Editorial Folha de S.Paulo: Apostas sem controle avançam entre os mais vulneráveis
Análise do Banco Central mostra que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets pelo Pix em agosto, o que representa 20% do total repassado pelo programa federal naquele mês. No total, os brasileiros transferiram R$ 21,1 bilhões desse modo a apostas online no período.
O montante real é provavelmente maior, pois o BC não considerou pagamentos realizados com cartões de crédito e débito.
O dado é assustador, dado que os beneficiários do Bolsa Família provêm dos estratos mais pobres do país, e os valores direcionados às bets podem agravar ainda mais a vulnerabilidade social dessa população.
Quando se tira da ilegalidade um produto que gera externalidades negativas, a primeira preocupação dos reguladores deve ser a de evitar explosão do consumo. Isso vale para apostas, drogas e outros comportamentos de risco.
Foi justamente o que os reguladores brasileiros não fizeram. O efeito mais notável da legalização foi a invasão dos meios de comunicação por publicidade de bets —e de um tipo particularmente perverso, insinuando que o serviço é um caminho certo para a ascensão econômica.
Na realidade, contudo, ocorre o contrário. Bancas de apostas só conseguem pagar prêmios e auferir lucros porque a esmagadora maioria dos jogadores perde.
Não se trata, por óbvio, de voltar ao statu quo anterior. O fracasso da guerra às drogas mostra que o proibicionismo é uma política pública fracassada. No entanto é possível —e imprescindível— endurecer a regulação.
A providência mais urgente é restringir severamente a publicidade, ação prevista pela Constituição e aplicada há décadas em relação ao tabaco e ao álcool.
A exemplo dos alertas em maços de cigarro, também é possível obrigar as bets a exibir em seus sites e aplicativos uma página introdutória que explique aos apostadores que suas chances reais de ganhar dinheiro ali são ínfimas.
Isso, é claro, sem prejuízo de outras medidas adotadas em diversos países que se mostraram capazes de reduzir o fardo do jogo, tanto em seus aspectos sanitários quanto econômicos.
Não menos importante é a questão dos impostos. As bets são hoje tributadas em só 12% —e os jogadores ainda pagam 15% sobre o valor dos prêmios. É pouco, dadas as consequências negativas da atividade. Seria o caso de rever para cima essas alíquotas.
Há situações em que impostos muito altos empurram o negócio para o mercado ilegal, mas esse não parece ser o caso do jogo.
A operação depende de transferências monetárias eletrônicas sobre as quais o BC tem grande controle —não se pode fazer Pix para o exterior e poucos têm acesso a cartões de crédito internacionais ou bitcoins.
A melhor política, de fato, não é a proibição das bets. Mas o poder público precisa aperfeiçoar a regulação para modular as externalidades, em prol principalmente da população mais vulnerável. (Editorial – Folha de S.Paulo)