Regulação pode reduzir risco de aposta on-line, avaliam especialistas
Os gastos dos brasileiros com apostas e jogos de azar on-line preocupam o governo, setores empresariais e financeiros, mas a entrada em vigor de novas regras para disciplinar a atividade, que começarão a valer já no próximo mês, ajudarão a sanear e controlar esse mercado, avaliam especialistas e representantes do setor ouvidos pelo GLOBO.
A legislação obriga as chamadas bets e cassinos digitais a seguirem normas sobre jogo responsável, publicidade, proteção aos consumidores e combate a crimes financeiros.
Anteontem, um levantamento do Banco Central (BC) mostrou que, somente via Pix, os brasileiros transferiram este ano cerca de R$ 20 bilhões por mês para plataformas de apostas e cassinos on-line, o primeiro dado oficial a dimensionar o crescimento desse mercado no país.
Esses jogos crescem sem controle no país desde que a atividade foi legalizada, em 2018, mas só agora há uma regulamentação. A entrada em vigor das regras permitirá ao governo controlar os sites licenciados e tirar do ar os irregulares, apontam profissionais que conhecem o setor e a experiência de outros países.
O presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), Plínio Lemos, estima que atualmente mais de mil sites ilegais de apostas funcionam no Brasil. Diante do aumento da preocupação com o risco de vício e endividamento das famílias, o governo resolveu antecipar, de janeiro de 2025 para 11 de outubro, o bloqueio dos sites que ainda não pediram as licenças exigidas pela regulamentação mediante o pagamento de taxas.
Segundo o Ministério da Fazenda, 113 empresas haviam feito a solicitação até agosto.
— Quando dizemos site ilegal, estamos falando de um site sem nenhuma responsabilidade. Ele abre hoje, começa a receber depósitos, as pessoas começam a apostar e, quando há um volume muito grande de dinheiro no caixa do site, ele simplesmente encerra a operação — diz Lemos.
As apostas on-line foram legalizadas no Brasil em 2018, durante o governo de Michel Temer, mas ainda aguardavam regulamentação, o que só ocorreu neste ano.
Fux convoca audiência
O advogado especializado no setor, Luiz Felipe Maia, acredita que a regulamentação trará avanços para o mercado, que hoje ainda conta com muitas empresas irregulares:
— A regulamentação interessa às empresas sérias, que querem operar de maneira adequada e à sociedade, porque haverá mais proteção, controle e arrecadação de impostos. A quem não interessa? Não interessa a quem está ganhando muito dinheiro com operações ilegais, sem pagar impostos, ao crime organizado e àqueles que lavam dinheiro por meio dessas empresas.
Para facilitar a identificação de plataformas legítimas e o controle de fraudes, o Ministério da Fazenda determinou que os sites de apostas regularizados serão hospedados no novo domínio “bet.br” a partir de 1º de janeiro de 2025.
— O cidadão saberá o seguinte: a plataforma bet.br é legalizada e tem licença do governo. Isso vai facilitar muito a vida do apostador, separando o joio do trigo. Tudo muda. Será um mercado completamente diferente desse setor selvagem com empresas ilegais — afirma o presidente do Instituto Jogo Legal (IJL), Magno José.
O maior risco está entre os mais pobres. Os dados do BC mostram que, em agosto, cinco milhões de pessoas de famílias beneficiárias do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões para empresas de apostas via Pix. O levantamento acendeu um sinal amarelo no governo.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mencionou a necessidade de “tratar jogos como cigarros”. O secretário-executivo da pasta, Dario Durigan, disse que as plataformas autorizadas serão obrigadas a compartilhar informações por CPF com o governo para o controle do endividamento.
A Confederação Nacional da Comércio (CNC) pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspenda a lei que regulamenta a atividade no país. O relator do caso, ministro Luiz Fux, convocou ontem audiência pública para discutir os impactos econômicos, sociais e de saúde das apostas esportivas e jogos on-line, marcada para 11 de novembro.
No governo, técnicos dos ministérios da Fazenda, da Saúde e da Justiça discutem medidas para conter o vício em jogos on-line e educar os usuários. A ideia, que já é discutida há cerca de um ano no governo, é realizar uma campanha de conscientização sobre a ludopatia (vício em jogo) tão forte quanto foi a campanha contra o cigarro.
A intenção é unir governo e congressistas, que já falam em aprimoramento das regras para combater o uso abusivo de jogos.
Diretor da Empresa Brasileira de Apoio à Compulsividade (Ebac), Ricardo Magri acredita que a regulamentação pode garantir um ambiente mais seguro para os apostadores:
— A regulamentação estabelece regras para proteger consumidores, garante supervisão e transparência, além de poder destinar recursos para tratamento e prevenção. Permite o monitoramento de comportamentos de risco e promove práticas de jogo responsável, criando um ambiente mais seguro e controlado para os apostadores. (Colaborou Daniel Gulino)