Sem fiscalização, rifas ilegais proliferam nas redes sociais

Sorteios I 08.05.23

Por: Magno José

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A Lei 14.027, de 2020, que estabelece regras para sorteios de brindes, confirma essa proibição. Segundo nota do Ministério da Fazenda, rifas são consideradas jogos de azar pela legislação

Quem navega pelas redes sociais já deve ter percebido uma proliferação de perfis que divulgam rifas digitais. Alguns demonstram causas nobres, como arrecadação de dinheiro para pagamento de um tratamento médico, mas muitas outros visam apenas sortear apresentar algum prêmio em dinheiro ou algum bem de alto valor – como iPhones e carros. Sem oferecer uma real garantia de que aquele prêmio será entregue a um vencedor, estes jogos de aposta são uma contravenção e merecem mais atenção do que vem recebendo devido aos riscos proporcionados para internautas.

A grande questão é que as rifas são ilegais por serem consideradas jogos de azar. O artigo 52 da Lei das Contravenções Penais, em vigor desde 1941, proíbe a comercialização dessa modalidade de jogo, com pena de prisão de quatro meses a um ano, além de multa. A Lei 14.027, de 2020, que estabelece regras para sorteios de brindes, confirma essa proibição.

Embora proibidas, as rifas têm sido usadas até mesmo por personalidades famosas na internet. Um caso emblemático é o da Ruivinha de Marte, que possui 19 milhões de seguidores no Tik Tok, além de 7 milhões no Instagram. A artista, que já participou do programa “A Fazenda”, da Record, chegou a criar um perfil chamado @bilhetesdaruivinha, em que promove sorteios de rifas. A reportagem entrou em contato com a artista por e-mail, questionando se ela tem permissão para realizar as rifas, e aguarda retorno.

Assim como ela, muitos “rifeiros” recorrem à plataforma Rifa Digital (RD) para realizar as vendas de bilhetes e afirmam dizer que o sorteio se baseia nos números da loteria federal. Mas como o setor não passa por uma fiscalização acirrada, não é possível dizer se o “vencedor” realmente receberá um prêmio.

O site não esclarece aos usuários de que as rifas são ilegais conforme a legislação em vigor no Brasil. A empresa, sediada nos Estados Unidos, afirma que “as leis e regras podem variar dependendo do país ou região onde a campanha será realizada, então é importante verificar as normas locais antes de organizar uma campanha”.

Procurada pela reportagem, a plataforma afirmou que “a RD realiza a oferta de um software, somente, não havendo qualquer vínculo com atividades ilegais. Ademais, aos usuários que utilizam a plataforma realizando atividades que violam os termos de uso e a legislação do seu país, recai o banimento, sem prejuízo das demais consequências cíveis e penalmente cabíveis. Por nossa parte, há o firme compromisso de zelar sempre pela legalidade e ética das nossas atividades”. Diz ainda que os usuários são alertados para a importância de se cumprir a legislação do país nos Termos de Uso da plataforma.

Aperfeiçoamento da legislação

De acordo com Alexandre Atheniense, especialista em Direito Digital, para acabar com essa contravenção que tomou conta das redes e não oferece qualquer garantia aos internautas, é preciso aperfeiçoar a legislação. “Temos que adequar ao que está acontecendo nas plataformas digitais. Pois não há exigência legal para pagamento de impostos, requisitos mínimos de segurança, tratamento de dados pessoais nessas rifas. Não há como reivindicar um direito conforme o código do consumidor. Apenas existe uma relação de confiança entre quem quer entrar na rifa e quem a está promovendo”, afirma.

Mesmo que não seja preciso realizar um cadastro para se comprar uma rifa online, as pessoas devem estar atentas a possíveis vazamentos de dados sensíveis. Toda vez em que um pix é realizado, informações como nome completo e instituição bancária são divulgadas ao beneficiário. “Isso poderia levar a um segundo nível de golpe”, diz o especialista.

Vale lembrar que as rifas são todas ilegais conforme a legislação, mas os sorteios podem ser realizados, caso sigam regras determinadas por diferentes leis e portarias. De acordo com a advogada Juliana Macedo, especialista em Direito Digital e distribuição gratuita de prêmios, o sorteio pode ser feito, desde que tenha aprovação do Ministério da Fazenda.

“Para que o sorteio seja autorizado, ele precisa seguir todas as normas vigentes em nosso país. As principais leis que tratam disso são 13.756, de 2018, a lei 5.768, de 1971, que foi alterada pela Lei 14.027, de 2020, que trata dos sorteios por empresas de radiodifusão. As modalidades trazidas nesta lei são as mesmas para outras empresas, seja para sorteios no âmbito digital ou físico”, explica a advogada, lembrando que existe ainda a portaria 41, que regulamenta a distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda.

E as leis sobre o tema não param por aí. A advogada lembra que no ano passado foi publicada a Portaria SEAE nº 7.638, que regulamenta a distribuição gratuita de prêmios pela internet.

O fundamental é entender que quem não segue a lei pode ser punido criminalmente. “A realização de qualquer rifa, seja online ou não, é uma contravenção penal. É considerado um crime de menor potencial ofensivo e suas penas podem variar entre multa ou prisão. Contudo é importante esclarecer que o enriquecimento ilícito pode ocasionar na existência de outros crimes, que podem ter vínculo com lavagem de dinheiro e estelionato, e podem trazer penas mais severas para os responsáveis pelas rifas”, explica Juliana, que escreveu um artigo explicando como realizar sorteios por vias legais.

Quem fiscaliza as rifas?

De acordo com o Ministério da Fazenda, atualmente o setor de fiscalização sobre loterias está a cargo da Secretaria de Reformas Econômicas, mas a pasta “não detém competência legal para se envolver em questões criminais, ressalvadas as de natureza tributária” (veja nota na íntegra abaixo). O trabalho de fiscalização ficaria a cargo das polícias estaduais ou dos ministérios públicos (estaduais ou federais).

Mas, aparentemente, as instituições ainda não viram nessa contravenção um problema tão grande ao ponto de investir em operações. “Não é que a polícia não tenha meios para encontrar os contraventores, a polícia de Minas é muito avançada, por exemplo. Mas não sei dizer se essa pauta tem força suficiente para mover uma operação, embora seja um problema que salta aos olhos de todo mundo”, afirma Alexandre Atheniense.

A reportagem entrou em contato com a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), com a Polícia Civil do Amazonas (estado de origem da Ruivinha de Marte) e com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para saber se há algum trabalho de monitoramento ou investigação sobre rifas ilegais. A PC do Amazonas não respondeu, a PCMG pediu nomes de contraventores para que pudesse ser feita uma busca no sistema e o MPMG informou que não é possível fazer busca no sistema pelo assunto questionado.

Carro como prêmio

Investigado pela Polícia Civil do Distrito Federal, o influencer Elizeu Silva Cordeiro, conhecido na internet como Big Jhow, chegou a ser preso no ano passado em Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte, por promoção de jogos de azar e lavagem de dinheiro. Com 1,3 milhões de seguidores, ele continua sorteando veículos pelo Instagram, utilizando a plataforma de rifa online bigpremio.com.

E não faltam perfis nas redes que seguem caminhos parecidos com o de Big Jhow. Em apenas seis meses, o perfil @Rifasgoldpremiacoes angariou 52 mil seguidores, prometendo “credibilidade e transparência” ao oferecer carros como prêmios. O perfil não mostra qual é a sua cidade de origem nem informações sobre a aquisição dos veículos. A reportagem de O Tempo entrou em contato com o perfil, questionando se há permissão para a realização dos sorteios, mas não recebeu retorno.

O advogado Alexandre Atheniense alerta que o internauta deve ficar atento a qualquer atividade de sorteio de veículos que não sigam a legislação. Os carros sorteados em promoções de shoppings ou supermercados, por exemplo, são cadastrados junto ao Ministério da Fazenda.

“Como é que uma pessoa acredita em um sorteio sem poder conferir pessoalmente quem é o responsável e se o carro realmente existe? É tudo feito muito às cegas. O problema é que as pessoas são sempre atraídas por vantagens econômicas que não existem. Quando se trata de internet, deve-se desconfiar sempre”, afirma.

Jogos de azar: monopólio estatal

Está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 442/91, que busca a regulamentação de jogos de azar no Brasil, incluindo aí o jogo do bicho e os cassinos. A matéria passou pela Câmara dos Deputados no ano passado, mas ainda precisa ser apreciada pelo Senado Federal.

Juliana Macedo defende um urgente debate sobre a realização de rifas e sorteios pela internet, devido ao crescimento rápido dessa modalidade nas redes sociais. “É preciso regularizar a forma real com que os sorteios são realizados pelos meios virtuais. Porque o que a gente vê é que há legislações sobre sorteios, mas nem sempre são condizentes com a realidade do sorteio virtual que vemos sendo realizados por aí”, explica.

Enquanto a legislação não muda, prevalece a lei em vigor, que determina que o monopólio dos jogos de azar é estatal. Por isso, é a Caixa quem realiza as principais loterias no país (as outras são realizadas pelos governos estaduais).

Os canais oficiais para jogos são as mais de 13 mil lotéricas espalhadas pelo Brasil, e na internet apenas o portal Loterias Caixa e o app Loterias Caixa.

Veja, na íntegra, a nota do Ministério da Fazenda sobre a realização de rifas online:

“O Ministério da Fazenda reforça que não existe autorização legal, de modo geral, para operação de sorteios com base em captação de apostas ou comercialização de números envolvidos em eventos tais como rifa, modalidade lotérica de prognósticos numéricos ou sorteio outro congênere. Em sorteio ou uma rifa a conquista da premiação oferecida aos participantes da disputa depende de modo exclusivo ou, no mínimo, fundamentalmente de sorte, o sorteio ou a rifa está penalmente qualificado como jogo de azar e contravenção, nos termos da combinação do disposto nos artigos 50 e 51 da Lei das Contravenções Penais, isto é, o Decreto-lei 3.688, de 3 de outubro de 1941.

Diante do exposto, tal prática é caracterizada como jogo de azar, e, portanto, infração penal qualificada como contravenção, um sorteio ou uma rifa não podem ser realizados, tanto por pessoa natural (física) quanto por pessoa jurídica. E não importa a forma como a premiação seja oferecida: bem, mercadoria, prêmio em espécie (dinheiro) ou congênere, como, por exemplo, crédito em conta mantida em instituição financeira ou em sítios de compra, na Internet. Tudo isso haja vista a inexistência do devido amparo legal no ordenamento jurídico vigente no País.

Quanto a eventuais planos de agir contra a prática de operação de rifa no meio digital, o Ministério da Fazenda não detém competência legal para se envolver em questões criminais, ressalvadas as de natureza tributária. Assim, solicitamos direcionar o material de que dispõe a esse respeito às polícias judiciárias civil, da unidade da Federação (estado), ou federal, e, ainda, ao Ministério Público estadual, da unidade da Federação (estado) onde reside, ou Ministério Público Federal, conforme prefira”. (O Tempo – Belo Horizonte – MG)

 

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