Defender o IS sobre jogos não é ser seletivo
Com o avanço da Reforma Tributária no Congresso Nacional, muito tem se falado sobre a seletividade, já que o nosso sistema tributário deve ganhar um novo tributo: o Imposto Seletivo (IS).
Mas o que é ser seletivo? Nos termos do artigo 393 do PLP 68/24, é escolher, para fins de oneração, as operações relacionadas a bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
A lista de atividades a serem tributadas pelo IS contempla setores como o de tabaco e de veículos automotores.
A lista é extensa e variada. Há aqueles que estão dentro e querem sair, como as bebidas açucaradas. Existem os que estão fora e querem continuar assim, como os alimentos ultraprocessados. E há, acreditem, quem não está na lista de atividades tributadas e quer entrar, como o caso do Vape, que vê no IS um primeiro passo para a descriminalização da venda do produto no Brasil.
O panorama é complexo e, nesse entra e sai do rol das atividades alcançadas pelo IS, muito se debate sobre as apostas de quota fixa (apostas esportivas e jogo online). devem ou não sofrer a incidência do IS? Minha resposta é não. Vou explicar.
O IS é um tributo de natureza extrafiscal. Isso quer dizer que sua finalidade não é arrecadatória, não é engordar os cofres públicos. Seu papel é de estimular ou inibir condutas de acordo com os interesses do Estado. No caso, taxar uma atividade com o IS significa passar a mensagem de que o Brasil não apoia essa conduta. A tolera, mas não apoia.
Mas, querendo ou não, os tributos vão gerar arrecadação para o Estado. Isso é inegável. Por essa razão, os recursos obtidos com tributos de natureza extrafiscal são destinados a corrigir as distorções causadas na sociedade.
Vejamos o caso das apostas de quota fixa. A Lei 13.756/18, em seu artigo 29, prevê que o operador, além de todos os tributos corporativos que qualquer prestador de serviço paga, terá um encargo adicional: uma contribuição de 12% sobre a sua receita bruta.
E qual o propósito dessa carga adicional sobre o setor de jogos? Onerar a atividade. A mensagem que o Estado brasileiro transmite com essa contribuição de 12% é a de que ele respeita o livre-arbítrio das pessoas e tolera a atividade em seu território, mas que não a estimula. Essa é a razão do adicional de 12% incidente sobre o setor. Busca-se inibir uma conduta, sendo a contribuição um instrumento de política pública.
Reforça a natureza extrafiscal da contribuição de 12% prevista na Lei 13.755/18 o fato de os recursos arrecadados terem destinações para as áreas da saúde, da segurança pública e do esporte.
Do texto legal, fica nítida a intenção do legislador de usar a arrecadação para sanar as distorções causadas pelas apostas nessas áreas sociais.
Ainda que não seja do interesse da indústria de jogos, as apostas podem gerar dependência em alguns casos e permitem que infratores se aproveitem do jogo para lavar dinheiro e manipular resultados esportivos. Assim, nada mais razoável que destinar o fruto da arrecadação social para as áreas da saúde, da segurança pública e do esporte.
Assim, se analisarmos a natureza da contribuição de 12% contida na Lei 13.756/18, fica claro que se trata de um encargo extrafiscal, posto pelo legislador para auxiliar o Estado brasileiro a inibir e controlar os jogos.
Diante disso, não faz sentido qualquer proposta de fazer incidir o IS sobre os jogos online. O IS é um instrumento de política extrafiscal, e cobrá-lo de uma atividade que já conta com tal ferramenta não é razoável.
Não faz sentido instituir dois tributos com a mesma natureza e o mesmo propósito. Sendo essa a vontade do Estado, é mais fácil e simples apenas aumentar a alíquota da contribuição de 12% prevista na Lei 13.756/18.
A sugestão de se cobrar o IS do setor de jogos online é ilógica e está eivada de inconstitucionalidade, na medida em que não observa preceitos basilares do direito tributário, como a razoabilidade da cobrança, a proporcionalidade da medida adotada e o não confisco.
A persistir a pretensão de se cobrar, além da contribuição de 12% da Lei 13.756/18, o IS sobre as apostas, a reforma tributária só trará insegurança para um setor que ainda aguarda regulamentação e tenta se organizar, inibindo a atividade econômica no Brasil. A elevação da carga tributária, por meio de um IS de questionável constitucionalidade, só fomenta o mercado paralelo.
Vale lembrar que no país, hoje, os apostadores jogam em sites estrangeiros, que estão bem distantes do alcance do Brasil. Com a regulamentação da atividade, o que se busca é fazer com que essas pessoas que hoje jogam no mercado clandestino venham para o mercado formal.
Não é tarefa fácil. Vale lembrar que o acesso a sites estrangeiros depende de alguns cliques e está acessível a partir do seu telefone celular.
Não estamos diante de uma situação na qual todos os apostadores já estão no mercado regulado e corremos o risco de eles irem para o mercado paralelo. Atualmente, todos já estão no mercado clandestino e precisamos encontrar meios de convencê-los a jogar no mercado formal.
Aumentar tributos para além do razoável certamente não é a melhor alternativa. A preocupação com as externalidades causadas pelo jogo é necessária e deve ser endereçada. Só não se pode perder a mão.
O Brasil, por meio da contribuição de 12% prevista no artigo 29 da Lei 13.756/18, já conta com um instrumento de natureza extrafiscal que se presta a desestimular o jogo (sobre onerando a atividade) e corrigindo suas distorções por meio das verbas arrecadadas. Qualquer pretensão de se cobrar além disso o IS incorrerá em falta de razoabilidade e consequente inconstitucionalidade.
Por tudo isso, é preciso ser verdadeiramente seletivo e fazer incidir o IS somente em setores que precisem de uma atuação indireta do Estado e ainda não contem com mecanismos para implantar políticas socioambientais, o que não é o caso do setor de jogos no Brasil.
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(*) Rafael Marchetti Marcondes é professor de Direito Esportivo, de Entretenimento e Tributário. Doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. MBA em gestão esportiva pelo ISDE de Barcelona/ES. MBA em gestão de apostas esportivas pela Universidade de Ohio/EUA. Chief Legal Officer no Rei do Pitaco. Presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sport (ABFS). Diretor jurídico do Instituto Brasileiro pelo Jogo Responsável (IBJR). Diretor de Relações Governamentais da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte (ABRADIE). O artigo foi veiculado no Lei em Campo.