Texto com a apresentação do presidente da Able, Roberto Rabello

BNL I 13.11.07

Por: sync

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Comissão Finanças e Tributação

Recebi este convite, que para mim será sempre honroso, com alguma preocupação: sendo  eu, dentre os convidados desta mesa, o único que defende uma ampliação na regulamentação de jogos  no país, não conheço a posição pessoal do Gov. Moreira Franco, mas a instituição que hoje dirige, tem uma militância diuturna contra qualquer abertura de jogos no país fora do seu ninho, nem com os estados membros da federação admite alguma parceria; o Senador Magno,  o secretário Biscaia e a Dra. Maria Paula estão entre os mais ilustres expoentes da luta antijogos no País. Não conheço, também, a posição do Senhor Representante do Ministério da Fazenda, a posição do Ministério Publico é constitucional de fiscalizar as leis, como a do parlamento é de criar as Leis.  Vislumbrei uma luta dura. Mas dela não me afasto. Sou um homem de fé. E a minha fé foi alicerçada em algumas convicções difíceis de refutar:
A primeira delas é a de que o jogo, a aposta, o desafio, são inerentes à condição humana.  O livro dos Números conta que, após realizar o censo dos israelitas, Moisés dividiu entre o povo as terras que existiam a oeste do Rio Jordão, de acordo com o número de letras de seus nomes. Outros povos da Antigüidade, como os egípcios, romanos e os chineses, também estão entre os pioneiros em loterias. Os primeiros embriões das loterias com prêmios em dinheiro, entretanto, teriam surgido em Roma, na Idade Média e se difundido pela Europa. Nesse período existiam as chamadas "Urnas da Fortuna", que consistiam em caixas de madeira colocadas em estabelecimentos comerciais, cheias de bilhetes dobrados onde estavam escritos os nomes de produtos comercializados no local. O cliente retirava um bilhete e recebia seu prêmio. Com as viagens marítimas os jogos e os sorteios chegariam a novos continentes.
A segunda convicção é a de que os Estados federados têm o direito, pela condição de integrantes da Federação Brasileira, de não aceitarem serem tratados como incapazes, pela sua história de exercício dessa atribuição como demonstraremos a seguir, de ter seus serviços lotéricos restaurados ou implantados.
O Projeto de Lei 472/2007 trata exatamente desta questão:  se os Estados e o Distrito Federal vão ter uma parcela de competência no serviço público de loterias ou se as centenárias loterias estaduais vão morrer de inanição garroteadas pelo famigerado Dec. Lei. 204. Ninguém pode questionar a existência de jogos no país. Não se briga com os fatos. Os jogos, além dos explorados pela Caixa Econômica Federal e, alguns residuais explorados pelos Estados como São Paulo, Rio e Minas, existem na Internet, nos navios que aportam nossa costa e na clandestinidade, em larga escala.   

1- BREVE HISTÓRICO
No Brasil, a primeira loteria oficial foi extraída ainda nos tempos coloniais, em 1784, quando a Capitania de Minas Gerais promoveu um sorteio com o objetivo de arrecadar recursos para o término das obras da Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica, atual Ouro Preto. A Loteria do Estado do Rio Grande do Sul é a mais antiga Loteria em operação no país. Criada em 28 de fevereiro de 1843, por Decreto do Presidente Constitucional da República Rio-Grandense, General Bento Gonçalves da Silva, teve como primeira finalidade angariar recursos para os hospitais do Exército Farroupilha, dando origem a atual loteria  daquele Estado. Seguiram-se outras como a do Estado do Pará em 1856, São Paulo (1939), Rio de Janeiro (1940), Minas Gerais (1944), Ceará (1947), Pernambuco (1947), Goiás (1951), Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Lemat e Lotesul – 1953), Paraíba (1955),),   Paraná (1956), Piauí (1959) Espírito Santo (1964),  Santa Catarina (1966),   constituindo-se em uma realidade centenária integrando a cultura e a história do nosso país;
 1.2.1 – Em 1967, em plena ditadura militar, foi editado o Dec. Lei 204, que no seu preâmbulo  já exprime a visão autoritária com que  enxerga a sociedade: “considerando a salvaguarda da integridade da vida social, decide impedir o surgimento e a proliferação de jogos proibidos que são suscetíveis de atingir a segurança nacional”. Impedir o que é proibido é dever elementar da autoridade pública. Atingir a integridade da família e ameaçar a segurança nacional com jogos é um capítulo da nossa vida política que a história certamente remeterá ao campo do folclórico, do pitoresco.
1.2.2- Com os Estados da Federação o citado Decreto Lei foi mais drástico. Impediu a criação de novas loterias estaduais e congelou as atividades das existentes submetendo-as a uma regulamentação de 1944 (Dec. Lei 6259/44). Costumamos dizer que tal situação é como se o poder público brasileiro assegurasse à família empreendedora do Grupo de Supermercados Pão de Açúcar o seu pleno direito de comercializar alimentos, desde que se mantivesse na mesma mercearia que deu origem ao grupo. Sem ampliar, sem acrescentar novos produtos, sem sequer atualizar seu portifólio, sem incorporar novas tecnologias. Seria a manutenção do lápis de grafite e da caderneta de fiados.
1.2.3 – Coisas das ditaduras! Pais autoritários tratam seus filhos como eternas crianças. Sistemas políticos autoritários tratam suas instituições como os civilmente incapazes. Sempre carentes de tutela e de quem lhes diga o que lhe é mais conveniente;
1.2.4 –  Sem sombra de dúvidas, o Dec. Lei 204 representa para as loterias estaduais o que representou o Ato Institucional nº 5 para as liberdades políticas e o Dec. 477 para a liberdade de manifestação dos estudantes. Estes dois últimos felizmente já revogados. O primeiro ainda vigente. Faz parte do chamado “entulho autoritário”.
1.2.5 – Esses 40 anos de cerceamento das Loterias Estaduais no Brasil, coincidem com uma tendência mundial de flexibilização da proibição de jogos, colocando-os como uma atividade de entretenimento, sob regulação e controle estatais;
1.2.6 – Sendo conduta socialmente aceita, as políticas proibitivas de jogos tendem a não surtir os efeitos desejados (se estiver presente: o governador Moreira Franco, que além do seu vasto currículo político é também sociólogo, sabe bem que cultura, costumes, não se revogam por decreto)    razão pela qual verifica-se no mundo desenvolvido, que a quase totalidade dos países optaram pela exploração dos jogos, sob regulação e fiscalização estatal, com maior ou menor grau de participação da iniciativa privada, mediante instrumentos de permissão ou concessão;
1.2.7. – A CPI DOS BINGOS, que durante um ano estudou o assunto, constata essa tendência, fazendo menção em seu Relatório Final às legislações de 15 países distribuídos nos cinco continentes (pgs. 48/49). Vale lembrar que nos sete países mais ricos do mundo – Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Canadá – o jogo é totalmente liberado, regulamentado e regulado.
1.2.8 – Modernos meios de controle eletrônico disponíveis no país, permitem-me afirmar que uma parceria entre a União e Estados membros no aperfeiçoamento do setor de jogos no país, criará um novo modelo para atender as necessidades do mercado, com amplas formas de controle, que garantam os direitos dos consumidores e o acompanhamento dos órgãos gestores do sistema, além do pleno cumprimento das obrigações tributárias. O novo modelo tecnológico e logístico do canal lotérico da Caixa é um exemplo de controle e transparência a nível nacional. Os jogos podem ser realizados em terminais conectados em tempo real à Receita Federal e ao COAF.  As experiências, e até os erros apontados,  nos fornecem o necessário aprendizado para que o setor público brasileiro não permita que os espaços vazios propiciem campo aberto para o jogo clandestino, com as mazelas que o acompanham: corrupção, criminalidade, sonegação fiscal, ilicitude nos contratos de trabalho, falta de controle na lisura dos sorteios.
Há uma lei não escrita no mundo dos jogos: “Quem não faz o jogo legal, faz o jogo ilegal”. 

2 – FUNÇÃO SOCIAL DAS LOTERIAS ESTADUAIS       
2.1-  As loterias estaduais são um forte instrumento de geração de empregos, de renda e de circulação econômica local adquirindo mais relevância nas regiões mais carentes do país. Com poucas atividades ainda remanescentes, citamos os casos de Pernambuco, onde as loterias geram cerca de 20 mil postos de trabalho. No meu estado, na Paraíba, as loterias quando estavam em pleno funcionamento, geravam 6 mil postos de trabalho, muito mais que o distrito industrial da Capital. No Rio de Janeiro, quando a Loterj estava operando com todas as suas modalidades, além da geração de 8 mil empregos diretos, o estado recebia repasses mensais de R$ 3 milhões para as  obras sociais do governo.
2.2 – O Relatório Final da CPI dos Bingos aponta estudo, citando como fonte a Caixa Econômica Federal, mostrando a destinação social dos recursos das loterias em 23 estados norte-americanos-(pg. 20); Em países de dimensões continentais como o Brasil e os EUA, a forma mais sensata e equilibrada de tratar o assunto é descentralizada. Ainda mais se tratando de estados federados.
2.2 – Como instrumento de circulação econômica local,  movimentam toda uma cadeia de serviços: agências de publicidade, gráficas, mídias diversas, informática, logística, contadores, advogados, serviços administrativos, entre outros;
2.3 – No campo tributário os serviços lotéricos estaduais, além das receitas de exploração, uma vez que se tratam de serviços públicos de natureza econômica, geram receitas para as outras esferas do poder público – União e municípios, com os tributos de suas respectivas competências.

3. O PL 472/2007
3.1 – Tendo esta audiência pública o objetivo de debater o PL 472/207 e o PL 232/03, teceremos considerações que refletem a ótica da nossa instituição sobre o referido projeto. Compete ao Estado, o ordenamento e a fiscalização dos concursos de prognósticos, bem como a definição da arrecadação com este serviço. Cabe ao parlamento de cada país a definição das áreas sociais onde os recursos serão aplicados, sendo assim no México (educação e saúde), Irlanda (cultura e esporte), Finlândia (esporte, ciências e artes), Canadá (hospitais e ações sociais), Inglaterra (artes, esporte, ações sociais e saúde), Noruega (esporte, cultura e pesquisas), Bélgica (deficientes físicos e cultura), Alemanha (cultura, ações sociais, esporte e educação), Portugal (saúde e bem estar de crianças), Estados Unidos (educação e saúde), Porto Rico (saúde), Holanda (educação), Dinamarca (educação), entre outros.
3.1.1 – Como sabido o projeto em debate foi de autoria da CPI dos Bingos do Senado Federal. Esta CPI por um ano estudou o panorama lotérico do Brasil, ouvindo vários segmentos da sociedade, inclusive vários representantes do Ministério Público Federal, especialistas em segurança pública, como o ex Secretário Nacional de Segurança, Luiz Eduardo Soares, em tributação como o ex Secretário da Receita Osires Lopes Fº,  comparando a situação de vários países, elaborou uma série de projetos, versando sobre matéria penal (PLS 274/2006) em tramitação na CCJ do Senado, com parecer favorável do relator, que agrava a punição do jogo  clandestino, transportando o tipo penal contravencional em crime;  processual; administrativa; um projeto regulamentando os Jogos de Bingo e este Projeto que diz respeito as loterias estaduais;
3.1.2 – O Projeto opera uma delegação administrativa aos Estados e Distrito Federal para explorarem serviços de loterias, nos termos do regulamento da Lei a ser editado mediante decreto do Senhor Presidente da República. Especulações de que o Projeto se destina a autorizar outras modalidades não passam de maliciosos exercícios de futurologia. A aprovação deste projeto significa que União e Estados sentem a mesa para definir um espaço de atuação para os Estados na exploração de jogos lotéricos, competência que será definida através do Decreto Presidencial. Conhecimentos elementares de direito administrativo indicam que uma delegação administrativa tem que se ater aos limites estritos em que é concedida. O poder concedente mantém a competência de fiscalizar o exercício da delegação e revogá-la se exercida indevidamente.   
3.1.3 – A regulamentação poderá estabelecer parâmetros de premiação e de remuneração do poder público, bem como a destinação social para os recursos obtidos; faz sentido a  preocupação externada pela Dra. Maria Paula, com a qual estamos inteiramente de acordo, de garantir a destinação de um percentual de recursos para tratamento dos distúrbios do vício em jogos, que poderá ser contemplada no Decreto regulamentador da Lei, estipulando, dentro do percentual de 25% que o projeto estabelece, uma parcela para custear um programa específico de prevenção e tratamento de dependentes de jogos. Sobre este aspecto gostaria de salientar que o Projeto em discussão não terá contribuição específica para aumento de casos de dependência. Patologia que se alimenta em qualquer modalidade  de jogos existentes: clandestinos, Internet, cruzeiros marítimos e nos países vizinhos. Em todas essas modalidades citadas o país não usufrui nenhum benefício como receita tributária, geração de empregos e ainda arca com as conseqüências.
3.1.4 – O Projeto em debate coloca a Caixa Econômica Federal numa posição de relevância dentro do sistema, pois dependerá de sua aprovação à instituição de qualquer jogo pelos estados membros, bem como receberá  prestação de contas dos recursos obtidos com a exploração delegada; funcionando assim, como uma agencia reguladora de jogos no país.
3.1.5- Importante salientar que a extensão dessa delegação, bem como o detalhamento da forma de exploração, será fornecida pelo Decreto regulamentador, ou seja, o Presidente da República é quem vai definir o que será permitido aos estados explorar.
3.1.6 Os estados, pela capilaridade dos seus aparelhos fiscais e policiais estão capacitados a desenvolver um controle mais efetivo das atividades lotéricas. Modernos recursos tecnológicos disponíveis permitem um alto nível de controle possibilitando uma garantia para o consumidor e concomitante controle pelos órgãos gestores e de controle tributário. A interconexão do modelo argentino é um exemplo. Os bingos e videobingos da Argentina são interconectados a um banco de dados na Loteria Nacional,  Loteria da Província e na Receita Federal. O Estado fica com 34% (tributos) dos recursos e os bingos com 66% (prêmios e gestão). 
3.1.7. – Entendemos que este projeto representa um avanço na correção de uma inconstitucionalidade flagrante: o  tratamento diferenciado a entes federativos, propiciado pelo Dec. Lei 204, que diferencia estados da federação, possibilitando a 15 deles que mantenham seus sistemas lotéricos e vedando aos demais (art. 19,III da CF);
3.1.8 – A aprovação do PL 472/07 poderá iniciar uma parceria efetiva entre governo federal e estados permitindo-lhes a competência expressa na Constituição de 1988, que colocou como regulação privativa da união – ressalte-se que a Carta Magna não colocou como monopólio da União o exercício deste serviço, como bem expressado no voto do ministro Ayres  Brito durante o julgamento da ADIN 2847.
Sinceramente, esperamos que esta espada do famigerado Decreto Lei. 204, que completa 40 anos sobre o coração das  loterias estaduais, não complete o 41º aniversário e, permita, com efeito, que a nossa Federação se aproxime um pouco mais da realidade. 
Entendemos que é de imperativa importância os debates que estão sendo conduzidos nas Comissões de Defesa do Consumidor, onde o projeto inclusive já foi aprovado e, nas Comissões de Finanças e Tributação e Constituição e Justiça e Cidadania com o objetivo de esclarecer aos parlamentares e a opinião pública a necessidade de criarmos um marco regulatório para este setor, bem como a modernização da legislação vigente, para evitar que o jogo clandestino e ilegal prospere no país.
E para finalizar, não achamos que seja o melhor caminho  proibir os jogos no Brasil, pois toda proibição é discutível e quase sempre inútil, pois nada resolve, como não resolveu nos Estados Unidos, a proibição de fabricação e comércio de bebidas alcoólicas com a edição da Lei Seca (Lei Volstead), em 1º de fevereiro de 1920. A proibição do jogo de azar no Brasil também não resolveu o problema do jogo ilegal. O poder público e a sociedade devem pensar bem antes de transformar as boas intenções dos honrados cidadãos em novos negócios para o crime organizado. Quem quiser jogar e apostar, e não puder fazê-lo de acordo com a lei, irá buscá-lo no mercado negro ou na Internet. Haverá sempre um empreendedor, como foi Al Capone, para dar à sociedade o que a sociedade quiser.
Obrigado!

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