Editorial O Globo: É preciso antecipar monitoramento e fiscalização das bets

Apostas, Opinião I 26.09.24

Por: Magno José

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A opinião do GLOBO: Regulação de apostas esportivas transcende a questão tributária
Inspeção contínua das apostas on-line não pode esperar até janeiro para entrar em vigor

Desde que o Congresso aprovou, no final do ano passado, a legalização das empresas que oferecem apostas on-line (em especial as esportivas), conhecidas como bets, o crescimento do mercado tem sido explosivo. De acordo com uma nota técnica do Banco Central (BC) publicada nesta semana, as transferências de dinheiro às empresas de apostas variaram de R$ 18 bilhões a R$ 21 bilhões por mês neste ano. O BC estima que 24 milhões de brasileiros apostaram no período, tanto em sites de apostas legais — tecnicamente identificadas como “de quota fixa” — quanto nos jogos de azar que permanecem ilegais — como o popular “jogo do tigrinho”. Em agosto, o valor médio apostado flutuou de R$ 100, para os mais jovens, a R$ 3 mil, para os mais velhos.

Desde o início do ano, o Ministério da Fazenda tem baixado diversas portarias destinadas a mitigar os riscos associados à proliferação das apostas, em particular o vício e o endividamento excessivo. Elas estipulam que cabe aos sites fiscalizar o comportamento dos usuários por meio de ferramentas analíticas e de métodos para avaliar o perfil dos apostadores, além de informar desde o cadastro os perigos associados à dependência dos jogos. As regras também impõem restrições à propaganda e às estratégias adotadas para atrair os clientes, protegendo menores e outros grupos vulneráveis. São medidas positivas e necessárias. Ontem algumas empresas anteciparam para outubro a entrada em vigor da proibição ao uso de cartões de crédito nas apostas, antes prevista para janeiro. E o governo pretende antecipar o bloqueio de plataformas que não estiverem registradas oficialmente. Ainda falta, porém, implementar de modo eficaz o monitoramento e a fiscalização constante dos apostadores.

E é isso o que tem gerado problemas. Enquanto persistir essa omissão, as distorções continuarão. O exemplo mais eloquente é a constatação, feita pelos técnicos do BC, de que em agosto ao menos 5 milhões de brasileiros de lares beneficiários do programa Bolsa Família, ou 17% dos cadastrados, enviaram R$ 3 bilhões às bets. Mais da metade apostou mais de R$ 100 — o benefício médio recebido naquele mês foi R$ 681. Trata-se de um desvirtuamento do propósito do programa, destinado a garantir condições de subsistência aos miseráveis — e de mais uma prova da perda de foco daquele que já foi exemplo de política social de sucesso.

Nos países que legalizaram as apostas on-line, tem havido um debate robusto sobre como lidar com seus efeitos negativos. É importante destacar que os apostadores problemáticos representam uma minoria, que pode ser facilmente identificada e monitorada por meio dos mecanismos estabelecidos na regulamentação. Uma vez diagnosticados, os casos de transtornos psíquicos associados ao jogo devem ser objeto de acompanhamento médico. Obviamente, os indivíduos afetados por eles devem ser proibidos de apostar.

Ao mesmo tempo, tem sido inegável o efeito positivo trazido pela arrecadação de impostos com uma atividade que antes permanecia nas sombras. Nos Estados Unidos, estima-se que as empresas de apostas faturem US$ 14,3 bilhões neste ano, com 11% da população usando aplicativos para jogar. Na União Europeia, o faturamento apenas das apostas esportivas é avaliado em US$ 11,7 bilhões. No Reino Unido e na Austrália, US$ 4,5 bilhões.

Diversos países têm adotado restrições à publicidade para tentar coibir o jogo compulsivo. No Brasil, desde o início do ano — antes, portanto, da regulamentação da Fazenda —, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) estabeleceu regras para os anúncios das bets. O Conar tem longo histórico de sucesso na autorregulação publicitária, justamente para defender os consumidores de abusos. Suas regras para a publicidade de apostas revelam sensatez.

Estabelecem que anúncios devem se destinar exclusivamente ao público adulto, sem estímulos ao exagero ou ao jogo irresponsável. Não podem prometer ganhos certos, fáceis ou elevados, nem associar apostas ao sucesso, sugeri-las como alternativa ao emprego ou promovê-las como meio de recuperar valores financeiros. Também devem respeitar os princípios da discriminação clara dos anunciantes responsáveis, identificar-se como destinados ao público adulto e conter cláusulas de advertência sobre os riscos associados às apostas. Desde que essas regras estão em vigor, a esmagadora maioria das reclamações registradas no Conar se refere a conteúdos veiculados pelas plataformas digitais na internet, e não a anúncios nos veículos e meios de comunicação tradicionais.

O fundamental, tanto na regulamentação publicitária quanto na financeira, é com o tempo avaliar os efeitos das regras e, se for o caso, torná-las mais rigorosas para que o mercado possa funcionar dentro de limites aceitáveis em que as apostas sejam uma diversão, e não um vício. Qualquer proposta que vise à proibição pura e simples será irrealista. As bets cresceram fortemente no período em que não eram permitidas. E continuarão crescendo se proibidas, sem regulamentação nenhuma. Não foi à toa que Estados Unidos e países da Europa decidiram permiti-las e regulamentá-las. O que os dados divulgados pelo BC nesta semana demonstram é a necessidade urgente de entrar em vigor a regulamentação que ainda falta. É essencial implementar quanto antes o monitoramento e a fiscalização, para que haja maior garantia de segurança e de saúde no mercado de apostas. (Editorial O Globo)

 

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