Como um aposentado usou a matemática para ganhar R$ 135 milhões na loteria

Acertar as seis dezenas é um golpe de sorte, claro. Mas um casal norte-americano usou a matemática para conseguir faturar US$ 26 milhões – o equivalente a R$ 135 milhões – em uma loteria dos Estados Unidos.
No caso deles, a bolada não foi de uma só vez. Os aposentados Jerry e Marge Selbee precisaram de nove anos, muita aritmética e milhares de quilômetros rodados para conseguir essa fortuna — tudo dentro da lei. “A única coisa que achei notável foi que ninguém mais tivesse percebido isso”, comenta ele, em entrevista veiculada por uma rede de TV americana.
Bacharel em matemática pela Western Michigan University, Jerry Selbee não se tornou professor nem pesquisador. Acabou montando uma loja de conveniência na rua principal da pacata cidade de Evart, que tem menos de 1900 habitantes. Por 17 anos, sua vida se resumiu ao comércio: a ele cabia atender os que procuravam cigarros e bebidas, Marge fazia os sanduíches e se encarregava dos jornais, revistas e livros.
Quando Jerry completou 62 anos — Marge é um ano mais velha —, o casal decidiu que era hora de se aposentar. Os seis filhos já estavam criados, afinal. Venderam a loja e o plano era curtir uma velhice tranquila.
Foi quando menos de dois anos depois o aposentado descobriu uma loteria chamada Winfall.
O plano
Sem vícios, e com um raro histórico de nunca terem apostado um centavo em qualquer jogo de azar, era pouco provável que os Selbee se tornassem jogadores contumazes. No caso deles, contudo, a esperança não residia na sorte — e sim numa ciência exata, a matemática.
Numa manhã de sábado, quando preparava o café, Marge viu que o marido fazia contas e contas a lápis em um bloco de notas. Parecia mais concentrado que o normal. “No que você está trabalhando?”, perguntou. “Algum problema?”
Ele continuou rabiscando. Quando concluiu, fechou o bloquinho e olhou para a mulher.
“Acho que ganhamos na loteria”, disse.
Só então ele revelou para a mulher seu plano de alguns meses atrás. Jerry havia descoberto uma brecha que permitiria ganhar sempre mais dinheiro do que o investido no jogo Winfall.
Tudo começou quando ele passava pela loja de conveniência que tinham vendido pouco tempo antes. Viu um folheto explicando as regras do jogo de loteria Winfall. Sua cabeça de matemático funcionou. “Em três minutos descobri qual era o potencial”, relembra. “Três minutos. Eu encontrei, digamos, eu encontrei um recurso especial.”
A explicação é a seguinte: a Winfall era uma loteria em que os apostadores precisavam escolher seis números entre 1 e 49. Quem adivinhasse dois, três, quatro ou cinco números recebia um prêmio — maior quanto mais fossem os números acertados. Para ser o grande ganhador era preciso marcar os seis números: aí o prêmio era de, pelo menos, US$ 2 milhões.
Até aí tudo bem. Nada muito diferente de qualquer loteria. Mas o Winfall tinha um jeito próprio de acumular em caso de não haver ganhador do grande prêmio: os valores iam crescendo até atingir US$ 5 milhões. Então, esse montante se convertia em prêmios na aposta seguinte, tendo ou não um acertador dos seis números.
Ou seja: a cada vez que a cifra chegava nesses US$ 5 milhões, a probabilidade de alguém faturar mais alto com quatro ou cinco números acertados aumentava muito. Jerry pesquisou e notou que isso ocorria mais ou menos a cada três meses. E era nessas datas que estavam suas chances.
Pelas suas contas, descobriu que se apostasse US$ 1,1 mil em uma dessas situações, matematicamente ganharia cerca de US$ 1,9 mil somando os bilhetes de acertos menores que teria. “Um ganho de um pouco mais de 80%, não é?”, comenta. “Usando apenas aritmética básica.”
Da primeira vez, ele decidiu fazer o “teste” sem contar para a mulher. Comprou US$ 3,6 mil em bilhetes e faturou US$ 6,3 mil. Três meses depois, refez a aposta, repetindo o estratagema: investiu US$ 8 mil e ganhou quase o dobro.
Foi quando, após recapitular todas as contas em seu bloquinho, decidiu revelar para Marge o que andava fazendo. “Não fiquei surpreendida”, diz a mulher, com um sorriso de quem confia nas peripécias matemáticas do marido.
“Eu simplesmente não conseguia, simplesmente não conseguia entender como ninguém havia pensado nisso antes”, reflete Jerry. “Fiquei muito feliz”, afirma Marge.
A partir daí o casal de aposentados havia encontrado uma adrenalina para curtir a vida.
Aumentando a aposta
Eles resolveram que, para a tática valer a pena, era melhor aumentar o valor das apostas. Tornaram a brincadeira mais profissional. Contaram a ideia para amigos e parentes e idealizaram um sistema de cotização para que todos pudessem participar do empreendimento. Para gerir tudo, fundaram uma empresa, a G.S. Investment Strategies. E quem queria participar do esquema precisava desembolsar cotas de US$ 500.
Em 2005, o grupo de apostadores já somava 25 participantes. E alguns deles chegavam a desembolsar US$ 8 mil por vez. Era o golpe perfeito. E tudo dentro da lei — ou sem ferir nenhuma regra do jogo. Então veio a notícia: o estado de Michigan havia decidido encerrar essa loteria, alegando baixo número de apostas.
Mas a aventura do casal Selbee ainda estava longe de acabar. “Um dos nossos acionistas me enviou um e-mail dizendo que em Massachusetts havia um jogo similar, chamado Cash Winfall. E ele me perguntou se daria certo jogarmos lá”, relata.
Jerry pegou mais uma vez seu bloquinho. Deteve-se sobre as regras dessa outra loteria e fez todas as contas. “Em dez minutos descobri que, sim, poderíamos jogar esse jogo”, recorda.
Então foi a hora de botar o pé na estrada. Toda vez que o valor acumulava em Massachusetts, os Selbee dirigiam por 1,4 mil quilômetros até o estado. Lá, passavam de loja de conveniência em loja de conveniência comprando todos os bilhetes possíveis.
O trabalho não terminava aí. Eles se hospedavam em um hotel de beira de estrada e tinham de separar, manualmente, todos os tíquetes do jogo, classificando-os para facilitar a conferência. De acordo com Marge, era um trabalho de 10 horas por dia durante 10 dias.
E encontrar os bilhetes vencedores era algo empolgante. “Foi divertido”, afirma Marge. “Sim, foi divertido fazer isso”, concorda Jerry. “Você fica doidão”, empolga-se a aposentada.
Eles decidiram arquivar todos os bilhetes perdedores, para o caso de alguma investigação, alguma auditoria federal, quiser comprovar a legitimidade de suas apostas. No total, guardam 18 milhões de tíquetes. No começo, elas ficavam em sacolas no sótão da despensa. Depois, foi necessário ocupar a despensa toda.
Também conservam um caderno com os registros de tudo o que fizeram. “Aqui está um jogo que fez muito sucesso. Jogamos US$ 515 mil e recebemos US$ 853 mil de volta”, mostra Jerry. “Foi um bom retorno.” Nos últimos anos, as apostas costumavam ser de mais de US$ 600 mil por rodada — e a loteria de Massachussets chegava a acumular sete vezes por ano.
Fim da linha
A aventura chegou ao fim em 2012, graças a um trabalho investigativo do jornal Boston Globe. Os repórteres descobriram que dois grupos estavam faturando a maior parte das apostas do Cash Winfall: o casal Selbee e alguns estudantes de matemática do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que há sete anos haviam descoberto a mesma brecha.
Uma investigação foi aberta mas a conclusão era de que ninguém havia fraudado nada nem cometido nenhuma ilegalidade. A loteria teve de mudar suas regras.
O grupo do MIT apostou cerca de US$ 18 milhões e teve um lucro total de mais de US$ 3,5 milhões. Já os aposentados tiveram um faturamento bruto de US$ 26 milhões, que renderam um lucro de US$ 8 milhões. Dizem que investiram tudo na reforma da casa e ajudando seus seis filhos, 14 netos e 10 bisnetos com despesas de educação.
Em 2019, os Selbee venderam para Hollywood os direitos sobre sua história, que virou o filme ‘Jerry & Marge go large’ e será lançado no dia 17 de junho.
Na pequena Evart, o casal leva a mesma vida simples de antes de se tornarem ganhadores da loteria. Atualmente, o único jogo a que se permitem são as rodadas de pôquer com os amigos. (O Globo e Revista Época)
Filme sobre a brecha matemática na loteria de Massachusetts será lançado no dia 17 de junho