Ação Direta de Inconstitucionalidade busca garantir a plena autonomia dos estados na exploração de loterias
O setor lotérico brasileiro vem nos últimos anos sendo palco de muitas brigas judiciais e passando por importantes mudanças. Ainda na primeira década dos anos 2000, a União e alguns Estados da federação já vinham se digladiando nos Tribunais tentando garantir para si a exclusividade ou concorrência na exploração de loterias. A União sustentava como principais fundamentos para a defesa do seu monopólio, o que dispunham o artigo 22, inciso XX da Constituição Federal de 1988 e o artigo 32 do Decreto Lei nº 204/1967. Basicamente sustentavam a exclusividade para legislar e explorar a atividade
O Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a proferir decisões em caráter liminar permitindo que alguns Estados, em especial aqueles que tivessem serviços lotéricos anteriores ao Decreto-Lei 204/67, pudessem continuar mantendo suas loterias, ficando esses numa espécie de limbo jurídico e, portanto, aptos para explorar loterias.
Ocorre que, em setembro de 2020 veio a ocorrer o julgamento conjunto das ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF´s) 492 e 493 e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.986, que constituiu um divisor de águas na regulamentação das loterias no Brasil. Na ocasião, o STF declarou a não recepção de artigos do Decreto-Lei 204/1967, que conferiam exclusividade à União na exploração das loterias. O entendimento do STF consolidado no referido julgamento foi crucial para abrir caminho para a atuação dos estados nesse setor.
A decisão reconheceu a competência dos Estados e dos Municípios de explorarem quaisquer loterias criadas pela legislação federal, fortalecendo o princípio federativo, a autonomia e isonomia desses entes federativos. Pode-se dizer que as posteriores alterações na Lei Federal nº 13.756, trazidas pela Lei nº 14.790 de 2023, foram diretamente influenciadas pelos julgamentos das citadas ADPFs.
Tudo estava aparentemente pacificado, mas eis que surge mais um capítulo nessa novela. A recente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7640, proposta pelos governadores dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e do Distrito Federal no dia 03 de maio de 2024, que se encontra sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, representa mais um capítulo na longa luta pela autonomia estadual na exploração de serviços lotéricos. Os Estados demandantes questionam agora a constitucionalidade de parte da Lei Federal nº 13.756 de 12/12/2018, alterada pela Lei nº 14.790 de 29/12/2023 que, segundo eles, impõem indevidas restrições à atuação dos estados nesse setor.
Dois pontos principais são contestados: (i) a limitação que permite a um mesmo grupo econômico ou pessoa jurídica operar loterias em apenas um estado, e (ii) a restrição à publicidade dessas loterias fora dos limites territoriais estaduais. Tais medidas são vistas como inconstitucionais, pois na ótica dos Estados Demandantes ferem o pacto federativo e o objetivo fundamental de redução da desigualdade regional, a competência dos Estados para explorar serviços públicos estaduais, a possibilidade de delegação do serviço à iniciativa privada, a igualdade de condições nas licitações e os princípios da livre concorrência e defesa do consumidor.
Os já citados precedentes recentes do STF, especialmente no julgamento conjunto nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 492 e 493 assim como na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.986, deixaram evidente a competência dos estados e municípios para explorar serviços lotéricos.
Porém, a ADI nº 7640 busca agora a suspensão imediata dessas restrições constantes na Lei Federal nº 13.756 de 12/12/2018, em face das alterações trazidas pela Lei nº 14.790 de 29/12/2023 e, ao final, a declaração de sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, argumentando que elas criam desigualdades regionais, prejudicam a competitividade e limitam a eficiência das loterias estaduais. Ao garantir a possibilidade de delegação do serviço à iniciativa privada sem barreiras que na ótica dos Estados são indevidas, espera-se fomentar um ambiente mais justo e competitivo, beneficiando Estados e consumidores.
Esta ação não é apenas uma mera questão jurídica, mas pode igualmente se converter em mais um passo crucial para assegurar que os Estados da Federação possam exercer plenamente suas competências e explorar seus recursos de forma eficiente, contribuindo para a redução das desigualdades regionais e fortalecendo o pacto federativo.
(*) Alexandre Lustosa é advogado formado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), ex-membro diretor da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-PE e sócio do Lustosa, Gouveia & Correia Advogados.