Brasileiro aposta em bets e investe em pirâmide valor similar ao de aplicação financeira

Os brasileiros tendem a apostar em bets, como popularmente são conhecidas as apostas esportivas on-line, e a investir em pirâmides valores parecidos com os que eles investem em aplicações financeiras tradicionais, mostra um estudo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EBAPE). Assim, os brasileiros não diferenciam o dinheiro das pirâmides financeiras e das apostas em bets do dinheiro dos investimentos tradicionais, revela reportagem do VALOR Investe reproduzida pelo O Globo.
Ainda, o estudo indica que os brasileiros expostos a propagandas de sites de apostas em eventos esportivos, na internet e na televisão tendem mais a investir em esquemas de pirâmides. Significa que essas propagandas podem influenciar indivíduos a investirem em tipos de investimentos fraudulentos.
Assim, os estudiosos indicam que a publicidade dos sites de apostas deveria ser regulamentada e fiscalizada, como acontece já com a publicidade das bebidas alcoólicas, ou até mesmo proibida, como acontece com a do cigarro.
Além disso, a pesquisa mostra que os indivíduos mais impulsivos e excessivamente autoconfiantes demonstram uma disposição maior para investir em pirâmides e fazer apostas. Conforme a pesquisa, uma básica educação financeira torna essas pessoas impulsivas e excessivamente autoconfiantes menos vulneráveis ao apelo para investir em pirâmides e fazer apostas. Dessa forma, os pesquisadores recomendam que o governo desenvolva esforços para promover educação sobre dinheiro entre adultos e jovens.
O estudo foi feito com 968 participantes, todos eles com cadastro na base do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da CVM. A maior parte eram homens com idade entre 31 e 54 anos, com renda familiar de cerca de R$ 19 mil e ensino superior ou pós-graduação completos.
As pirâmides financeiras são esquemas de negócios que prometem remunerações para quem recrutar integrantes. À medida que o grupo aumenta, fica impossível cumprir com o combinado e a maioria dos membros não lucra. Esses esquemas são ilegais no país, por isso é muito difícil medir a quantidade de recursos que vão para as pirâmides. Os esquemas fingem ser investimentos legítimos, supostamente registrados na CVM, mas são falsos.
“Os investimentos regulados são transparentes sobre os seus riscos e os seus retornos não são muito maiores do que os da maioria dos produtos de investimentos. Já nas pirâmides, faltam informações para os investidores e elas oferecem remunerações muito maiores para atrair investidores novos”, afirma Matheus Moura, autor do estudo, pós-doutorando na FGV-EBAPE e professor assistente do Ibmec.
“Os documentos dos investimentos legítimos dão destaque aos fatores de risco dos produtos. Já nas pirâmides é o oposto, elas omitem os riscos significativamente. Apenas destacam o que os investidores querem ver”, diz Ricardo Lopes Cardoso, orientador da pesquisa e professor sênior da FGV-EBAPE.
Os brasileiros conseguem ver no site da CVM as instituições e os profissionais registrados para oferecerem investimentos. Ainda, os brasileiros podem registrar queixas de supostas irregularidades que identificarem na CVM.
Já as apostas esportivas on-line, popularmente chamadas de bets, são palpites feitos pelos apostadores em eventos variados. Para vencer, é necessário acertar a aposta. Caso contrário, o dinheiro é perdido. Assim, as bets são uma brincadeira que pode gerar dinheiro se o apostador contar com a sorte, muito diferente das pirâmides que são vendidas como investimentos, mas são ilegais. Contudo, são arriscadas.
As apostas on-line se popularizaram significativamente nos últimos anos, desde que foram descriminalizadas em 2018 (pela Lei 13.756) e legalizadas em 2023 (pela Lei 14.790). A regulamentação vigora desde o começo deste ano, mas causou polêmicas. “Apesar das apostas serem regulamentadas, elas causam danos à sociedade. O vício é o pior deles”, afirma Cardoso, da FGV-EBAPE.
O estudo da CVM e da FGV está em linha com levantamentos do Banco Central (BC) e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que apontam que os brasileiros destinam quantidades significativas do seu dinheiro para as bets. Os brasileiros gastam R$ 21 bilhões ao mês com as apostas esportivas on-line. Esse fenômeno acontece com brasileiros de diferentes níveis de renda, incluindo beneficiários do Bolsa Família.
Cerca de 22 milhões de brasileiros (14%) apostam em bets, o que é bem mais do que na maioria dos produtos de investimentos. Apenas 8 milhões de pessoas (5%) investem em Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) e 4 milhões de pessoas (2%) investem na bolsa. As duas maiores motivações para o uso das bets são a chance de ganhar um dinheiro rápido na necessidade (40%) e a chance de ganhar um retorno alto (39%).
Dois em cada dez apostadores (22%) acham que as bets são uma forma de investimento, mas especialistas explicam que elas não são investimentos, e sim jogos ou brincadeiras. As apostas são diferentes dos investimentos porque, nas bets, o ganho pode ser muito alto, mas a chance de ganho é menor do que a de perda, por uma questão de probabilidade. Já nos investimentos, é esperado um ganho, mesmo que seja no longo prazo. E esse ganho pode ser estimado, não é aleatório.
“Antes de apostar ou de investir, recomendo buscar educação financeira e estudar qual é a remuneração e os riscos esperados”, afirma Rodrigo Leite, professor de finanças e controle gerencial do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), que também participou do estudo. “Um brasileiro que compreende juros compostos e o seu efeito no tempo identifica com mais facilidade o que é aposta e o que é investimento”, diz.
Com o acesso às bets mais facilitado, muitas pessoas apostam como uma forma de tentar resolver suas emergências financeiras. Contudo, além de ser arriscado devido ao risco de perdas, isso levanta preocupações sobre uma potencial epidemia de ludopatia, o vício em jogos de azar, quando as apostas causam danos às finanças, aos relacionamentos e à saúde mental e física do apostador.
“As apostas em bets devem ser encaradas como um jogo de lazer, não como um investimento. Só devem apostar aqueles com dinheiro sobrando, não os endividados com dificuldade de arcar com as suas dívidas”, afirma Hudson Bessa, professor universitário de finanças e investimentos e sócio da HB Escola de Negócios. “Quem apostou em bets e ganhou pode apostar de novo, mas um valor limitado ao que já ganhou. Já quem apostou em bets, mas perdeu, só deve apostar de novo se respeitar o orçamento destinado para as apostas”, diz.