O Brasil tem como enfrentar a lavagem de dinheiro com as bets ilegais?

Apostas, Opinião I 21.09.24

Por: Magno José

Compartilhe:
Debate Folha de São Paulo: O projeto que prevê a legalização do jogo é adequado? 1
A editoria ‘Tendências & Debates’ da Folha de S.Paulo deste sábado (21) aborda o tema da lavagem de dinheiro em jogo

A editoria ‘Tendências & Debates’ da Folha de S.Paulo deste sábado (21) aborda o tema da lavagem de dinheiro em jogo. O advogado criminalista, especialista em direito e processo penal e em direito penal e criminologia, Anderson Almeida registra a dificuldade devido a eficácia dos nossos mecanismos combinados com a regulamentação rigorosa, fiscalização eficiente e cooperação entre as autoridades e o setor privado. Já o advogado e professor de direito penal (FGV-SP e Uninove), Rodrigo de Grandis destaca preocupação “se levarmos em consideração que muitas apostas esportivas são realizadas online e por intermédio da compra e venda de criptoativos”. Cabe esclarecer que na legislação brasileira é proibido apostar com criptomoedas.

Lavagem de dinheiro: ‘lenda urbana’

A acusação que o setor de jogos, apostas e loterias é um ambiente propício para lavagem de dinheiro é uma ‘lenda urbana’ usada pelos críticos, com a argumentação de que o grande volume de ativos que circularão nestas casas de apostas poderia ser mesclado com recursos de origem ilícita.

O desconhecimento sobre o tema gerou na sociedade brasileira a percepção que os jogos e apostas podem ser usados para lavagem de dinheiro.

Com toda tecnologia disponível, a obrigatoriedade de identificar o apostador e o advento do pagamento das apostas através de PIX, o argumento de que o jogo legalizado poderia ser propício à lavagem de dinheiro é uma falácia para quem estuda e entende do assunto.

A legislação brasileira sobre lavagem de dinheiro é abrangente em seus horizontes e draconiana em seus efeitos. São alcançados, pela lei, não apenas os que realizam as operações de lavagem, mas todos os que, direta ou indiretamente, colaboram para o resultado.

Além disso, com uma taxação superior a 38,5% lavar dinheiro em jogo e aposta é caro e arriscado.

Confira as opiniões ‘Tendências & Debates’

SIM – Recente operação da PF demonstra que o trabalho vem sendo feito pelas autoridades e que não se trata de problema insolúvel

Advogado Criminalista Anderson Almeida | Direito Penal/Criminal
Anderson Almeida*

A divulgação do trabalho de agentes de persecução penal tem como efeito colateral o superdimensionamento dos crimes combatidos diante da opinião pública. Desse modo, se hipoteticamente a Polícia Federal prende um político corrupto, a corrupção na política ganha contornos de uma mazela insuperável —e não de um problema efetivamente combatido.

No caso do crime de lavagem de dinheiro, vivemos algo parecido com o avanço da Operação Integration, que prendeu influencers e empresários envolvidos tanto com jogos ilegais como com casas de apostas esportivas —as famosas bets, que são legalizadas.

Na esteira desse efeito colateral, a discussão em torno dos mecanismos de controle ganha corpo. Ocorre que o Brasil já conta com um robusto conjunto de ferramentas de combate à lavagem de capitais —inclusive no contexto das apostas esportivas e outras atividades relacionadas a jogos de azar.

De início, o país tem a lei 9.613/1998, que trata especificamente do crime de lavagem de dinheiro e que foi atualizada pela lei 12.683/2012. Além disso, possui mecanismos eficientes de investigação, como a Unidade de Inteligência Financeira (UIF).

Antigamente conhecida como Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a UIF é responsável pelo recebimento e análise de operações financeiras consideradas suspeitas. É a primeira trincheira do combate à lavagem de dinheiro.

Também possuímos órgãos que auxiliam no combate a esse tipo de crime, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central, que supervisionam o cumprimento de normas de prevenção à lavagem de dinheiro.

É importante lembrar que as casas de apostas foram regulamentadas pela lei 13.756/2018, que estabelece as regras para apostas esportivas e pela lei 14.790/2024, que definiu a tributação desses negócios e introduziu regras de compliance.

O regramento obriga instituições financeiras e casas de jogos a implementar procedimentos de “due diligence”, que incluem a verificação da identidade dos clientes, monitoramento de transações e relatórios de atividades suspeitas.

O rol brasileiro de ferramentas de combate à lavagem de dinheiro também inclui cooperação internacional. O país é membro do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), que atua de modo global contra esse tipo de crime e o financiamento ao terrorismo.

É evidente, contudo, que o combate à lavagem de capitais no âmbito das bets apresenta desafios que precisam ser superados. Existe sempre espaço para o detalhamento da legislação para que o mercado das apostas esportivas opere de forma eficiente e dentro da legalidade no país.

Também é necessário fiscalizar o mercado para que o regramento em vigor não se torne letra morta, exigir que as empresas invistam em tecnologia para coibir a manipulação de competições esportivas e também garantir a integridade dos dados dos apostadores.

E isso não quer dizer, sob nenhum aspecto, que o país não está preparado para lidar com o combate da lavagem de dinheiro no âmbito das bets. A recente operação da PF —voltemos ao começo— demonstra que o trabalho vem sendo feito pelas autoridades competentes e que não se trata de nenhum problema insolúvel.

A eficácia dos nossos mecanismos depende da combinação de regulamentação rigorosa, fiscalização eficiente e cooperação entre as autoridades e o setor privado. O combate a esse tipo de crime é perene e não deve assustar ninguém.

Anderson Almeida é advogado criminalista, é especialista em direito e processo penal e em direito penal e criminologia. Veiculado pela editoria Tendência e Debates – Folha de S.Paulo.

***

NÃO – Faltam aos órgãos competentes recursos financeiros e humanos para identificar os valores obtidos ilegalmente e os criminosos

VII Encontro Anual AASP - Rodrigo de Grandis - YouTube
Rodrigo de Grandis*

As apostas esportivas ou “bets” são realizadas pelos mais variados modos e modalidades esportivas. Diversos aspectos de um jogo entre equipes ou de uma partida entre dois jogadores podem ser objeto de palpite. A aposta pode envolver a disputa entre pessoas, animais e veículos, e recair sobre as variantes de uma prática esportiva, como o número de faltas, de cartões, de substituições etc.

Essa diversidade é uma característica comum nos mercados de apostas —legais e ilegais. Some-se a isso a disponibilidade de lances online e a utilização de aplicativos de celular acessíveis a um toque e temos o contexto perfeito para o cometimento do crime de lavagem de dinheiro em escala nacional e internacional.

A lavagem de dinheiro é um crime ardiloso. Ela serve para conferir aparência de legalidade a recursos que foram obtidos criminosamente. A ideia é ocultar ou dissimular bens ilícitos para que, no futuro, esses valores sejam usufruídos sem levantar a suspeita das autoridades encarregadas da investigação criminal.

Para realizar essas manobras, a criatividade não encontra limites. No mundo, estima-se que até US$ 140 bilhões são lavados todos os anos por intermédio de apostas esportivas e que os valores apostados em mercados ilegais estão entre US$ 340 bilhões e US$ 1,7 trilhão.

A lavagem no mundo das bets é ainda mais preocupante se levarmos em consideração que muitas apostas esportivas são realizadas online e por intermédio da compra e venda de criptoativos. As chamadas operações “peer-to-peer” (P2P), nas quais as transações são efetivadas diretamente entre as partes sem a intervenção de um terceiro, proporcionam um vácuo regulatório e um providencial anonimato para quem pretende ocultar ou dissimular recursos financeiros provenientes de uma atividade delituosa. A realização de uma aposta com recursos criminosos, por exemplo, pode ocorrer pela internet mediante um aplicativo de transferência com pagamento em bitcoins —ou qualquer outra moeda virtual. E tudo isso em proporções até então inimagináveis, de forma ágil e sem deixar vestígios.

E o Brasil?

A Lei de Lavagem de Dinheiro (lei 9.613/1998) parece suficiente para enfrentar esse novo cenário. Com penas que variam de três a dez anos de prisão e multa, o Brasil tem um conjunto de medidas que soa adequado para inibir e processar a lavagem de dinheiro por bets ilegais.

O problema reside no campo regulatório. Bets ilegais não são reguladas, não têm “compliance” e nem se submetem à fiscalização de órgãos públicos. Mesmo as empresas que se dedicam legalmente às apostas esportivas, e que têm obrigações de prevenção à lavagem de dinheiro em razão de um recente marco regulatório, precisam identificar adequadamente a natureza dos comportamentos suspeitos e estabelecer com precisão as matrizes de risco desse novo setor econômico.

Essa não é uma tarefa fácil diante da multiplicidade de comportamentos e do alto custo na implementação de mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro. Além disso, é preciso proporcionar recursos financeiros e humanos suficientes ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para que a Unidade de Inteligência Financeira brasileira tenha condições de auxiliar na identificação dos recursos financeiros de origem ilícita e disseminar informações às autoridades competentes, visando a identificação dos autores de crimes e o bloqueio de valores obtidos criminosamente. Sem regulação adequada e eficiente, quem ganha a aposta é o crime.

(*) Rodrigo de Grandis é advogado, é professor de direito penal (FGV-SP e Uninove). Veiculado pela editoria Tendência e Debates – Folha de S.Paulo.

 

Comentar com o Facebook