Apostas online e jogos eletrônicos: como ficam com mudanças na tributação
O mercado de apostas esportivas, que deslanchou principalmente na internet, entrou na mira do governo Lula. De olho no volume de recursos que são movimentados, o Ministério da Fazenda prepara medida provisória para taxar tanto empresas quanto apostadores. As alíquotas poderiam ficar entre 15% (empresas) e 30% (apostadores) – neste último caso, com a previsão de isentar os prêmios com valor inferior ao da primeira faixa do Imposto de Renda, atualmente em R$ 1.903,98.
É preciso lembrar que essas apostas estão liberadas no País desde 2018; o que faltava era a sua regulamentação. É o que o governo pretende fazer agora. A movimentação acabou jogando luz em outro segmento de mercado – o de jogos eletrônicos (games), que nem sequer conta com marco legal no País.
Para entender um pouco mais o que deve acontecer, a coluna conversou com Marcelo Padua Lima, sócio do Cascione Advogados, escritório especializado em questões relacionadas à legislação e regulamentação bancária, de pagamentos, do mercado de valores mobiliários, de câmbio e investimento estrangeiro. “Se comparado com outros países que já têm algum tipo de regulamentação com relação a estas matérias, como o Reino Unido, é possível que o atraso na regulamentação esteja prejudicando o desenvolvimento desses segmentos na economia do país”, afirma.
O governo quer taxar os jogos eletrônicos no Brasil. Representantes do setor se mostram favoráveis, pois oficializa esse mercado. Como o sr. vê essa questão?
Desde o final da gestão do ex-presidente Temer, quando foi publicada a Lei n.º 13.756/18, o segmento de apostas esportivas aguarda a edição de regulamentação no País. A regulamentação deverá trazer mais clareza e segurança jurídica a jogadores e empreendedores que buscam desenvolver seus negócios, bem como possibilitará novas fontes de arrecadação de tributos para o governo. Mas até o momento a regulamentação não foi editada. Apesar disso, o atual governo tem sinalizado sua intenção de regulamentar as apostas esportivas, em especial para ampliar as fontes de arrecadação de tributos. Os jogos eletrônicos (ou games), por sua vez, não contam com marco legal ou regulamentação no Brasil. Apesar disso, atualmente está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei (PL 2796/21) que propõe criar o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos no País – uma indústria cada vez mais relevante e que rivaliza com as indústrias musical, cinematográfica e de streaming. A redação atual do projeto de lei afasta qualquer equiparação dos jogos eletrônicos a máquinas de caça-níqueis e outros jogos de azar semelhantes (como as apostas esportivas). O principal objetivo do projeto de lei é fomentar a indústria de jogos eletrônicos, assegurando de forma expressa a liberdade para a realização dessas atividades e concedendo incentivos fiscais para o setor. Note-se que o viés do projeto de lei é de desoneração tributária dos jogos eletrônicos, diferentemente do que se busca no caso das apostas esportivas.
Quem ganha e quem perde com isso?
A regulamentação das apostas esportivas pode beneficiar uma série de partes, destacando-se: apostadores, que terão maior proteção legal e potencialmente maior facilidade para exercer seus direitos; empreendedores, que terão maior segurança jurídica para desenvolver suas atividades no País; governo, que poderá fomentar um mercado em expansão e aumentar a arrecadação tributária; e entidades esportivas, que poderão receber novas fontes de receita, conforme contribuam para a divulgação e execução das loterias de apostas esportivas. É possível que a regulamentação crie restrições a empresas estrangeiras que não tenham interesse em desenvolver suas atividades localmente. Neste caso, estas empresas serão prejudicadas. Além disso, a regulamentação das apostas esportivas pode trazer desconforto para parcela da sociedade brasileira que é desfavorável à prática de apostas em geral. A regulamentação dos jogos eletrônicos, por sua vez, tende a trazer benefícios para as empresas do setor, que poderão reduzir a sua carga fiscal. Os incentivos fiscais também podem fomentar a vinda ao Brasil de empresas estrangeiras que atuam no desenvolvimento e produção de jogos eletrônicos e gerar mais empregos no País. Adicionalmente, a desoneração fiscal pode trazer benefícios indiretos aos consumidores de jogos eletrônicos, desde que a economia tributária se reverta em redução nos preços dos produtos.
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) elaborou uma nota técnica bem interessante a respeito do tema, cujo teor pode influenciar algumas ações civis públicas que foram propostas contra grandes distribuidoras de jogos online. O que significa na prática? Qual o impacto no mercado – para empresas (aplicativos) e/ou jogadores?
O TJDFT emitiu neste ano a Nota Técnica CIJDF n.º 9/2023 que trata de “loot boxes” (“caixa de recompensa”, em tradução livre). Ainda é cedo para avaliar em que medida a nota técnica irá,efetivamente, impactar as ações civis públicas em tramitação (que questionam a sistemática de monetização via “loot boxes” e buscam tipificar a atividade como jogo de azar), mas entendemos que o trabalho desenvolvido pelo Centrode Inteligência da Justiça do Distrito Federal na análise sobre as “loot boxes” tem um grande valor para o debate do assunto no País. Além disso, a referida nota indica que experiências regulatórias internacionais servem para enriquecer o debate sobre as “loot boxes”, mas que não deveriam ser encaradas como “soluções de prateleira”, tendo em vista as particularidades da sociedade brasileira e os diversos interesses envolvidos. Enquanto não há uma definição legal ou entendimento claro dos tribunais a respeito do tema, empresas que desenvolvem e distribuem jogos eletrônicos teriam condições de seguir implementando as “loot boxes”, embora esta prática não esteja livre de riscos jurídicos no cenário atual. Neste contexto, resta às empresas atuantes no setor tomar determinadas medidas para mitigação dos riscos associados à oferta de “loot boxes”, como dar transparência sobre as probabilidades de obtenção de itens disponibilizados nas “loot boxes”; limitar a oferta por meio de “loot boxes” apenas a itens estéticos;e observar as normas de proteção de crianças e adolescentes na publicidade de “loot boxes”, bem como inserir mecanismos de controle parental para garantir o acesso adequado.
O País está atrasado em relação a regulamentação desse mercado se comparado a outros países como EUA ou mesmo Europa? Por quê?
O Brasil ainda não regulamentou as apostas esportivas e os jogos eletrônicos (incluindo-se as “loot boxes”). Esse fato traz alguns desafios para o desenvolvimento do setor e aumenta a insegurança jurídica para os jogadores/apostadores e empreendedores, bem como afeta potencial receita que o governo poderia obter com a arrecadação de tributos, em especial sobre as apostas esportivas. Se comparado com outros países que já têm algum tipo de regulamentação com relação a estas matérias, como o Reino Unido, é possível que o atraso na regulamentação esteja prejudicando o desenvolvimento desses segmentos na economia do País. O atual governo e legislatura provavelmente tomarão medidas para regulamentar parte ou a totalidade destas matérias no futuro próximo, com destaque para as apostas esportivas. Espera-se que, com a regulamentação, as principais incertezas jurídicas sejam sanadas e o desenvolvimento do mercado seja pavimentado, com repercussões positivas para os agentes envolvidos. (Veja.com.br – Neuza Sanches)