca de 6,2 milhões de habitantes, teria direito a dois cassinos, oito pontos de jogo do bicho e 41 bingos. O texto proíbe que o mesmo grupo econômico tenha a concessão de mais de um estabelecimento por Estado.

A proposta ainda prevê criar o Sistema Nacional de Jogos e Apostas (Sinaj) que será composto pelo Ministério da Fazenda e por representantes do setor. A proposta autoriza o Executivo a criar uma agência reguladora que também integrará o Sinaj.

Tributação

O texto institui a cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a comercialização de jogos e apostas (Cide-Jogos) sobre a receita bruta decorrente dos jogos previstos nesta lei. A alíquota poderá ser de até 17% sobre a receita bruta auferida em decorrência da exploração de jogos.

O PL prevê destinação de 34% da Cide-Jogos para o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), enviando 16% para cada um.

A arrecadação com o imposto também contemplará as áreas do Turismo, Esporte e Cultura. Além disso, parte dos recursos irá para o financiamento de ações de saúde pública e combate ao vício em apostas, a chamada ludopatia.

Há previsão, ainda, de um imposto de 20% sobre o prêmio líquido, de valor igual ou superior a R$ 10 mil, a título de Imposto sobre a Renda, a ser retido pela empresa operadora de jogos e apostas.

Votação na Câmara

Em 23 de fevereiro de 2022, a Câmara aprovou a legalização dos jogos por 246 votos a 202. Na votação, os partidos se dividiram, mas a maioria apoiou a legalização dos jogos. Na oposição, o PSB “liberou” seus parlamentares. O PDT apoiou integralmente. O PT, num processo de reaproximação com o eleitorado evangélico, principal base de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL), votou contra o projeto.

Na ocasião, Bolsonaro chegou até a enviar mensagem de celular para alguns deputados pedindo a rejeição, mas não deu declarações públicas sobre a proposta e seu governo “lavou as mãos”. Novamente, o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e o partido de Bolsonaro, o PL, “liberaram” seus deputados para que votassem como quisessem e não trabalharam contra o projeto.

 

 

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