IR de prêmios lotéricos diretamente nos cofres dos estados e municípios

Loteria, Opinião I 03.05.24

Por: Magno José

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IR de prêmios lotéricos diretamente nos cofres dos estados e municípios
Daniella Soares de Miranda*

Muito se tem comentado acerca da ideal tributação dos prêmios de loterias, seus percentuais e forma de recolhimento, principalmente após a publicação da Lei Federal n. 14.790/23.

Porém algo que estados e municípios não estão se atendando ou ao menos não vem sendo ventilado nos estudos prévios de licitações é o fato de o imposto de renda sobre a premiação poder se somar às receitas desses entes federados, no exercício da exploração do serviço de loteria.

A Constituição Federal é bem clara ao definir em seu art. 157, I e 158, I que PERTENCEM aos estados e municípios “o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;”

Significa dizer que, se o Imposto de Renda sobre os prêmios de loterias pagos pelos estados e municípios preencherem esses requisitos constitucionais, esses entes estão legitimados a se apropriarem desses valores sem qualquer óbice.

Para isso, vamos destacar, uma a uma, as expressões relevantes desse trecho constitucional: (i)Incidente na fonte, (ii) sobre rendimentos pagos a qualquer título, (iii) Pagos por eles, suas autarquias e fundações.

Incidente na fonte

Trazendo o Regulamento do Imposto de Renda (Decreto Federal n. 9.580/18) para análise, vemos que seu art. 732 deixa encartado que os prêmios de Loterias sofrerão a tributação na fonte, de forma exclusiva: “Ficam sujeitos à incidência do imposto sobre a renda exclusivamente na fonte, à alíquota de trinta por cento os lucros decorrentes de prêmios em dinheiro obtidos em loterias…”

Esse aspecto é bem trabalhado pela União e estados que já operam loterias, não havendo questionamento quanto a sua aplicação. No momento do resgate do prêmio pelo ganhador, é destacado 30% sobre o valor que ultrapassar a faixa de isenção estabelecida pela tabela progressiva do Imposto de Renda. Assim, ao anunciar um prêmio, deve-se fazer por seu valor líquido, quele destinado efetivamente ao ganhador ou deixar claro que, sobre o prêmio, recairá o desconto, na fonte, do Imposto de Renda.

Portanto, os prêmios de loteria satisfazem ao primeiro critério. Imposto de Renda deverá incidir na fonte.

Rendimentos pagos a qualquer título

A Receita Federal, de olho em sua arrecadação, positivou o entendimento segundo o qual a expressão “rendimentos pagos a qualquer título” presente no art. 158 da CR/88 estaria restrita aos rendimentos do trabalho dos servidores e empregados, pagos diretamente pelos municípios, suas autarquias e fundações. Instrução Normativa 1.599/2015 da RFB, editada com a finalidade de interpretar dispositivo constitucional. Posteriormente o texto foi revogado.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ACO 2.866, trouxe nova perspectiva. Segundo a corte, a expressão “rendimentos pagos a qualquer título”, encartada pela Constituição Federal, nitidamente demostra a intenção do legislador em ampliar as hipóteses de abrangência desses “rendimentos” de modo que não se mostra legítima a interpretação tendente a restringir sua aplicação. E segue nos seguintes termos: “Ainda que em dado momento alguns entes federados, incluindo a União, tenham adotado entendimento restritivo relativamente ao disposto no art. 158, I, da Constituição Federal, tal entendimento vai de encontro à literalidade do referido dispositivo constitucional, devendo ser extirpado do ordenamento jurídico pátrio.”

Esse tema se fez tão relevante que o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese, objeto de Repercussão Geral sob o n. 1.130: “Pertencem aos Municípios, aos Estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme dispõe nos arts. 158,I e 157, I da Constituição Federal.”

Isso nos leva ao inafastável entendimento de que os prêmios de loterias estão abrangidos pela expressão “rendimentos pagos a qualquer título” já que não se pode imprimir interpretação restritiva ao texto constitucional que, pela literalidade, comporta efeito ampliativo.

Portanto, os prêmios de loterias cumprem mais um dos três critérios aqui levantados.

Pagos por eles, suas autarquias e fundações

Nesse tópico vem importante informação sob a qual colocaremos holofote.

Veja-se que a Constituição Federal declara ser de titularidade dos estados e municípios o Imposto de Renda retidos por eles, na fonte, quando eles-entes subnacionais- estiverem na posição de pagantes.

Essa prerrogativa advém do sistema constitucional de repartição de receitas que, por sua vez, materializa o federalismo cooperativista brasileiro.

A dinâmica é simples. A União tem competência legislativa para instituir o tributo- Imposto sobre a Renda. Uma vez instituído, os estados, DF e municípios tem autonomia para arrecadar e apropriar-se dessa receita quando figurarem como pagadores, nos moldes do art. 158, I e 157, I.

Esse é o modelo de participação direta dos entes na receita do Imposto da União. Além disso lhes assiste também o direito de participação indireta nessa receita por meio dos diversos fundos criados (FPM-FPE).

É dessa maneira que se estabelece e fortalece a independência financeiras dos entes federados.

Porém, o detalhe reside no fato de a apropriação somente ser legítima quando esses entes realizarem o pagamento diretamente por si, suas autarquias e fundações. Isso significa que o pagamento quando realizado por exemplo, por concessionárias, não se aplica essa regra constitucional.

Trazendo para o cenário das Loterias, podemos dizer que somente quando os entes (estados, DF e municípios) efetivamente realizarem o pagamento dos prêmios aos ganhadores, poderão se apropriar dessa receita do IRRF.

Aqui, ao contrário do tópico anterior, a Constituição foi bastante específica e restritiva, não admitindo a extensão do benefício quando o pagamento for realizado por pessoas diversas dos estados, DF, municípios, suas autarquias e fundações.

Trazendo mais alguns dados para o tema, a Caixa Econômica Federal arrecadou, no ano de 2023 a título de Imposto de Renda sobre os prêmios de loteria, o montante de R$ 1.862.867,00 o que representa em torno de 8 % da sua arrecadação total com os jogos lotéricos.

Sem dúvida é uma receita que, guardando as devidas proporções em relação à grandeza dos prêmios oferecidos pela União, deveria ser considerada pelos demais entes federados no momento da formatação do modelo de exploração do serviço público de loterias.

(*) Daniella Soares de Miranda é advogada e proprietária do Escritório de Advocacia – DMFRANCA ADVOGADOS. www.dmfranca.com.

 

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