História do início da matematização das probabilidades

Especial I 09.09.02

Por: sync

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Até recentemente, era comum creditar-se a decisão de qualquer evento aos deuses ou alguma outra causa sobrenatural. Simplesmente não havia espaço para uma abordagem que atribuisse ao acaso, e tão somente a ele, essas ocorrências.
Isso foi muito bem resumido por M. G. Kendall, quando disse:
"A Humanidade precisou de centenas de anos para se acostumar com um mundo onde alguns eventos não tinham causa… ou eram determinados por causas tão remotas que somente podiam ser razoavelmente representados por modelos não-casuais."
Tendo isso em vista, fica mais fácil percebermos porque a abordagem matemática do acaso, do azar e do risco só iniciou há pouco mais de 500 anos. A disciplina que assim foi construída, a Teoria das Probabilidades, nasceu , mais precisamente falando, das tentativas de quantificação dos riscos dos seguros e de avaliar as chances de se ganhar em jogos de azar.
OS JOGOS DE AZAR
Surgimento dos jogos de azar

Os jogos de azar são, provavelmente, tão velhos quanto a Humanidade: temos provas arqueológicas da prática do jogo do osso há 40 000 anos. Ademais, jogava-se e joga-se praticamente pelo mundo inteiro, sendo raras as sociedades que não o faziam ( polinésios, siberianos, e algumas outras ). Historicamente, os jogos mais praticados foram o do osso ( conhecido pelo mundo inteiro ) e o de dados ( surgiu na India e Mesopotamia c. 3 000 AC, como evolução do jogo do osso, e daí se difundiu para o mundo grego, romano e cristão ).É também importante lembrar que antigamente jogava-se em apostas bem como para prever o futuro, decidir disputas, dividir heranças, etc.
As mais antigas matematizações de jogos de azar

Resumem-se na mera enumeração das possibilidades de se obter um dado resultado no jogo, não havendo preocupação probabilista explícita.

Curiosamente, o mais antigo desses registros ocorre num contexto nada profano: c. 950 dC um bispo belga, Wibold, inventou um jogo religioso que, a cada um dos 56 possíveis resultados do lance de 3 dados, atribuia uma penitência ou a prática de uma virtude correspondente. Em várias obras literárias medievais ( inclusive na Divina Comédia de Dante ) encontramos enumeração das possibilidades de se obter o resultado 2, 3,…,12 ao jogar dois dados, idem de se obter 3,4,…,18 ao jogar três dados, etc.

Os primeiros cálculos de probabilidades em jogos de azar

Os italianos quinhentistas foram os primeiros a fazerem cálculos probabilísticos. Precisando comparar frequências de ocorrências e estimar ganhos em jogos de azar, eles foram além da mera enumeração de possibilidades. Contudo, limitaram-se a resolver problemas concretos, ainda não havia produção de teoremas.

Pacioli c. 1 500
em sua famosa Summa, estudou um problema que se tornou famoso como Problema dos Pontos: Dois jogadores disputavam um prêmio que seria dado a quem primeiro fizesse 6 pontos no jogo da balla. Quando o primeiro jogador tinha 5 pontos e o segundo tinha 3 pontos, foi preciso interromper o jogo. Como dividir o prêmio ?
Sua solução, corretamente, faz uma divisão proporcional à probabilidade de vitória de cada jogador. Assim foi introduzida, de modo bastante intuitivo, a noção de esperança matemática, ou seja o produto do ganho eventual pela probabilidade desse ganho.
Cardano 1 526
escreveu um pequeno Manual de Jogos de Azar ( Liber de Ludo Aleae ) onde resolveu vários problemas de enumeração e retomou os problemas abordados por Pacioli.

Não seria exagerado dizermos que Cardano é o iniciador do estudo MATEMÁTICO das probabilidades. Com efeito, Cardano foi o primeiro a introduzir técnicas de Combinatória para calcular a quantidade de possibilidades favoráveis num evento aleatório e, assim, poder calcular a probabilidade de ocorrência do evento como a razão entre a quantidade de possibilidades favoráveis e a quantidade total de possibilidades associadas ao evento. Limitou-se, contudo, a resolver problemas concretos ( ou seja: problemas com dados estritamente numéricos ). Ademais, não produziu teoremas.

Tartaglia 1 556
Resume-se a dedicar algumas páginas de seu livro General Trattato aos problemas de Pacioli.
Galileo c. 1 590
é autor de outro manual sobre jogos, o Considerações sobre o Jogo de Dados. Nos parece ter sido aí a primeira vez que se faz uma comparação explícita de frequências de ocorrência. Nesse livrinho, entre outras coisas, Galileo explica a um amigo porque , embora sejam 6 as somas que permitem fazermos 9 pontos ao jogarmos 3 dados e tambem 6 as que fazem 10 pontos, a experiência mostra que o 10 é mais comum de ocorrer do que o 9.

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