Grupo Silvio Santos poderá ser condenado a devolver 2,3 bilhões.

Especial I 14.03.02

Por: sync

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Procuradores apontam que o povo é lesado com jogo de azar vendido por uma empresa pública
O Ministério Público Federal pediu à Justiça que a Liderança Capitalização, do Grupo Silvio Santos, devolva cerca de US$ 1 bilhão (R$ 2,3 bilhões) à União, angariados durante 11 anos com a Tele Sena. Também foi pedida a condenação de diretores da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) por danos financeiros contra os cofres públicos e por ferir a moralidade pública, ao apoiar uma “loteria particular”.
Para o MPF, a Tele Sena não é título de capitalização, mas sim jogo ilegal, vendido nas 12 mil agências do Correio. O processo, que começou em 1992, está agora com o relator, juiz federal Manoel Álvares. O julgamento, já em segunda instância, será feito por 12 desembargadores, entre junho e agosto.
A procuradora Maria Iraneide Santoro Facchini emitiu parecer, de 25 páginas, argumentando os fatores contrários à Liderança e à ECT. Segundo ela, a remuneração paga pela Liderança à ECT, de 8% do valor de face da cartela da Tele Sena, é “vil”, incompatível com a contraprestação oferecida por empresa pública para jogo de azar, proibido pela lei.
A remuneração paga pela Liderança à ECT é equivalente a 50% do mais simples serviço de postagem. Segundo a procuradora, os 75 mil funcionários da ECT são usados em prol de “loteria privada”, enquanto que as filas revelam a olhos vistos os prejuízos aos usuários. Desventura e ilegalidade Em seu parecer, a procuradora diz ainda que a ECT se desviou de sua finalidade ao se lançar “na aventura (ou desventura) de descapitalizar a população carente, para enriquecer mais ainda o Grupo Silvio Santos”. Ela cita o artigo 11 da Lei 4.717/65, que determina o pagamento de perdas e danos por esse tipo de prática. Segundo ela, a ECT recebeu US$ 234 milhões (R$ 538 milhões) em 11 anos de contrato, enquanto que a Tele Sena arrecadou pelo menos US$ 2,5 bilhões (R$ 5,75 bilhões) no mesmo período.
A procuradora reclama do argumento da ECT no processo, de que o acordo com SBT foi convertido em propaganda: “Ora, por que precisaria a ECT de propaganda?”
A ilegalidade da Tele Sena é apontada pela procuradora pelo fato de que os “incautos investidores” são mais interessados no aspecto de jogo de azar e por ignorarem que adquiriram títulos de capitalização. Como a maior parte deles joga fora a cartela, achando que só era um jogo, a Liderança fica com o dinheiro “capitalizado”.
Pelas regras, ao final de um ano o comprador da cartela pode resgatar 50% do que gastou, corrigidos com juros e correção monetária. Mas o dinheiro teria ficado com a Liderança, em vez de ser repassado a algum fundo público.
O MPF não pretende pedir liminarmente que a Tele Sena seja encerrada, porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou contrário à suspensão.
O autor da ação que resultou no processo, ex-deputado estadual José Carlos Tonin, acredita que além de devolver o dinheiro, a Justiça acabará com a Tele Sena e processará a ECT.
“Os Correios não podem servir como lugar de jogatina”, disse Tonin. Na primeira instância, em 97, a autorização dada à Liderança pelo Governo foi anulada. Com o recurso, caberá agora ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidir.

Empresário ratifica ilegalidade do jogo
No parecer da semana passada, o Ministério Público Federal reproduziu trechos de carta manuscrita que o próprio empresário Silvio Santos enviou aos desembargadores, em janeiro de 2000. Para o MPF, na tentativa de se defender, o empresário acabou ratificando a ilegalidade da Tele Sena. Na carta, de 24 páginas, ele conta que criou a Tele Sena, em 1991, para cobrir os prejuízos do SBT e impedir uma falência. Segundo ele disse, até o pacote de filmes da Warner e da Disney, adquiridos na época, foram viabilizados pela Tele Sena.
Um dos destinatários da carta, a desembargadora Therezinha Cazerta, considerou que o documento ratificou ainda mais a acusação. Ela votou contra a Tele Sena. O voto da desembargadora foi reproduzido pela procuradora Maria Iraneide Santoro Facchini, na elaboração do seu parecer. Abaixo, os trechos da carta destacados no processo:
“Imaginei (…) plano de capitalização que pudesse salvar os negócios.”
“O sucesso surpreendente deste título Tele Sena (…) fez com que as minhas empresas, que eram pequenas e estavam com problemas, quase insolventes, se transformassem em grandes empresas.”
“Para que os senhores tenham uma idéia, a Tele Sena gerou em oito anos um lucro que está sustentando todas as empresas do grupo, que dão prejuízo.”
“Em todos esses 8 anos, o resultado do grupo só foi lucrativo em razão da Tele Sena.”
Ainda na trascrição do voto da desembargadora, o parecer destaca o uso da máquina pública e a lesão aos cofres públicos:
Utilizou-se toda a estrutura da ECT, toda a máquina pública, para a distribuição nacional de títulos de capitalização, atividade essa que não se insere dentre aquelas de responsabilidade dos Correios- diz a desembargadora.
Diário de São Paulo – SP

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