Integridade no Esporte: A Luta Contra a Manipulação e a Demonização das Apostas

Opinião I 10.09.24

Por: Elaine Silva

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Rafael Marchetti Marcondes (*)

Quando se pensa em integridade do esporte, estamos buscando a imprevisibilidade do resultado. Isto é, que o resultado de uma atividade esportiva não possa ser antecipado com precisão.

A curiosidade sobre o que está por vir é o que desperta tanto o interesse das pessoas nos esportes. E é para isso que todos nós estamos aqui. Para lutar para que a magia do esporte seja preservada.

A manipulação dos resultados esportivos se dá essencialmente por dois caminhos:
(i) o doping: que potencializa o resultado natural do atleta, fazendo com que ele performe acima do seu normal; e a

(ii) manipulação comportamental: que se dá quando um atleta ou equipe performa abaixo do esperado, o esportista adota conduta de forma não natural ao provocar um cartão, ou no caso do árbitro, ele toma uma decisão injusta com o propósito de influenciar o resultado, dentre outras possiblidades.Para combatermos esses problemas existem três medidas fundamentais a serem adotadas:

Regulamentação Rigorosa:
Implementação de regras claras e eficazes para governar as práticas esportivas, garantindo que todas as partes envolvidas (atletas, técnicos, árbitros, organizadores) sigam normas éticas.

Fiscalização e Combate:
Realização de testes antidoping rigorosos e regulares para garantir que os atletas não usem substâncias proibidas para melhorar seu desempenho.
Implementação de sistemas de monitoramento para identificar padrões suspeitos de apostas que possam indicar manipulação de resultados.
Punições severas para os infratores, incluindo suspensão ou banimento de competições.

Conscientização:
Promover programas educacionais para atletas, treinadores e outras partes interessadas sobre os riscos de práticas ilícitas, como doping, manipulação de resultados por meio de apostas ilegais.
Campanhas de conscientização para o público sobre a importância da integridade no esporte.

Essas medidas, quando implementadas de forma integrada, ajudam a manter o esporte justo, seguro e livre de práticas corruptas, preservando a confiança do público e a essência do espírito esportivo.

Atualmente, no entanto, parece que as pessoas ignoram esses três pilares fundamentais: (i) regulamentação, (ii) fiscalização e combate, e (iii) conscientização.

No que diz respeito ao mercado de apostas, o que se observa no momento é uma demonização do setor. Fala-se principalmente em aumento de impostos, restrições em relação à publicidade e até mesmo na proibição da atividade, visando evitar problemas relacionados à saúde física e financeira das pessoas.

Esse não é o caminho correto. Faz sentido proibir uma atividade que foi legalizada em 2018 e revalidada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2023, ou seja, há menos de 9 meses? Minha resposta é: não faz sentido.
Proibir não impedirá que o mercado de jogos continue a existir. A China, um dos países mais fechados do mundo, onde as mídias sociais são controladas e o jogo é proibido, possui hoje o maior mercado de apostas do mundo. Algo semelhante se observa no Irã, onde a religião proíbe as apostas, mas o país ainda conta com um dos mercados mais pujantes.

Mesmo que se tente fiscalizar, proibir anúncios das plataformas de apostas, frear a remessa de capital via BACEN, e tentar derrubar os sites por meio da ANATEL, isso não será suficiente. Pode reduzir o impacto das apostas no nosso dia a dia, sim, é possível. Mas não resolverá o problema.

O apostador já está cadastrado nas plataformas estrangeiras e sabe como burlar a georreferência, utilizando ferramentas como o VPN, que faz parecer que o jogador está localizado na Espanha, por exemplo, quando na verdade está no Brasil. Ele tem métodos para enviar capital para fora do país sem que o BACEN possa bloquear, e não estamos falando apenas do uso de criptomoedas. Mesmo a derrubada dos sites pela ANATEL se mostra ineficiente, pois logo após derrubar uma página, o operador pode subir outra que espelha a anterior, com apenas uma leve mudança no domínio, como no caso da Blaze.

As pessoas continuarão a jogar, a gastar parte de sua renda nesses serviços e, pior ainda, sem qualquer segurança. Sem a certeza de que o site pagará o prêmio prometido, que terá regras de jogo responsável e limites estabelecidos e fiscalizados por um regulador, e sem informações para decidir se querem ou não jogar e, em caso afirmativo, quanto e por quanto tempo desejam apostar.

Aumentar impostos sobre o setor terá um impacto semelhante. Quanto maior a tributação, menor o prêmio pago ao apostador. O operador, naturalmente, reduzirá a margem de retorno para preservar a lucratividade e a viabilidade de sua operação. Com isso, empresas sediadas fora do país, em paraísos fiscais onde a tributação é nula ou ínfima, oferecerão prêmios maiores para o mesmo evento, atraindo os jogadores para o mercado paralelo. Por outro lado, conforme apontam estudos, as expectativas de arrecadação do governo serão menores, mesmo com tributos mais elevados.

Por fim, medidas de restrição à publicidade já foram tomadas. O CONAR – Conselho Superior de Autorregulamentação Publicitária – editou em junho de 2023 o Anexo X, que trata especificamente da indústria de apostas. O Ministério da Fazenda, por meio da Portaria 1.231/24, também abordou o tema, prevendo regras e punições para os operadores que não cumprirem os limites impostos, como a proibição de anúncios em produtos destinados a menores e a exigência de que as propagandas sejam direcionadas a maiores de 21 anos, entre outras exigências.

As medidas de contenção propagadas pela mídia, por essas razões, são ineficazes. A preservação da integridade das pessoas e do esporte, como dito inicialmente, deve focar em outra direção. Deve estar centrada na (i) regulamentação, (ii) fiscalização e combate, e (iii) conscientização. A regulamentação já temos. Contamos com as Leis 13.756/18 e 14.790/23, além de mais de uma dezena de portarias editadas pelo Ministério da Fazenda sobre o tema até julho de 2024, que deverão passar a produzir efeitos concretos a partir de janeiro de 2025.

A regulamentação, diga-se de passagem, é adequada, equilibrada e deve sanar as externalidades causadas pela atividade, trazendo segurança para o apostador, diretrizes claras para os operadores e receitas para o governo brasileiro, além da geração de milhares de empregos diretos e indiretos.

Os recursos que entrarão nos cofres públicos servirão para financiar equipamentos e auxiliar na qualificação de pessoas para monitorar as apostas. Esses recursos, vale lembrar, por expressa determinação legal, serão também destinados a mitigar o impacto da atividade nos campos da saúde, segurança pública e esporte, além de serem alocados em campanhas de conscientização do público.

Portanto, observa-se que, diferente do que vem sendo veiculado em parte da grande mídia, não estamos em uma terra sem lei. Muitos dos discursos são infundados. Os problemas apontados já tiveram soluções endereçadas. A regulamentação tardou a ser editada, é verdade, fomentando um crescimento desordenado do mercado. Mas as diretrizes foram criadas, as organizações e estruturas de administração foram estabelecidas pelo Estado. Falta agora esperar apenas alguns meses, até janeiro de 2025, para que essa nova realidade comece a vigorar.

(*) Rafael Marchetti Marcondes é professor de Direito Esportivo, de Entretenimento e Tributário. Doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. MBA em gestão esportiva pelo ISDE de Barcelona/ES. MBA em gestão de apostas esportivas pela Universidade de Ohio/EUA. Chief Legal Officer no Rei do Pitaco. Presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sport (ABFS). Diretor jurídico do Instituto Brasileiro pelo Jogo Responsável (IBJR). Diretor de Relações Governamentais da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte (ABRADIE). O artigo foi veiculado no portal Lei em Campo.

 

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