Nota Técnica SPA-MF 299/25: o tratamento das recompensas (bônus) nas apostas online

Apostas, Opinião I 11.04.25

Por: Magno José

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Rafael Marchetti Marcondes*

A regulamentação das apostas esportivas e de quota fixa no Brasil tem ganhado destaque com a publicação de normas específicas pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (MF). Um dos pontos centrais dessa regulamentação é a definição e contabilização do Gross Gaming Revenue (GGR), que serve como base para o cálculo de destinações sociais e tributos incidentes sobre a atividade. Recentemente, a Nota Técnica SPA MF nº 299/25 trouxe esclarecimentos sobre o tratamento das recompensas e sua inclusão ou não no GGR. Este artigo analisa os aspectos jurídicos e contábeis envolvidos, destacando os acertos e as falhas na interpretação das normas.

O Conceito de GGR e sua Relevância

O Gross Gaming Revenue (GGR) é definido pela Lei 13.756/18 como o “total obtido por meio da captação de apostas ou da venda de bilhetes de loterias, em meio físico ou virtual” (art. 14). Em outras palavras, o GGR representa a receita bruta das apostas, deduzidos os prêmios pagos aos apostadores e o Imposto de Renda retido na fonte. Essa métrica é fundamental para:

Cálculo de tributos: PIS, Cofins e ISS incidem sobre o GGR.

Destinações sociais: Parte do GGR é direcionada a fundos e programas sociais, conforme estabelecido pela Lei 14.790/23.

As Recompensas nas Apostas de Quota Fixa

As recompensas são instrumentos utilizados pelas operadoras para fidelizar clientes. Elas podem ser classificadas em dois tipos:

Recompensas Financeiras:

Sacáveis: Podem ser convertidas em dinheiro e transferidas para a conta transacional do apostador.

Não Sacáveis: Podem ser utilizadas apenas para novas apostas, sem possibilidade de saque.

Recompensas Não Financeiras:

⇒ Incluem benefícios como apostas grátis, free spins ou condições mais vantajosas para apostas.

O Tratamento Contábil das Recompensas

A Nota Técnica SPA MF nº 299/25 estabelece diretrizes para a contabilização das recompensas no GGR. No entanto, há controvérsias quanto à interpretação dessas normas. A seguir, detalhamos o tratamento de cada tipo de recompensa.

Recompensas Não Financeiras

⇒ Definição: São benefícios que não geram contabilização na conta gráfica do apostador (wallet). Exemplos incluem apostas grátis, free spins e condições mais vantajosas para apostas.

Tratamento Contábil:

Não compõem o GGR: Por não terem natureza pecuniária, essas recompensas não representam receita para o operador.

Racional da NT e contrapontos: A Nota Técnica SPA MF nº 299/25 parte da premissa de que não havendo a oferta de valores financeiros e não transitando recurso pela conta gráfica, não haveria receita para o operador.Apesar de a conclusão ser acertada, a premissa que leva a tal caminho deveria ser outra, a de que a recompensa não financeira é uma despesa da plataforma, na medida em que o incentivo, se convertido em uma aposta vencedora, gera um prejuízo para o operador.A necessidade de pagar um prêmio ao apostador gera uma diminuição patrimonial para a plataforma, ou seja, uma despesa. No melhor dos cenários, se o incentivo resultar em uma aposta perdedora, haverá um cenário de caixa neutro para o operador, no qual não ganhou nem perdeu com a recompensa ofertada.

Exemplo Prático: Um apostador recebe 10 free spins em um caça-níquel. Como não há conversão em dinheiro, o valor não é contabilizado no GGR.

Recompensas Financeiras

As recompensas financeiras são aquelas de natureza pecuniária que geram contabilização na conta gráfica do apostador. Elas se dividem em dois subtipos:

Recompensas Financeiras Sacáveis

Definição: São benefícios que podem ser convertidos em dinheiro e transferidos para a conta transacional do apostador.

Tratamento Contábil:

Compõem o GGR se resultarem em apostas: Caso o apostador utilize o benefício para realizar uma aposta, o valor é contabilizado como receita do operador.

Racional da NT e contrapontos: A Nota Técnica parte da premissa (equivocada) que se a recompensa resultou em uma aposta, haveria a necessidade da sua contabilização como uma receita do operador. Porém, os arts. 14 e 30 da Lei 13.756/18, mencionam expressamente que o GGR é “o produto da arrecadação total obtido por meio da captação de apostas”. Ou seja, para se falar em receita do operador dois elementos devem estar presentes: (i) a arrecadação, isto é, uma entrada de caixa para a plataforma, e (ii) decorrer da oferta de apostas.No caso das recompensas sacáveis, há a realização de uma aposta, porém não há geração de arrecadação. O operador não tem uma receita com a transação. Em verdade, ele incorre em uma despesa se a recompensa oferecida resultar em vitória do apostador e tem efeito de caixa neutro, se o incentivo resultar em uma aposta perdedora.

Exemplo Prático: Um apostador recebe R$ 100,00 como bônus de cashback, que pode ser sacado após cumprir certas condições. Se o apostador utilizar esse valor para apostar, a Nota Técnica considera o valor como parte do GGR, mas isso contraria o conceito de arrecadação previsto na lei.

Recompensas Financeiras Não Sacáveis

Definição: São benefícios que só podem ser utilizados para novas apostas, sem possibilidade de saque. Exemplos incluem bônus de rollover e cashback.

Tratamento Contábil:

Compõem o GGR, independentemente de uso: Mesmo que o apostador não utilize o benefício para apostas, o valor é contabilizado como receita do operador.

Racional da NT e contrapontos: A inclusão seria um “risco do negócio” assumido pelo operador, alinhado a políticas de jogo responsável.

A Nota Técnica, entretanto, desconsidera que os arts. 14 e 30 da Lei 13.756/18 exigem dois elementos para a caracterização do GGR:

Arrecadação (geração de receita para o operador).

Ocorrência de apostas. No caso das recompensas não sacáveis e não utilizadas, nenhum desses elementos se verifica. O operador, ao conceder o benefício ao apostador, irá incorrer em uma despesa, se sua aposta for vencedora, ou terá minimamente um efeito neutro em seu caixa, caso a aposta seja perdedora. Em nenhuma das alternativas haverá uma receita.E, na situação em que a aposta sequer é realizada, aliado ao fato de inexistir receita para o operador, há o fato de não haver a realização de uma aposta, premissa necessária segundo os arts. 14 e 30 da Lei 13.756/18, para que possa integrar o GGR.

Exemplo Prático: Um apostador inativo recebe R$50,00 como bônus para retomar as apostas, mas decide não utilizá-lo. A Nota Técnica considera o valor como parte do GGR, mesmo sem arrecadação ou aposta efetiva. No caso, não há ingresso de receita no caixa do operador.

Análise Crítica

A Nota Técnica SPA MF nº 299/25 acerta ao estabelecer como premissa para que haja a caracterização de receita do operador (GGR) o disposto nos arts. 14 e 30 da Lei 13.756/18, que exige a existência de arrecadação decorrente da realização de apostas. A Nota Técnica, entretanto, não se atenta que os referidos dispositivos trazem dois elementos que materiais mandatórios para a caracterização de receita:

(i) a necessidade de se verificar arrecadação para o operador

(ii) a realização de apostas na plataforma do operador

Se não verificadas as premissas apontadas, ou se observada apenas uma delas, não haverá receita. A receita nos termos definidos pela Lei 13.756/18 requer arrecadação e a realização de aposta.

No caso, a despeito da natureza da recompensa, seja ela financeira ou não financeira, trata-se de um recurso (que pode ou não ser pecuniário) que o operador despende com o apostador.

A recompensa concedida ao apostador, se resultar em uma aposta vitoriosa, gerará uma perda para a plataforma, uma redução do seu caixa, uma despesa. Não se trata, portanto, de uma receita. A receita existe para o apostador (e não para o operador).

Na melhor das hipóteses, a recompensa concedida pelo operador ao apostador (a despeito se financeira ou não), terá um impacto neutro no seu caixa, quando o benefício concedido for utilizado em uma aposta perdedora, ou simplesmente não for utilizada pelo apostador. Não havendo premiação a ser paga, não há desembolso de caixa, mas também não há entrada (ganho) caracterizável como receita.

Elementos trazidos pela Nota Técnica para justificar que a recompensa deve compor a receita do operador, no sentido da sua inutilização ser um risco do negócio ou fundamentado em práticas de jogo responsável são fundamentos não contemplados pelo tipo normativo previsto nos art. 14 e 30 da Lei 123.756/18.

O legislador não elegeu riscos do negócio ou práticas de jogo responsável para compor a norma caracterizadora da receita do operador (GGR). Se o Poder Legislativo não o fez, o Poder Executivo, na condição de simples intérprete da norma legal, não pode expandir, restringir ou se desviar da diretriz normativa.

A inclusão indevida de valores de recompensa no GGR leva a distorções na base de cálculo de tributos e destinações sociais, prejudicando tanto os operadores e gerando insegurança jurídica, na medida em que afronta o art. 150, I, da Constituição Federal que veda à União exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, bem como o art. 113 do Código Tributário Nacional, que impede a cobrança de tributo sem que haja a ocorrência do respectivo fato gerador e o art. 108, 1º, do mesmo diploma, que impede o emprego da analogia para cobrar tributo não previsto em lei. De forma ampla, observa-se que a Nota Técnica afronta o princípio da legalidade.

Conclusão

A regulamentação do GGR e o tratamento das recompensas nas apostas de quota fixa são temas complexos que exigem uma interpretação cuidadosa das normas. A Nota Técnica SPA MF nº 299 avança ao trazer diretrizes claras, mas peca ao não considerar a natureza das recompensas como despesas. Para garantir a segurança jurídica é importante que futuras normativas corrijam essas contradições e alinhem-se estritamente aos requisitos legais estabelecidos pela Lei 13.756/18.

(*) Rafael Marchetti Marcondes é professor de Direito Esportivo, de Entretenimento e Tributário. Doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. MBA em gestão esportiva pelo ISDE de Barcelona/ES. MBA em gestão de apostas esportivas pela Universidade de Ohio/EUA. Chief Legal Officer no Rei do Pitaco. Presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sport (ABFS). Diretor jurídico do Instituto Brasileiro pelo Jogo Responsável (IBJR). Diretor de Relações Governamentais da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte (ABRADIE).

O artigo foi veiculado no site Lei em Campo.

 

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