Governo faz bem em bloquear bets irregulares

Opinião I 04.10.24

Por: Elaine Silva

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Antecipar suspensão das empresas de apostas que não solicitaram registro ajuda a inibir efeitos nocivos

Foi acertada a decisão do governo de antecipar para este mês o bloqueio de empresas de apostas, ou bets, que não se regularizaram junto à União ou aos estados no prazo estipulado — a suspensão estava prevista apenas para janeiro de 2025. Na quarta-feira, o Ministério da Fazenda divulgou uma lista com 93 empresas legalizadas, responsáveis por 205 bets, além de 18 autorizadas a atuar nos estados. Agora só falta a Anatel tomar as providências técnicas para impedir as irregulares de atuar.

O governo demorou a agir, embora fosse evidente a confusão que reinava no setor. Prova disso é haver bets patrocinadoras de alguns dos maiores clubes de futebol do país e ostentando suas marcas nos uniformes dos times que nem aparecem na lista de empresas legalizadas divulgada pelo governo.

Outro problema começa a ocorrer enquanto a regulação não entra em vigor: as empresas autorizadas a atuar apenas em determinado estado passaram a funcionar nacionalmente, contrariando as normas do Ministério da Fazenda. Um exemplo foram as bets credenciadas pela Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj), que operam no Brasil graças a uma liminar da Justiça Federal do Distrito Federal. É fundamental que haja uma regra para o país todo, já que o jogo digital rompe as fronteiras dos estados.

A regulamentação de jogos on-line pelo Congresso, aprovada no final do ano passado, foi a decisão sensata, uma vez que não adiantaria fechar os olhos para a realidade de apostas que proliferavam pelo país. Dezenas de bets já operavam no Brasil sem nenhuma regulamentação e sem que o Tesouro arrecadasse um centavo sequer com essa atividade altamente lucrativa.

Mas o governo demorou a implementar o monitoramento e a fiscalização das bets. Esperar até janeiro, como inicialmente planejado, não se mostrou a melhor decisão. Uma vez liberados, apostas e jogos on-line explodiram, trazendo, como era previsível, efeitos indesejáveis. Sinal eloquente de que o governo não se preparou foi a constatação, feita por técnicos do Banco Central, de que havia em agosto, entre os 24 milhões de brasileiros que apostaram nas bets, pelo menos 5 milhões de integrantes de famílias beneficiárias do Bolsa Família, cujas apostas somaram R$ 3 bilhões. Agora o Planalto corre para tentar impedir essa distorção da finalidade do programa social — garantir subsistência aos miseráveis.

Em meio ao descontrole, separar as empresas que se regularizaram das que operam ilegalmente é o ponto de partida para começar a fiscalizar as credenciadas e bloquear de modo eficaz as ilegais. Normas existem. O Ministério da Fazenda publicou diversas portarias estabelecendo regras para mitigar os efeitos nocivos da proliferação de apostas, especialmente a dependência psíquica e o endividamento excessivo. É preciso começar a aplicá-las desde já. As empresas mais sérias já implementaram algumas, como a vedação ao uso de cartões de crédito nas apostas.

Mas não basta o Congresso aprovar uma lei e o governo depois regulamentá-la. Será preciso fiscalizar e aperfeiçoar as normas constantemente, para evitar distorções como o uso do Bolsa Família nas apostas. A arrecadação não pode ser a única, nem a principal, preocupação do governo. (O Globo Editorial)

 

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