Com dívidas, Jockey de São Paulo enfrenta riscos de fim de apostas e desapropriação

Jockey I 26.11.23

Por: Magno José

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Câmara Municipal aprovou na quarta-feira um projeto de lei que proíbe o uso de animais em atividades esportivas que aceitam apostas

Antigo reduto da elite paulistana situado há mais de 80 anos nas margens da Marginal Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, o Jockey Club enfrenta uma série de reveses e corre o risco de que sua principal atividade, nos moldes de hoje, seja considerada ilegal. A Câmara Municipal aprovou na quarta-feira, em primeiro turno, um projeto de lei que proíbe o uso de animais em atividades esportivas que aceitam apostas, o que afeta diretamente a prática do turfe. A proposta, de autoria do vice-presidente da Casa, Xexeu Tripoli (PSDB), precisa passar por uma segunda votação, mas foi avalizada na primeira etapa por unanimidade.

Ainda antes da proposta, o local já se via ameaçado: a revisão do Plano Diretor sancionada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), em julho, prevê a possibilidade de o clube virar um parque. A ofensiva do Legislativo e do Executivo municipais contra o Jockey começou em 2019, quando iniciaram as discussões de um Projeto de Intervenção Urbana (PIU) para dar um novo destino ao local. O plano foi debatido em audiências públicas, com representantes do Jockey e moradores dos arredores, mas nunca avançou.

Em dezembro de 2022, o presidente da Câmara, Milton Leite (União), protocolou projeto para transformar em parque o terreno de 600 mil metros quadrados na Cidade Jardim, uma das áreas mais nobres da capital. A proposta foi aprovada a toque de caixa em primeira votação, mas nunca voltou a ser analisada no plenário. Nem foi necessário: uma articulação do próprio vereador inseriu o Jockey como um dos parques previstos na revisão do Plano Diretor.

O principal argumento de Leite para defender a desapropriação do terreno é que o Jockey deve milhões aos cofres públicos. Somente de IPTU, a dívida soma R$ 464 milhões, de acordo com o extrato da dívida ativa municipal.

As dívidas do Jockey decorrem de uma crise financeira que se estende há décadas e que se agravou conforme o interesse pelo turfe passou a minguar — o que levou também à inadimplência de sócios. O quadro de funcionários encolheu e muitos criadores transferiram seus cavalos para jóqueis de outras cidades, como Campinas (SP), Curitiba e Rio de Janeiro. Hoje, cerca de metade dos estábulos está vazia e a frequência das corridas diminuiu: eram três por semana, e agora as disputas ocorrem somente aos sábados.

Disputa na Justiça

Há anos, o Jockey contesta o valor devido na Justiça, destacando que não deveria pagar IPTU e sim o imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), já que desenvolve atividades rurais como a criação de cavalos. O Jockey também reclama por ser o único clube da cidade obrigado a pagar IPTU. Isso porque uma lei de 1966 foi alterada em 2008 para fixar que agremiações desportivas são isentas do imposto “desde que não efetuem venda de ‘poules’ ou talões de apostas” — justamente o caso do Jockey.

A briga sobre a dívida não é nova, e o Jockey já precisou ceder parte de seu patrimônio para cobrir os débitos. Em 2014, a prefeitura determinou a desapropriação da Chácara do Jockey, também na Zona Oeste, como parte do pagamento dos impostos devidos. A Justiça fixou o valor de R$ 7 milhões pelo terreno, enquanto o Jockey pediu R$ 16 milhões. As duas partes brigam até hoje na Justiça.

Transformar o Jockey em parque exige uma negociação mais complexa. Para a prefeitura, a dívida já cobriria o pagamento devido pela desapropriação, mas o clube discorda. O Jockey é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) e isso é usado por Leite para defender um valor menor da área, já que não poderia ser construído outro empreendimento. A proposta ainda tem um fundo político para Nunes, Leite e vereadores: a criação de um parque numa cidade carente de áreas verdes é bem-vista pela população.

 

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