ESPECIAL: ‘A complexa trajetória da regulação do jogo no Brasil’

Destaque I 01.09.21

Por: Magno José

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ESPECIAL: complexa trajetória da regulação do jogo no Brasil 5
Apesar do apoio da sociedade, de parlamentares e de empresários do setor, o Executivo está hesitante sobre os projetos que legalizam e regulamentam os jogos de azar no Brasil, pois teme desagradar os evangélicos e os conservadores do Congresso Nacional

Apesar de ter passado a maior parte do século 20 sendo proibido pelo Governo brasileiro o jogo teve um percurso tumultuado com momentos de sucesso e demonização.

Os cassinos começaram no país ainda no Século 19 nos tempos do Império quando surgiram os primeiros estabelecimentos autorizados pelo imperador D. Pedro II. Esse período inicial não foi marcado pelo glamour que geralmente se associa aos cassinos, além de jogos havia também espetáculos e orquestras, eram espaços de entretenimentos variados. Naquela época os cassinos trouxeram dinheiro para o país através de empregos e de turismo, alavancando a economia nacional. O Cassino Paulista inaugurado em 1901 era extremamente popular no começo do século entre os jovens até ser destruído num incêndio em 1914, além de cassino, o local era usado para tomar café, casa de shows e até exposição de artistas plásticos.

Essa tímido sucesso foi interrompido quando em 1917 o presidente Venceslau Brás decidiu proibir os cassinos em todo o território nacional. A proibição teve um impacto negativo, pois a economia nacional foi bastante afetada pela perda dessa receita. Mesmo assim os cassinos não cessaram completamente, pois o jogo continuou ilegalmente no Brasil pelos vinte anos seguintes. Apesar da proibição dos cassinos, o presidente Epitácio Pessoa decidiu liberar o jogo apenas em instâncias hidrominerais.

Na época, o principal atrativo turístico do Brasil era o ligado a saúde de pessoas que viajavam para locais como o “Circuito das Águas”, no sul de Minas Gerais, formado pelos municípios de São Lourenço, Caxambu, Lambari, Cambuquira, Baependi, Campanha, Heliodora, Conceição do Rio Verde, Carmo de Minas e Soledade de Minas ou para o clima temperado de Petrópolis. Logo, os locais frequentados pelos turistas e que tinham jogo liberado fazia sentido, pois dava um incentivo extra. Acreditava-se que os cassinos seriam um espaço exclusivo para turistas e não para a população local. Mesmo assim o fechamento de cassinos por parte do poder público era frequente devido oposição da parcela conservadora da população.

Entretanto, a proibição não durou muito. Logo depois da revolução de 1930 e a chegada de Getúlio Vargas ao poder o jogo reviveu. Em 1934, Vargas liberou os cassinos mais uma vez no país e caracterizou a era auge do jogo no Brasil com mais de 70 cassinos espalhados por todo o território nacional. Os estabelecimentos forneciam enormes espetáculos musicais, os artistas mais populares do país tinham o hábito de se apresentarem nos locais, que eram frequentados pela elite econômica e cultural da época, gente como Frank Sinatra, Albert Einstein e Santos Dumont visitaram os estabelecimentos do Rio de Janeiro.

Artistas do naipe de Carmem Miranda, Emilinha Borba e Grande Otelo, fizeram história nos palcos dos cassinos do Rio de Janeiro, principalmente no Cassino da Urca e Copacabana Palace. O governo Vargas era um grande patrocinador dos jogos. O Cassino da Urca era considerado a maior casa de jogos da América Latina, sendo melhor do que boa parte dos cassinos da Europa. A liberação dos cassinos não foi incondicional, a propaganda dos mesmos no jornal era proibida, e apenas algumas modalidades de jogo eram permitidas como roleta, o campista, o bacará e o écarté. Era completamente vetada a presença de menores de 21 anos.

Infelizmente, essa era de luxo durou pouco. Com o fim do Estado Novo e a eleição do presidente Eurico Gaspar Dutra o cenário iria mudar. Dutra decidiu romper com a tradição e proibir mais uma vez o jogo no país, um ano após sua eleição em 1946. A proibição de Dutra envolveu vários fatores como a intenção de diferenciar a Nova República do regime do Estado Novo, que era patrocinador dos cassinos, além da influência de sua religiosa esposa, a pressão da Igreja e dos setores mais conservadores da sociedade.

O decreto foi uma verdadeira surpresa, pois não foi discutido nada a respeito antes da eleição ou nos meses anteriores do governo, atacando um ramo próspero da sociedade daquele tempo. Até mesmo a UDN considerada de  oposição ao governo Dutra, apoiou a medida de fechar os cassinos, que na verdade era das promessas de campanha da UDN. Pouco foi citado sobre o fato de Dutra ter usado poderes autoritários para proclamar o fim do jogo no país. Principalmente, pelo fato da Constituição democrática ainda não estar completa no momento da decisão do presidente, usando o poder ditatorial da era Vargas através de Decreto-Lei.

Segundo o argumento do presidente Dutra, o jogo não era compatível com a tradição moral e religiosa do povo brasileiro, pois era nocivo aos bons costumes. A decisão mais uma vez impactou a economia causando o desemprego de mais 70 mil pessoas que trabalhavam em cassinos, além de ter prejudicado o turismo com a perda de um de seus grandes atrativos.

Apesar disso, a opinião da imprensa da época foi unanimemente favorável, pois condenavam os cassinos por supostamente incentivarem as pessoas a ganharem a vida pela sorte ao invés de pelo trabalho honesto. Ainda não se sabe o motivo exato da decisão de Dutra, mas como os cassinos eram umas das fontes de patrocíno do personalismo de Vargas e servia para promover seu regime, o negócio pode ter sido demonizado pelos novos governantes. O deputado Euclides Figueiredo da UDN chamou os cassinos de “templos de culto do ditador”. Pelas quase oito décadas seguintes não houve mudanças significativas no cenário.

Na verdade, a medida acabou sendo o fim dos cassinos legalizados no Brasil, mas os jogos de azar ainda teriam algum espaço nas décadas seguintes. Quando o regime militar começou no Brasil havia a intenção de coibir o jogo, mas ainda nos finais dos anos de 1960 o governo começou a afrouxar na repressão.

Na Década de 70, com a grande popularidade do futebol devido ao tricampeonato da Seleção Brasileira na Copa do Mundo do México, o governo Medici acabou permitindo a liberação da Loteria Esportiva, através do Decreto-Lei 66.118/1970. O governo investiu pesado nessa estratégia acreditando no lucro da modalidade devido ao sucesso do esporte no país, mas 50% do dinheiro arrecadado pela loteria ficava com os órgãos públicos. Apesar da ideologia conservadora do regime, a modalidade lotérica acabou se tornando bastante popular entre os brasileiros.

A ditadura militar sabia que acontecia os jogos em cassinos ilegalmente durante a Década de 80, mas evitava reprimir porque era a diversão da alta sociedade. O jogo era tão popular que os cassinos eram de conhecimento comum da população, mas o regime preferia manter sua postura contraditória de não legalizar, mas ignorar para manter sua aliança ao mesmo tempo com os conservadores e a alta classe.

Esses estabelecimentos ilegais aconteciam em casas de milionários com os quais o governo militar não queria problemas. A ditadura evitava legalizar o jogo para o cidadão comum, mas com a redemocratização o cenário começou a se alterar. Ainda que cassinos não tenham se tornado legais, outras formas de jogo começaram a ter mais espaço no ambiente da Nova República, especialmente o bingo.

Apenas na Década de 90 aconteceu uma flexibilização das leis. Em 1994, a Lei Zico legalizou o bingo com o propósito de arrecadar dinheiro para entidades esportivas. Pela regra, 7% do arrecadado na modalidade era repassado para federações esportivas. Essa lei teve vida curta, pois uma CPI na Câmara dos Deputados foi aberta para averiguar problemas no fluxo de dinheiro. Em 1998, a Lei Pelé confirmou a operação do bingo em todo o território nacional e transferiu para Caixa Econômica Federal o controle das licenças e a fiscalização da atividade.

Novamente o governo enfrentou problemas, não havia estrutura apropriada para controlar o bingo no Brasil, a Caixa alegava dificuldades de credenciar e fiscalizar os locais em que o jogo estava ocorrendo. A Lei Maguito revoga a Lei Pelé e determina o fechamento dos bingos e vídeo-bingos até dezembro de 2002. Muitos estabelecimentos continuam a funcionar, graças a liminares da Justiça.

Ainda que os locais para jogos estivessem proibidos, os jogos online começaram a se popularizar com a chegada da internet, ocupando o vácuo deixado pela proibição dos cassinos físicos, os cassinos online começaram a faturar no Brasil. Os primeiros cassinos da internet surgiram ainda na década de noventa quando a rede começou a crescer no mundo todo. Como o experimento deu fruto, cada vez mais empresas entraram no novo nicho dos jogos online, a popularidade dos jogos cresceu nos anos 2000, prêmios e incentivos foram sendo oferecidos aos jogadores para aumentar o interesse. O pôquer, que não é considerado jogos de azar, se firmou como grande atrativo através da internet e de torneios presenciais.

Durante o governo Dilma Rousseff e com a chegada de uma nova crise econômica, a liberação do jogo voltou a ser discutida com a esperança de que os impostos obtidos voltassem a ajudar o Brasil. O projeto previa originalmente a liberação do jogo ampla, incluindo cassinos, mas não foi adiante devido ao impeachment.

No dia 30 de agosto de 2016, a Comissão Especial do Marco Regulatório dos Jogos na Câmara dos Deputados aprovou, parecer com substitutivo ao PL 442/91 e apensados. Atualmente, a proposta está pronta para votação no Plenário da Câmara dos Deputados.

A partir de 2017, entidades beneficentes começaram a realizar bingos durante vários anos a partir de uma interpretação do Artigo 84-B, Inciso III da Lei 13.204/2015, até que a Medida Provisória 923/20 proibiu a utilização desta legislação para operação desta modalidade.

Desde 2015, o Instituto Brasileiro Jogos Legal – IJL vem trabalhando junto ao Executivo e Legislativo para modificar o cenário de jogo ilegal no Brasil. A entidade defende a criação do Marco Regulatório dos Jogos no Brasil através da aprovação do substitutivo ao PL 442/91 (23 PLs apensados) na Câmara dos Deputados e o PLS 186/14 no Senado Federal, as duas propostas estão prontas para votação no Plenário das duas Casas Legislativas, mas apesar do apoio dos parlamentares registrado na recente pesquisa do Paraná Pesquisas, as propostas ainda não contam com o apoio do presidente Jair Bolsonaro e de parte da bancada evangélica.ESPECIAL: 'A complexa trajetória da regulação do jogo no Brasil'

Apesar do apoio dos congressistas e de empresários do setor, o Executivo está hesitante sobre os projetos que legalizam e regulamentam os jogos de azar no Brasil, pois teme desagradar os evangélicos e os conservadores do Congresso Nacional. (Carlos André de Oliveira Esberard e Magnho José)

 

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