Coluna Sem Jurdiquês: A quem interessa o jogo ilegal

Destaque I 08.12.17

Por: sync

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Avança no Congresso Nacional o projeto de lei que regulamentará o funcionamento de bingos, cassinos e afins que resolvam se dedicar àquilo que se convencionou preconceituosamente chamar de “jogo de azar” no Brasil, enquanto que o mundo inteiro denomina de entretenimento.

Fazendo uma análise isenta de paixões, a expectativa pode ser positiva, sobretudo diante das oportunidades de negócios, empregos e arrecadação de tributos que decorrem da legalização de uma atividade importante em qualquer país do mundo e, aqui, repise-se, é vista com resistência. O escopo da coluna dessa semana é apresentar nossa conclusão a respeito de análise ao projeto que se encontra na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Sempre que uma norma que envolve esse tema é a apresentada ou se encontra com reais chances de ser aprovada no Congresso Nacional, aparecem os críticos. Os argumentos são os mesmos de sempre e normalmente lançados por quem sequer teve o cuidado de examinar o texto que se pretende aprovar. É comum alegarem que o jogo causa dependência em seus adeptos, o poder público não é capaz de fiscalizar a atividade e as empresas que exploram o jogo sonegam impostos e lavam dinheiro ilícito, isso quando não associam o jogo à prostituição infantil. Enfim, afirmam os críticos, que a exploração da atividade será dominada por bandidos e que não há a menor chance de o “bem vencer o mal”.

Pela lei em tramitação, as empresas autorizadas a explorar jogos serão obrigadas a cadastrar os clientes e a informar operações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Torna necessária ainda a adoção de providências, pelo Banco Central (BC), a fim de proibir o uso de instrumentos de pagamento, como cartões de crédito, em jogos de azar on-line administrados por empresa não-credenciada.

As medidas de controle sobre os estabelecimentos credenciados deverão obrigá-los a promover a identificação de todos os jogadores que receberem premiações superiores a R$ 10 mil. Esses dados terão de ser encaminhados ao governo federal.

Identifica-se com facilidade o jogo legalizado, explorado pelo poder público, direta ou indiretamente, como a Loteria da Caixa Econômica Federal, as Loterias Estaduais, além das apostas realizadas nas corridas de cavalos, dentre outros. Sem qualquer dificuldade de identificação, de igual sorte, encontra-se o jogo ilegal, explorado a cada esquina das grandes e pequenas cidades, em locais conhecidos de todos, desde a população até as autoridades que deveriam reprimi-las.

Especialistas no segmento, dedicados a pesquisa sobre o jogo no Brasil e no mundo, apontam que a legislação brasileira proibitiva jamais impediu a circulação de vultosas quantias. Estima-se que o jogo ilegal movimenta, anualmente, em apostas clandestinas mais R$ 19,9 bilhões com o jogo do bicho (R$ 12 bi), bingos (R$ 1,3 bi), caça-níqueis (R$ 3,6 bi) e apostas esportivas e jogos pela internet (R$ 3 bi).

O grande problema é que esses mesmos críticos ignoram que no Brasil existem atualmente duas modalidades de jogos: o legalizado e o ilegal. Não existe a opção de abolir o jogo no Brasil. Enquanto se discute, sem argumentos razoáveis a restrição a determinadas modalidades, as pessoas jogam livremente em toda esquina e o dinheiro ali arrecadado não tem qualquer incidência de tributo ou controle de destino.

Exemplos como Estados Unidos, Itália, Portugal, Reino Unido, China e, recentemente, Japão devem ser seguidos, demonstrando que o jogo poderá, desde que devidamente regulamentado e fiscalizado pelo Poder Público, servir como instrumento de desenvolvimento de regiões pobres. Lugares inóspitos, mundo a fora, viram destinos turísticos por conta da quantidade e qualidade das casas de jogos existentes.

Sem dúvida o dinheiro que deixa de ser arrecadado por conta da ilegalidade do jogo não resolve a crise econômica que assola o país, mas certamente representaria grande diferença nos Estados, em especial se pensarmos na circulação de recursos, a geração de empregos, diretos e indiretos e, ainda, o pagamento de tributos.

A quem interessa a manutenção de tantas modalidades de jogo na clandestinidade, sem pagamento de impostos, sem o controle do Poder Público a respeito do cumprimento de normas de segurança, da proteção aos empregados do setor? Pense nisso. Tem muita gente se beneficiando com o discurso de rejeição

Nelson Rodrigues já nos anos 50, nos falava de um certo “complexo de vira-latas”, segundo o qual o brasileiro acreditava que nem ele, nem o Brasil, jamais seriam capazes de alçar grandes voos, fazer grandes feitos e alcançar grandes objetivos. A ideia pré-concebida segundo a qual nunca teremos condições de coibir as ilegalidades que podem ocorrer na exploração do jogo parece ter muito a ver com isso. Afinal, quem é capaz de implementar e sustentar operações como a Lava Jato ou a Calicute que levaram e mantêm na cadeia os maiores empresários do País, e políticos outrora poderosos, é claro que pode também, neutralizar as mazelas que podem advir do jogo, oferecendo ao País apenas o melhor daquela atividade.

(*) Hugo Leonardo Penna Barbosa é advogado e professor de Direito veiculou o artigo acima no O Fluminense – Niterói – RJ. (08.12.17) 

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